Vivendo em bolhas, artigo de Montserrat Martins
O mundo nunca foi tão grande, tão múltiplo. O mundo nunca foi tão pequeno e uniforme, ao mesmo tempo.
O paradoxo do século 21 é o contraste entre essa espantosa diversidade e o conforto das “bolhas” em que as pessoas vivem, em que cada um de nós faz o seu ninho para morar com os seus afins.
Décadas atrás as afinidades eram influenciadas por gostar das mesmas novelas ou times de futebol na TV aberta, onde todo mundo via os mesmos programas e personagens, do Sílvio Santos aos apresentadores do Jornal Nacional. Aos poucos, as atenções foram migrando para a internet, redes sociais, séries, num processo de audiência cada vez menos coletivo e mais de “nichos” de público.
Você tem suas amizades no whatsapp, instagram, facebook, twitter, telegram, youtube, tiktok, que lhe colocam em contato com o mundo inteiro, mas ao mesmo tempo vai excluindo “naturalmente” os “diferentes”. Assim é que, num mundo cada vez mais amplo e diverso, as pessoas são cada vez mais fechadas. Esse paradoxo parece difícil de entender, mas talvez um fato seja consequência do outro.
O livro Guerra pela Eternidade, do etnógrafo americano Benjamin Teitelbaum, mostra o crescimento do pensamento tradicionalista, quase uma volta ao passado. Essa tendência mundial talvez tenha uma causa psicológica comum, a dificuldade da mente humana em assimilar mudanças muito rápidas.
A intensidade das transformações sociais, tornando visível uma diversidade sem precedentes, pode ser uma das causas psicológicas dessa retração das pessoas em seus grupos e “bolhas” fechadas. A velocidade das mudanças pode gerar uma sensação de ameaça psicológica – além das disputas reais por empregos e espaços na “sociedade de massas” – também contribuem para o tradicionalismo e os desejos de volta para o passado, mais previsível, mesmo que menos justo.
Até meio século atrás, o mundo se dividia basicamente em dois blocos, o americano e o soviético, cujos pressupostos eram claros. Hoje, além dos Estados Unidos temos outras potências como a Comunidade Europeia, a China que migrou para um sistema híbrido (cuja economia já é 3/4 privada, apesar da gestão do Estado), temos o poder do mundo árabe como você viu na Copa do Catar com a cultura muçulmana. Acabou a União Soviética e a Rússia virou um país estranho, difícil de entender nesse momento. Uma confusão planetária. Só dentro da bolha existe conforto e tudo parece ter lógica, por mais primitiva que seja.
Montserrat Martins é Médico Psiquiatra
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in EcoDebate, ISSN 2446-9394
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