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Artigo de Montserrat Martins
Essa eu ouvi no meu trabalho, que é um serviço público, frequentado por pessoas muito pobres. A paciente, que estava indo embora, tinha visto café e perguntou se não lhe cederíamos uma xícara de café, porque estava em jejum e só teria ajuda de uma vizinha, que lhe dava comida, à noite. Consegui também um pacote de bolachas para ela, que então disse assim:
– Esse pacote vai dar para hoje, amanhã e depois de amanhã.
Essa frase cortou o coração, de tristeza por essa realidade, frase que revela a fome que tantas pessoas passam e que faz a gente se sentir impotente, com tanta gente necessitada. A fome que atinge tanta e tanta gente, nesse nosso país humilde e imenso, de 200 milhões de brasileiros, cuja imensa maioria é pobre e vive pela sobrevivência.
As enchentes tornam mais dramática essa situação que já era triste, a pessoa citada hoje não está entre as vítimas desabrigadas, mas uma boa parte dessas já enfrentava privações antes. Porque coincidem, na maior parte, as áreas alagadas com as áreas habitadas pelas pessoas mais simples, mais humildes.
Uma coisa que não entendo, nesses momentos que a realidade nos choca com o sofrimento das pessoas mais desfavorecidas, é como há ainda quem não enxergue isso.
Lembrei de uma frase de ex-presidente que disse que “não tem fome no Brasil”, como se pudéssemos minimizar o problema nos comparando com a África, por exemplo, como os famélicos da Etiópia.
Muita gente chegou a criticar o bolsa família ou outros programas sociais, como se ele desestimulasse o trabalho ou deixasse as pessoas dependentes do governo. Mas esses programas sociais são uma renda mínima que não dispensa ninguém de trabalhar ou fazer “bico” para poder comer um pouco melhor, “com mistura”, como eles dizem, se referindo a uma refeição com carne e outras comidas diversificadas, pois muitas vezes é só arroz com feijão mesmo, “sem mistura”.
O impacto das enchentes – que cai justamente sobre as pessoas mais sofridas, das áreas mais vulneráveis – fez os gaúchos aceitarem (pela primeira vez, sem orgulho) as ajudas do povo de todas as outras regiões e do governo federal.
Eu, pessoalmente, ainda não ouvi críticas ao fato de termos ficado momentaneamente “dependentes” de ajuda, mas é bom estarmos psicologicamente preparados porque esse auxílio vai ser necessário por muito tempo.
Vamos precisar de apoio hoje, amanhã e depois.
Montserrat Martins é Psiquiatra.
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in EcoDebate, ISSN 2446-9394
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