José Ribamar Bento da Silva Júnior 1
A complexa realidade da região ribeirinha, no Pará, onde a colheita de açaí é parte central da economia local, mas também envolve significativas questões sociais, econômicas e ambientais.
É comum a prática de envolver crianças na colheita do açaí. P. F. J., um garoto de 13 anos, é um exemplo disso. Ele e outros meninos enfrentam desafios físicos e riscos durante a colheita, como o calor intenso e o perigo de quedas, que podem resultar em lesões graves. A atividade começa antes do amanhecer para evitar o calor excessivo, refletindo uma dinâmica de trabalho difícil e perigosa.
Boa parte das comunidades ribeirinhas dependem fortemente da produção de açaí, com o Pará sendo o maior exportador mundial da polpa da fruta. A demanda globalizada impulsiona práticas de trabalho onde o tempo é crucial para maximizar os rendimentos, valorizando-se a habilidade dos jovens pela sua leveza, reduzindo danos às palmeiras e contribuindo para o lucro familiar. No entanto, essa realidade contrasta com os limites estabelecidos pela legislação brasileira, como a Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente, que visam proteger os direitos das crianças e adolescentes crianças e adolescentes contra o trabalho prematuro e perigoso.
A falta de dados oficiais sobre o trabalho infantil na colheita de açaí é um desafio adicional na proteção desses garotos trabalhadores, com subnotificação e complexidade na fiscalização em comunidades rurais dispersas. Isso evidencia um descompasso entre a legislação e a prática observada, impactando não apenas a segurança e o bem-estar das crianças, mas também a dinâmica econômica e ambiental local. Histórias individuais, como a de P. F. J. e sua família, ilustram um panorama complexo onde as necessidades econômicas frequentemente prevalecem sobre os direitos fundamentais das crianças, perpetuando um ciclo que demanda atenção urgente das políticas públicas e da sociedade civil.
Legenda: Ao fundo, palmeiras de açaí. Os rios são as avenidas e as ‘rabetas’ são o meio de transporte. Fonte: Antonio Castro, 2024.
Aprovado no Açaí e Reprovado na Escola
Além dos impactos sociais, a participação precoce na colheita do açaí compromete gravemente o desenvolvimento educacional das crianças.
Estudos mostram que crianças envolvidas no trabalho enfrentam significativas dificuldades escolares, como atrasos no currículo e desafios de alfabetização. A sobreposição de horários entre a colheita matutina e as aulas prejudica seu desempenho escolar, enquanto a necessidade de contribuir com a renda familiar pressiona muitas famílias a priorizarem o trabalho sobre a educação formal. Isso é exemplificado na vida de vários adolescente com repetidas reprovações na escola devido às exigências do trabalho na colheita de açaí desde tenra idade.
A pressão socioeconômica sobre as famílias também é evidente no caso da dona M. R. C., que começou a trabalhar na colheita de açaí aos dez anos. Agora, aos 37 anos, ela enfrenta a realidade de ver seus filhos abandonarem precocemente a escola devido às dificuldades financeiras. Para muitas famílias, a renda do Bolsa Família e o trabalho informal se torna vital para o sustento básico, exacerbando um ciclo de exclusão educacional e vulnerabilidade social.
Rentabilidade Para Quem?
Apesar do destaque na produção e comércio do fruto, a cadeia produtiva do açaí na Região Norte apresenta lacunas significativas em rastreabilidade e fiscalização, criando espaço para a exploração e o trabalho infantil entre os produtores da região.
Em 2023, as exportações paraenses de açaí atingiram 8,2 mil toneladas, com um valor de exportação de US$ 27,74 milhões, conforme relatório do Núcleo de Planejamento e Estatísticas da Secretaria de Desenvolvimento Agropecuário e da Pesca do Pará (SEDAP). No primeiro quadrimestre de 2024, o estado exportou 4,2 mil toneladas de açaí, marcando um crescimento de 86,92% em relação ao mesmo período do ano anterior.
Da Beira do Rio Para o Mundo
O açaí conquistou o mundo. Na economia local ribeirinha do Pará, a colheita é uma atividade arriscada e fisicamente exigente. O valor pago pelo açaí aos ribeirinhos muitas vezes não compensa os riscos significativos que eles enfrentam durante a colheita. Expostos a perigos como quedas, calor intenso e animais peçonhentos, os trabalhadores ribeirinhos colocam sua saúde e segurança em risco por uma remuneração que raramente reflete a gravidade dos desafios e sacrifícios envolvidos.
A remuneração, embora fundamental para muitas famílias, muitas vezes não compensa aos riscos e esforços envolvidos. Sr. L. N. G., um apanhador de açaí, exemplifica isso, tendo passado por duas cirurgias decorrentes de acidentes durante o trabalho. Seu filho, agora assume parte das responsabilidades para sustentar a família, ilustrando os complexos dilemas enfrentados pelas famílias dependentes do açaí para sobrevivência.
Legenda: Futebol na várzea. Transição das marés (cheia e vazante). Ao fundo, palmeiras de açaí. Fonte: Antonio Castro, 2024.
Um Cenário Invisível
Globalmente, a produção de açaí do Pará é importante para a economia regional, mas enfrenta críticas. Iniciativas de conscientização e fiscalização têm buscado abordar essas questões, visando garantir práticas de trabalho éticas e sustentáveis na cadeia de produção do açaí. A falta de transparência e a invisibilidade dos ‘peconheiros’ (apanhadores de açai) destacam desafios significativos nesse processo, exigindo uma maior conscientização dos consumidores sobre a origem e as condições de produção do açaí que consomem.
Enquanto academias lotadas celebram um estilo de vida saudável e ativo, muitas vezes desconhecem a dura realidade das crianças que colhem açaí no Pará. A disparidade entre esses mundos evidencia a necessidade urgente de conscientização e ação para proteger os direitos e o futuro dessas crianças.
Em suma, a colheita de açaí, no Pará, é um microcosmo de questões complexas que envolvem direitos humanos, desenvolvimento econômico e sustentabilidade ambiental.
A necessidade urgente de políticas públicas eficazes, que equilibrem a segurança financeira das famílias com o acesso universal à educação e condições de trabalho dignas, é evidente para minimizar as desigualdades persistentes e promover um desenvolvimento mais justo e sustentável na região.
¹ Doutorando do PPGDAM/NUMA/UFPA. Mestre em Ciências Ambientais e Desenvolvimento Sustentável pelo Programa de Mestrado em Uso Sustentável de Recursos Naturais em Regiões Tropicais da UFPA/ITV. MBA em Gestão Ambiental pela Fundação Getúlio Vargas. Psicanalista pelo Instituto Brasileiro de Psicanálise Clínica. Graduado em Engenharia Florestal pela Universidade Federal Rural da Amazônia. Analista de Gestão Ambiental na Diretoria de Gestão Florestal da SEMAS/PA | http://lattes.cnpq.br/0911310499398289
Referências:
ANDI Comunicação e Direitos. Operação de órgãos federais flagra trabalho infantil na colheita do açaí em cidades do Pará. Disponível em: <https://andi.org.br/infancia_midia/ operacao-de-orgaos-federais-flagra-trabalho-infantil-na-colheita-do-acai-em-cidades-do-para/> Acesso em: 30 jun. 2024.
CINTRA, A. L. Trabalho infantil e a indústria do açaí: a triste realidade que precisa ser contada. Disponível em: <https://www.belemnegocios.com/post/trabalho-infantil-e-a- industria-do-acai-a-triste-realidade-que-precisa-ser-contada> Acesso em: 29 jun. 2024.
CORREIO BRAZILIENSE. Açaí: Washington Post denuncia que produção brasileira usa trabalho infantil. Disponível em: <https://www.correiobraziliense.com.br/brasil /2023/11/6659516-acai-washington-post-acusa-producao-brasileira-de-usar-trabalho-infantil. html> Acesso em: 29 jun. 2024.
NUZZI, Vitor. Com flagrantes de trabalho infantil, cadeia produtiva do açaí fica na mira da fiscalização até o final da colheita. Disponível em: <https://www.redebrasilatual.com.br/ cidadania/trabalho-infantil-acai-fiscalizacao/> Acesso em: 30 jun. 2024.
O ANTAGONISTA. Exploração infantil e riscos ocultos por trás da indústria global de açaí. Disponível em: <https://oantagonista.com.br / brasil/ exploracao – infantil- e -riscos -ocultos-por-tras – da – industria-global – de-acai/> Acesso em: 29 jun. 2024.
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in EcoDebate, ISSN 2446-9394
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