sábado, 26 de agosto de 2017

MUDANÇAS CLIMÁTICAS : ADAPTAÇÃO DAS CIDADES

Não adaptar as cidades às mudanças climáticas sairá no mínimo cinco vezes mais caro


Por Maria Fernanda Ziegler | Agência FAPESP
Estudo do Projeto Metrópole, com Santos como modelo, considerou apenas prejuízos imobiliários. Pesquisadores estimam que, se nada for feito, perdas podem aumentar ainda mais ao se considerar áreas como saúde (foto: Agência FAPESP)
Estudo do Projeto Metrópole, com Santos como modelo, considerou apenas prejuízos imobiliários. Pesquisadores estimam que, se nada for feito, perdas podem aumentar ainda mais ao se considerar áreas como saúde (foto: Agência FAPESP)
Como outras cidades costeiras, a cidade de Santos, no litoral paulista, vive uma situação que lembra a fábula da formiga e da cigarra. Com a expectativa de que o nível do mar continue a aumentar nos próximos anos, enfrenta o dilema de se adaptar ao que vem pela frente ou ter que pagar o preço alto de ressacas e inundações cada vez mais frequentes.
A adaptação às mudanças climáticas implica obras caras para o orçamento de um município. No caso de Santos, os valores estão definidos. Um amplo estudo concluiu que o custo mínimo com obras na região da Ponta da Praia de Santos e na Zona Noroeste ficaria em torno de R$ 300 milhões. Já o preço por não se adaptar às mudanças climáticas chegaria, pelo menos, à cifra de R$ 1,5 bilhão, fora todo o sofrimento causado à população.
“Mas esse custo de R$ 1,5 bilhão pode estar subestimado, uma vez que o modelo considera apenas a estrutura física de imóveis e os cálculos são baseados no seu valor venal. Se incluirmos prejuízos em outras áreas, como saúde e educação, por exemplo, o valor chegaria facilmente a R$ 3 bilhões”, disse José Marengo, coordenador-geral de Pesquisa e Desenvolvimento do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) e coordenador do Projeto Metrópole, à Agência FAPESP.
O cálculo faz parte do resultado final do projeto, apoiado pela FAPESP e pelo Belmont Forum, iniciativa internacional que estuda estratégias de adaptação aos impactos das mudanças climáticas em três localidades costeiras: Santos, Selsey (Inglaterra) e o condado de Broward (Flórida, Estados Unidos).
No projeto, que se encerra após quatro anos de estudos, o grupo de pesquisadores do Cemaden, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), do Instituto Geológico (IG) e das universidades de São Paulo (USP) e Estadual de Campinas (Unicamp) seguiu três eixos de pesquisa: estimativa de perdas econômicas e análise de capacidade adaptativa, modelagem dos extremos climáticos e impactos na saúde. Os cenários consideraram projeções para os anos de 2050 e 2100.
A análise dos impactos na saúde é uma mostra de como os impactos climáticos são amplos, atingindo diversos setores da sociedade. Nela, os pesquisadores calcularam a relação do aumento das temperaturas com a incidência de dengue. Foi observado que, quando há essa conexão, só os gastos com internação e tratamento para pacientes, em Santos, sobem em pelo menos R$ 720 mil.
“A saúde é um fator-chave que afeta diretamente a vida da população, por isso é importante ter esses dados para justificar a necessidade das medidas adaptativas. Colocamos alguns valores, mas se juntarmos todas as doenças relacionadas ao aumento de temperatura e às inundações, que desabrigam pessoas, conseguimos ver o real impacto desse problema na área da saúde”, disse Luiz Eduardo Oliveira e Cruz de Aragão, pesquisador do Inpe e integrante do projeto.
Aragão explica que o estudo de análise de risco e estratégia de adaptação identificou a conexão entre o fenômeno do El Niño e o aumento dos casos de dengue nos verões de 2010 e 2015.
“Já foi levantado que o El Niño causa aumento de temperatura e agora conseguimos relacionar esse aumento de temperatura anômalo com a proliferação dos casos de dengue. É importante essa ligação, pois conseguimos entender os padrões climáticos e suas consequências e quantificar o impacto para a cidade”, disse.
Ciência, poder público e população
Em Santos, o nível relativo do mar tem aumentado em taxas diferentes desde a década de 1940. “Com base em séries históricas, identificamos dois possíveis cenários para a cidade, um mais realista (taxa de elevação do nível relativo do mar de 0,36 cm/ano) e outro, o pior dos cenários (taxa de 0,45 cm/ano). Com base nesses dois cenários, a conclusão foi que o nível do mar pode aumentar entre 18 e 23 centímetros até 2050 e entre 36 e 45 centímetros atéem 2100”, disse Celia Regina de Gouveia Souza, pesquisadora do Instituto Geológico e participante do projeto.
O modelo também considera a ocorrência de eventos extremos, como marés meteorológicas e ressacas – cada vez mais frequentes por causa das mudanças climáticas – que resultam em um rápido aumento do nível do mar.
Segundo Gouveia Souza, que mantém um banco de dados sobre a ocorrência desses eventos extremos na Baixada Santista (1928 a 2016), observou-se um aumento considerável do número de eventos de ressaca por ano e outro aumento no número de anos consecutivos com ressacas, a partir do final da década de 1990.
“A série histórica de dados maregráficos de Santos apontou que o nível máximo atingido durante um desses eventos extremos durante a década de 2000 foi de 146 centímetros. As projeções indicam que ele poderá atingir 160 centímetros em 2050 e 166 centímetros em 2100. Com isso, a cidade ficará ainda mais suscetível e vulnerável às inundações costeiras e a erosão na praia aumentará e migrará na direção do Bairro do Embaré (Canal 4)”, disse a pesquisadora do IG.
Após analisarem os cenários de inundações costeiras para 2050 e 2100 e obterem os danos potenciais sobre os imóveis atingidos, os pesquisadores compartilharam os resultados com a população de Santos e o poder público, para a indicação das melhores medidas de adaptação.
“Nessas discussões com a população é que apareceram as opções de adaptação. Uma delas é a fortificação: construção de muros, diques e melhorar a estrutura. Em outros casos, há medidas como o engordamento da praia. Outra estratégia que vimos como necessária para Santos é a recuperação dos manguezais, que entra na categoria de adaptação baseada em ecossistema”, disse Marengo.
“As medidas escolhidas pela população foram bastante adequadas. Esperamos agora que o projeto continue a ser encampado pela população e pelo poder público. Assim, teremos uma perspectiva bastante positiva de que o cenário sombrio não vai acontecer”, disse Luci Hidalgo Nunes, pesquisadora da Unicamp e participante do projeto.
Santos, onde está o maior porto da América Latina, foi escolhida pelos pesquisadores do Projeto Metrópole como objeto de estudos não só pela relevância econômica, mas também por ser a cidade costeira brasileira com melhor qualidade de dados históricos sobre marés, chuvas, temperatura e ressacas.
“A adaptação, ainda que seja discutida pela ciência e pelos tomadores de decisão, tem que ter uma política. Tem que partir do governo. É uma ação que não pode parar e que, obviamente, tem que ter investimento. A cidade de Santos chegou a um alto nível de conscientização, com um amplo diálogo entre população, tomadores de decisão e academia. As obras devem ser feitas, pois quando isso fica apenas no papel é o pior que pode acontecer”, disse Marengo.

 in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 25/08/2017

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