Os idosos serão as principais vítimas das ondas letais de calor, artigo de José Eustáquio Diniz Alves
Os efeitos do aquecimento global e das ondas letais de calor sobre a saúde dos idosos são preocupantes, pois, sem dúvida, as pessoas mais velhas são particularmente vulneráveis aos extremos de temperatura
Existem duas megatendências que vão predominar no mundo ao longo do século XXI: 1) o aumento da temperatura média global do Planeta; e 2) O aumento da quantidade de pessoas idosas com 60 anos e mais de idade. O choque entre as duas tendências ocorre porque o calor extremo não é bom para a saúde dos idosos.
O gráfico abaixo mostra que havia 200 milhões de idosos no mundo, com 60 anos e mais de idade, em 1950, representando 8% da população global. Este número passou para 1,14 bilhão em 2023 (representando 14,2% do total populacional). A Divisão de População da ONU projeta 3,1 bilhões de idosos, representando 30% da população global de 10,4 bilhões de habitantes, em 2100.
Portanto, o mundo tinha 200 milhões de idosos em 1950, chegou a 1 bilhão em 2018 e deve alcançar mais de 3 bilhões de idosos em 2100. Não custa lembrar que as crianças de hoje serão os anciões do futuro. Nos próximos 80 anos serão cerca de 2 bilhões de idosos a mais no mundo. O desafio será evitar o desequilíbrio climático que, se ocorrer de maneira descontrolada, afetará a sobrevivência e a qualidade de vida da população da terceira idade.
O outro evento que tem marcado o Planeta é o aquecimento global. O gráfico abaixo da NOAA (Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos EUA) mostra que até cerca de 1940 as temperaturas anuais (em azul) estavam abaixo da média do século XX e depois de 1970 as temperaturas anuais (em vermelho) ficaram consistentemente maiores do que a média do século XX. Na década de 1950 houve uma variação positiva de 0,12º Celsius.
Mas a partir dos anos 70, o aquecimento global iniciou uma subida espetacular. Na década de 1970 a variação decenal da temperatura foi de 0,23º C. Nas três décadas seguintes a variação decenal ficou em torno de 0,15º C. Mas na década passada (2011-20) o aumento decenal saltou para 0,44º C, um ritmo nunca visto na série de 1880-2020 e nem em qualquer momento do Holoceno (últimos 12 mil anos).
O que estava ruim na década passada piorou na atual década. O mês de julho de 2023 registrou a maior temperatura mensal dos últimos 120 mil anos. A temperatura da água marinha na ponta da Flórida atingiu os níveis das banheiras de hidromassagem, ultrapassando 37,8 graus Celsius por dois dias seguidos, o que os meteorologistas dizem que pode ser a água do mar mais quente já medida. A temperatura bateu recordes nos continentes e nos oceanos.
No Atlântico Norte, a temperatura ultrapassou os 25º Celsius em agosto de 2023, pela primeira vez nos registros da civilização humana. Nos dias 17 e 18 de novembro de 2023 as anomalias diárias da temperatura global atingiram perigosamente o limite superior, de 2º C, do Acordo de Paris.
O Homo sapiens nunca conviveu com temperaturas tão elevadas. Se o aquecimento global continuar no ritmo atual, a civilização estará, no longo prazo, no caminho de uma catástrofe. As ondas letais de calor e de fogo vão se intensificar e temperaturas acima de 40º Celsius vão se tornar mais comuns e mais duradouras. Todas as populações humanas e não humanas vão sofrer.
Estudo publicado na revista acadêmica Nature Medicine, indicou que 61 mil morreram em onda de calor de 2022 somente na Europa. O calor excessivo está se tornando um problema de saúde pública, além de ameaçar o desempenho da economia.
A consultoria Deloitte revela que a inação sobre a mudança climática pode custar à economia mundial US$ 178 trilhões até 2070, mas, por outro lado, a economia global poderia ganhar US$ 43 trilhões nas próximas cinco décadas, acelerando rapidamente a transição energética para emissões líquidas zero.
Se as temperaturas elevadas aumentam os riscos para todas as pessoas, entre os indivíduos mais velhos podem ser mortais. Os idosos não suam ou esfriam tão eficientemente quanto os mais jovens. O estresse por calor pode piorar as condições subjacentes, como doenças cardíacas, pulmonares e renais e o calor extremo pode desencadear delírios.
Os efeitos do aquecimento global e das ondas letais de calor sobre a saúde dos idosos são preocupantes, pois, sem dúvida, as pessoas mais velhas são particularmente vulneráveis aos extremos de temperatura, especialmente aquelas com alguma comorbidade. A seguir estão alguns dos impactos que podem ser observados:
Aumento das doenças cardiovasculares: O calor extremo coloca um estresse adicional no sistema cardiovascular dos idosos, aumentando o risco de ataques cardíacos, derrames e outras complicações relacionadas ao coração.
Desidratação: Os idosos têm uma capacidade reduzida de regular a temperatura corporal e podem não sentir sede adequadamente, tornando-os mais suscetíveis à desidratação durante períodos de calor intenso.
Insolação e golpe de calor: Os idosos são mais propensos a sofrerem insolação e golpes de calor, uma vez que têm menos capacidade de se resfriar por meio do suor e podem não perceber os sinais iniciais dessas condições.
Agravamento de condições crônicas: Temperaturas extremas podem agravar condições de saúde preexistentes, como doenças respiratórias, diabetes e hipertensão arterial, tornando a gestão dessas condições mais difícil.
Aumento de infecções relacionadas ao clima: O aquecimento global também pode afetar os padrões de doenças infecciosas, como doenças transmitidas por mosquitos, carrapatos ou outros vetores, e os idosos podem ter maior suscetibilidade a essas infecções.
Problemas respiratórios: A qualidade do ar pode ser afetada pelo aumento das temperaturas, o que pode agravar problemas respiratórios, como asma e doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC).
Estresse térmico: Os idosos podem ter dificuldade em regular sua temperatura corporal durante ondas de calor, levando a estresse térmico e exaustão.
Mobilidade reduzida: Com o envelhecimento, muitos idosos têm mobilidade limitada, o que pode dificultar a busca por abrigo ou áreas mais frescas durante episódios de calor extremo.
Isolamento social: O calor excessivo pode levar ao isolamento social, pois os idosos podem evitar sair de casa para evitar os riscos associados ao calor, o que pode impactar negativamente sua saúde mental.
Impacto na saúde mental: O estresse e as preocupações relacionadas ao calor extremo e às mudanças climáticas em geral podem afetar a saúde mental dos idosos, contribuindo para a ansiedade e depressão.
É importante destacar que o aquecimento global é uma questão complexa e multifacetada, e os impactos na saúde dos idosos são apenas uma parte das muitas consequências que podem ocorrer devido às mudanças climáticas. Ações para mitigar o aquecimento global e proteger os grupos vulneráveis, como os idosos, são essenciais para preservar a saúde e o bem-estar das futuras gerações, pois as ondas de calor podem se constituir em uma pandemia muito mais letal e prejudicial do que a Covid-19.
Artigo publicado na revista acadêmica The Lancet (Romanello et al, 14/11/2023) mostrou que as mortes de pessoas com mais de 65 anos relacionadas ao calor extremo já aumentaram 85% desde a década de 1990 e o número de pessoas que correm o risco de morrer devido aos efeitos do calor extremo pode aumentar em cinco vezes até 2050.
As crianças também são muito vulneráveis ao aumento da temperatura. Mas as projeções da ONU indicam que, em 2100, haverá cerca de 560 milhões de crianças de 0 a 4 anos (cerca de 5% da população total) e 3,1 bilhões de idosos de 60 anos e mais de idade (cerca de 30% da população total). Os idosos com mais de 80 anos serão os mais vulneráveis.
O melhor é prevenir para não precisar remediar. Ações para mitigar o aquecimento global são essenciais, pois a quantidade de gases de efeito estufa na atmosfera já ultrapassou os limites para evitar romper a barreira de 1,5º C em relação ao período pré-industrial. Políticas de adaptação também serão cada vez mais necessárias para minimizar a morbidade e a mortalidade.
A humanidade terá que aprender a lição de que o bem-estar das pessoas, especialmente dos idosos, dependerá, cada vez mais, do bem estar ambiental e da estabilidade climática. A COP28, que começa no dia 30 de novembro, precisa tomar medidas concretas para evitar o descontrole climático que pode tornar amplas áreas da Terra inabitável.
José Eustáquio Diniz Alves
Doutor em demografia, link do CV Lattes:
http://lattes.cnpq.br/2003298427606382
Referências:
ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século XXI (com a colaboração de GALIZA, F), ENS, maio de 2022
https://ens.edu.br:81/arquivos/Livro%20Demografia%20e%20Economia_digital_2.pdf
Marina Romanello et al. The 2023 report of the Lancet Countdown on health and climate change: the imperative for a health-centred response in a world facing irreversible harms, The Lancet, November 14, 2023 https://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(23)01859-7/fulltext
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in EcoDebate, ISSN 2446-9394
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