terça-feira, 17 de dezembro de 2024

Os jovens de hoje e os bebês que ainda vão nascer serão os idosos de 2100 .

 Artigo de José Eustáquio Diniz Alves

O século XXI será o século do envelhecimento populacional. Pela primeira vez na história haverá mais idosos de 60 anos e mais de idade do que crianças e jovens de 0 a 18 anos. A maturidade superará a menoridade.

No caso brasileiro, nas duas últimas décadas do atual século, haverá mais idosos de 80 anos e mais de idade do que jovens do grupo 0-14 anos.

Diante do crescimento das gerações prateadas é comum ouvir muitas pessoas manifestando preocupação com o investimento na capacitação e na qualidade de vida da futura população da 3ª idade. Porém, os idosos do futuro são os jovens de hoje e os bebês que ainda vão nascer. Por conseguinte, investir nos idosos de 2100 requer o investimento nas crianças e jovens atuais e planejar o investimento nas novas gerações de crianças que ainda não vieram à luz.

A tabela abaixo, com dados das projeções populacionais da Divisão de População da ONU, mostra o número de habitantes brasileiros, por grupos etários e as coortes de nascimento, em 2100. Nota-se que a população idosa de 60 anos e mais de idade será de 65,2 milhões de pessoas, representando 40% da população total, estimada em 163,4 milhões de habitantes em 2100.

A tabela mostra também alguns números relevantes. O número de centenários brasileiros está estimado em 619 mil pessoas com 100 anos ou mais de idade em 2100, representando somente 0,4% da população total. Ou seja, as pessoas que nasceram no século XX e sobreviveram no século XXI, serão os idosos centenários de 2100.

população brasileira em 2100 por grupos etários

Dos 65,2 milhões de idosos (60+) em 2100, cerca da metade, isto é, 33,5 milhões de pessoas, nasceram entre 2001 e 2025. Outros 31,1 milhões dos futuros idosos do final do atual século ainda vão nascer entre 2026 e 2040. A população com menos de 60 anos em 2100 será de 98,2 milhões de pessoas e será composta por bebês que irão nascer entre 2041 e 2100.

Por conseguinte, investir na qualidade de vida das futuras gerações idosas significa investir em todas as gerações, nos 33,5 milhões de jovens que nasceram de 2001 a 2025 e se preparar e planejar para investir no pré-natal e na primeira infância das gerações que vão nascer entre 2025 e 2040. Combater o etarismo é reconhecer que todas as pessoas importam, independentemente das suas idades específicas.

Investir na primeira infância tem efeitos duradouros, pois tem consequências na saúde e no bem-estar ao longo de toda a vida, influenciando sobremaneira o envelhecimento. Estudos mostram que cuidados e estímulos adequados nos primeiros anos da vida melhoram não só o desenvolvimento cognitivo e emocional, mas também aspectos físicos e de saúde, o que, por sua vez, pode contribuir para um envelhecimento mais saudável. Os investimentos no pré-natal e na primeira infância são para a vida toda:

Investir no pré-natal

  1. Cuidado no Pré-natal: Durante a gravidez, a nutrição materna desempenha um papel central no desenvolvimento do cérebro, sistema nervoso e imunológico do feto. O cuidado pré-natal traz benefícios substanciais tanto para o desenvolvimento infantil quanto para a promoção de um envelhecimento saudável. Isso ocorre devido à importância crítica do ambiente intrauterino no estabelecimento das bases da saúde ao longo da vida.

  2. Desenvolvimento Cerebral nos primeiros anos de vida: Durante a primeira infância, o cérebro se desenvolve de forma acelerada e estímulos positivos ajudam a estabelecer uma base sólida para o aprendizado e a saúde mental. Essa base fortalece a resiliência mental e emocional, que é crucial para enfrentar os desafios que vêm com o envelhecimento.

  3. Saúde Física de Longo Prazo: Bons cuidados na infância ajudam a reduzir o risco de doenças crônicas mais tarde, como hipertensão, diabetes e problemas cardiovasculares. Crianças que recebem nutrição adequada e vivem em um ambiente seguro e estimulante são mais propensas a desenvolver um sistema imunológico robusto, o que pode diminuir a suscetibilidade a doenças na velhice.

  4. Redução do Estresse Tóxico: A exposição a estresse tóxico na infância está associada a um risco aumentado de doenças crônicas e envelhecimento celular precoce. Por outro lado, crianças que crescem em ambientes saudáveis, com afeto e estabilidade emocional, têm menos chances de vivenciar estresse tóxico, o que preserva a saúde mental e física e ajuda a evitar o desgaste celular.

  5. Impacto Socioeconômico no Envelhecimento: Investimentos na educação e no bem-estar na infância melhoram a escolaridade e a empregabilidade na vida adulta. Isso influencia diretamente a segurança econômica e o acesso a cuidados de saúde de qualidade ao longo da vida, condições que impactam profundamente o envelhecimento saudável.

  6. Envolvimento Social e Felicidade: As experiências iniciais ajudam a desenvolver habilidades sociais e emocionais. Pessoas que têm uma base emocional sólida tendem a construir redes de apoio social, o que é essencial para o envelhecimento, pois interações e apoio social estão associados a um envelhecimento mais feliz e saudável.

Investir no pré-natal e na primeira infância, portanto, promove um ciclo virtuoso: prepara a criança para uma vida mais saudável e produtiva, reduzindo o impacto de problemas de saúde física e mental e potencializando a qualidade de vida até a velhice.

O documento “Intergenerational relations: creating a world for all ages so that no one is left behind” (ECLAC 2024), apresenta, além de uma análise demográfica, também uma série de ações para criar um mundo para todas as idades, para que ninguém seja deixado para trás. As ações a seguir são fundamentais para promover a solidariedade intergeracional:

• Combater o preconceito de idade e erradicar a discriminação etária em todas as suas formas.

• Criar trabalho decente e inclusivo para todos.

• Criar forças de trabalho multigeracionais.

• Aumentar a participação das mulheres na força de trabalho.

• Promover a equidade nos cuidados prestados e recebidos.

• Promover o trabalho decente na economia de cuidados.

• Desenvolver sistemas de cuidados de longo prazo.

• Aumentar a inclusão e a sustentabilidade dos sistemas de proteção social.

• Priorizar a educação continuada e o treinamento ao longo do curso de vida.

• Garantir a inclusão digital de todos os grupos.

• Apoiar arranjos de vida variados, respeitando nuances e normas culturais.

• Investir na coleta, análise e disseminação de dados desagregados por idade e sexo.

• Mudar a narrativa sobre o envelhecimento e as gerações futuras.

• Fortalecer a colaboração e as parcerias.

Portanto, cuidar dos idosos de 2100 requer o investimento em todas as pessoas, inclusive nas crianças e jovens que nascerem antes de 2040 e também investimentos nas gerações em idade considerada ativa, pois as relações multigeracionais são transversais e a sinergia intergeracional é fundamental para o bem-estar de toda a população. Os jovens, os adultos e os idosos precisam caminhar juntos e de mãos dadas, para o bem comum de todos os habitantes da nação.

José Eustáquio Diniz Alves
Doutor em demografia, link do CV Lattes:
http://lattes.cnpq.br/2003298427606382

Referências:

ALVES, JED. Envelhecimento populacional, intergeneridade e intergeracionalidade, Portal do Envelhecimento, 07/12/2023

https://portaldoenvelhecimento.com.br/envelhecimento-populacional-intergeneridade-e-intergeracionalidade/

ALVES, JED. O Brasil vive uma revolução demográfica e precisamos nos preparar para a nova realidade, Portal do Envelhecimento, 23/08/2024

https://portaldoenvelhecimento.com.br/o-brasil-vive-uma-revolucao-demografica-precisamos-nos-preparar-para-a-nova-realidade/

ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século XXI (com a colaboração de GALIZA, F), ENS, maio de 2022

https://prdapi.ens.edu.br/media/downloads/Livro_Demografia_e_Economia_digital_2.pdf

United Nations, Intergenerational relations: creating a world for all ages so that no one is left behind (LC/TS.2024/87), Santiago, Economic Commission for Latin America and the Caribbean (ECLAC), 2024. https://repositorio.cepal.org/server/api/core/bitstreams/234baa5f-6d8e-4448-81cd-c3f75ac4fea9/content

 

in EcoDebate, ISSN 2446-9394

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