quarta-feira, 25 de novembro de 2015

DEMOGRAFIA NO BRASIL.

A demografia não é culpada pela atual crise brasileira, artigo de José Eustáquio Diniz Alves

Publicado em novembro 25, 2015 
O Rio? É doce.
A Vale? Amarga.
Ai, antes fosse
Mais leve a carga.
Quantas toneladas exportamos
De ferro?
Quantas lágrimas disfarçamos
Sem berro?
(Carlos Drummond de Andrade, 1902-1987)

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[EcoDebate] A demografia não é culpada pela atual crise brasileira. Ao contrário, o Brasil vive o seu melhor decênio (2015-2024) demográfico da história… passada, presente e futura. Nunca nos 515 anos, desde a chegada do Cabral, a razão de dependência (RD) foi tão baixa. Porém, este período de bonança não vai durar para sempre. Após 2025 a RD subirá novamente, segundo as projeções do IBGE. Assim, a RD está no fundo do vale, pois os níveis eram mais elevados no passado e serão mais elevados no futuro.
A queda da razão de dependência ocorre devido à transição demográfica, que só acontece uma vez na história de cada país. Consequentemente, a baixa relação entre pessoas em idade de trabalhar e pessoas em “idade dependente” também só acontece uma vez na história, criando uma janela de oportunidade singular. Portanto, o bônus demográfico ocorre em função da mudança da estrutura etária da população. É um fenômeno único que acontece em função da passagem de uma estrutura etária jovem para uma estrutura etária envelhecida. Da mesma forma como uma pessoa passa somente uma vez de criança, para adolescente, para adulto e para idoso, a mudança da estrutura etária só acontece uma vez na história de cada país.
Ou seja, o Brasil está passando pelo melhor momento do seu bônus demográfico. O período exato depende da forma como se mede a razão de dependência (RD). Se adotarmos o período de idade produtiva como sendo de 15 a 59 anos e as idades dependentes como sendo de 0 a 14 anos e 60 anos e mais, então a RD estará em seu nível mais baixo (55,9%) entre 2015 e 2018 (lembrando que a pessoa idosa no Brasil é definida a partir dos 60 anos, conforme o Estatuto do Idoso). Se adotarmos a definição de população em idade ativa como sendo de 15 a 64 anos, então a RD estará em seu nível mais baixo (43,4%) entre os anos de 2021 e 2024.
Assim, o nível mais baixo da razão de dependência (RD) varia em função da definição de qual é a população em idade ativa e a população dependente. Mas qualquer que seja o critério adotado, a RD vai começar a subir inevitavelmente. Subirá ou em 2019 ou em 2025. Portanto, não dá para culpar o envelhecimento populacional pela crise econômica de 2015. Pode ser que o envelhecimento seja uma carga pesada no futuro (vai depender de como os idosos serão tratados e de como eles irão agir e reagir), mas por enquanto o Brasil ainda tem uma razão de dependência baixa e muito favorável.
Os noticiários mostram que o Brasil está no meio da maior crise econômica da sua história. Os institutos de pesquisa e os organismos internacionais (Cepal, FMI, OCDE, etc.) confirmam o péssimo desempenho do país. Mas isto nada tem a ver com a demografia e sim com os erros da política econômica, com o populismo social e cambial e com as condições políticas do presidencialismo de coalizão.
Os governos Lula e Dilma adotaram uma estratégia de crescimento baseado no aumento do consumo, sem se preocupar com o aumento da produtividade e pouco fazendo para aumentar as taxas agregadas de poupança e investimento. Para piorar a situação, estabeleceram uma taxa de câmbio sobrevalorizado enquanto os ciclo do boom das commodities permitiu. Até o ano de 2011 as exportações estavam crescendo e a competitividade do comércio internacional não preocupava tanto os gestores. O mercado de trabalho também estava avançando e aumentando as taxas de ocupação até 2012 (segundo a PME do IBGE). Os diferenciais de juros internos (spread) garantiam a entrada de capitais forâneos. O gasto público crescia muito, mas as receitas não estavam fazendo feio. A ampliação dos gastos sociais evitava uma rebelião entre a população mais pobre.
Todavia, este quadro relativamente tranquilo se transfigurou para uma situação crítica a partir de 2013. As manifestações de junho daquele ano já apontavam, consciente ou inconscientemente, para o descontentamento popular com o quadro macroeconômico do país. As taxas de atividade no mercado de trabalho começaram a declinar, embora o desemprego aberto não estivesse subindo. As contas públicas mostraram sinais de rápida deterioração. Os déficits em transações correntes subiram de forma alarmante. Para sustentar suas reservas cambiais, o governo passou a gastar fortunas com os swaps do Banco Central. A inflação escapou do centro da meta. O governo passou a gastar outros bilhões com as desonerações fiscais via BNDES (a chamada “Bolsa empresário”). O Eldorado do pré-sal virou “ouro de tolo”: primeiro quebrou o megalômico empresário Eike Batista, depois quebrou a Petrobras (a empresa mais endividada do mundo), vindo em seguida o desmonte de toda a cadeia produtiva e dependente dos combustíveis fósseis. O setor energético como um todo foi desorganizado e a manipulação das tarifas contribuiu para a inflação de 2015. Para piorar a conjuntura econômica, a operação Lava-Jato mostrou que o Brasil viveu nos últimos anos o maior escândalo de corrupção do mundo. Houve rebaixamento geral das expectativas de empresários, trabalhadores, investidores e do povo em geral.
Embora toda esta realidade tenha sido ocultada e fantasiada nas eleições do ano passado, a verdade crua e nua se impôs em 2015, com a deterioração completa das condições econômicas: aumento das dívidas interna e externa, aumento da inflação, diminuição do emprego, crescimento do desemprego, redução da renda das famílias, quebradeira generalizada, etc. O governo que prometia o paraíso passou a propor um duro ajuste fiscal. No começo de 2015 o ministro Joaquim Levy propunha um superávit primário de 1,2% do PIB, mas as estimativas de novembro são de um rombo no orçamento de mais de 1% do PIB, quando se incorpora as pedaladas fiscais de 2014. A crise política está inviabilizando soluções concretas. Ou seja, a situação está ruim, nada foi feito para remediar e vai piorar em 2016.
O Estado aumentou suas intervenções na economia, mas não melhorou a eficiência econômica e nem avançou consideravelmente com a infraestrutura, por exemplo, em estradas e portos. Foi proposto um programa de desburocratização, mas o Brasil continua um dos países mais complicados para a abertura de uma empresa (é mais fácil abrir uma igreja) e o sistema de impostos e taxas é complicado e caro. A carga tributária é uma das mais elevadas do mundo. A Copa do Mundo de 2014 serviu para construir “elefantes brancos” (como a arena Manaus) que tem pouca utilidade e geram custos elevados para manutenção. A transposição do rio São Francisco extrapolou todos os orçamentos e previsões, não foi concluída e o rio da “integração nacional” está secando por falta de políticas que cuidem de suas nascentes. Os rios da cidade do Rio de Janeiro e a Baia da Guanabara não foram despoluídos para as Olimpíadas de 2016. O rio Doce que já vinha sofrendo com décadas e séculos de degradação, desmatamento, poluição e esgoto, agora teve a sua sentença de morte declarada com o rompimento das barragens de rejeito da mineração da Samarco (subsidiária da VALE/BHP), no município de Mariana (MG). Toda a biodiversidade foi comprometida com a morte de milhões de peixes e outras espécies que não resistiram ao mar de lama.
O Brasil promoveu uma política keynesiana rastaquera e agora vive uma situação de déficit fiscal crônico. Setores do governo e do PT não conseguem fazer uma autocrítica e querem repetir os erros da “nova matriz macroeconômica”. As despesas públicas, inclusive com as altas taxas de juros, crescem muito mais rápido do que as receitas. O Brasil passou a fazer superávits crescentes na balança comercial, mas em função da grande queda das importações, devido à desvalorização do Real (que deixa toda a população mais pobre). É claro que a desaceleração da economia internacional e da China contribui para o péssimo desempenho das exportações brasileiras Investiu mais na indústria automobilística e no sonho do carro próprio do que no transporte coletivo. Mas a queda do desempenho brasileiro é maior do que a queda da maioria dos países e o Brasil perde participação relativa no comércio internacional. O Brasil privilegiou a construção de shoppings em vez de fábricas competitivas. O Brasil vem se desindustrializando rapidamente, com a reprimarização da economia. Houve endividamento das empresas nacionais em dólar e agora o Brasil está fragilizado diante de um possível aumento das taxas de juros americanas. O crescimento econômico foi endeusado como a grande solução para o país, mas tivemos “pibinhos” sucessivos e agora uma grande recessão. Melhor que tivesse tido um decrescimento próspero planejado (“Su recesión no es nuestro decrecimiento”).
A crise da previdência é real e o Brasil já gasta muito com o sistema de seguridade social. Mas isto não se deve ao aumento da razão de dependência demográfica. O problema deriva de um sistema muito generoso, sem o devido equilíbrio atuarial. A idade média de aposentadoria no Brasil é muito baixa e não existe uma idade mínima para evitar abusos. Além disto existem benefícios tais como aposentadorias vitalícias para determinados segmentos populacionais que não se justificam em um país com tantas desigualdades e exclusão social. Por exemplo, a União gastará R$ 3,8 bi com pagamento de pensões vitalícias a filhas de militares este ano. Governo e oposição evitam tratar do tema de uma reforma previdenciária séria e que mire o equilíbrio sustentável de longo prazo.
Houve ganhos recentes na redução da pobreza e na redução da desigualdade pessoal da renda. Mas não houve redução da desigualdade funcional da riqueza e a crise econômica está provocando uma mobilidade social descendente. O Brasil tem mais de 150 mil mortes por causas externas que poderiam ser evitadas, mas que provoca grandes transtornos para as famílias e a sociedade. Mas o Congresso Nacional busca flexibilizar o Estatuto do Desarmamento. O agronegócio avança com os bois sobre as florestas e os ecossistemas. A PEC 215 pretende transferir do Executivo para o Congresso o poder de demarcar terras indígenas, territórios quilombolas e unidades de conservação. Os parlamentares não querem aprimorar a Constituição, mas dar um golpe nela. Parlamentares tradicionalistas aprovaram em comissão especial da Câmara, o texto que define como família apenas o núcleo formado a partir da união entre um homem e uma mulher. A Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei 5.069/13, do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que modifica a Lei de Atendimento às Vítimas de Violência Sexual (Lei 12.845/13), introduzindo a obrigatoriedade de registro de ocorrência e exame de corpo de delito para as vítimas de estupro. Assim a bancada BBB (Bala, Boi e Bíblia) quer fazer uma revolução regressiva e conservadora, além de serem contra os direitos sexuais e reprodutivos e a autonomia feminina. Em nome de combater o neomalthusianismo, a bancada BBB defende uma política pró-natalista antropocêntrica, conservadora e ecocida, que vai na contramão da história.
Neste triste quadro econômico e político, parece até piada quando alguém culpa a demografia, a queda da fecundidade e o envelhecimento populacional pela estagflação nacional atual. Na verdade os erros do gerenciamento da política macroeconômica dos últimos governos brasileiros estão provocando o fim precoce do bônus demográfico, com grande desperdício de pessoas não ocupadas e pessoas que estudaram mas não encontram uma colocação no mercado de trabalho. Há milhões de jovens que nem estudam e nem trabalham. O Brasil adotou uma “especialização regressiva” e fica cada vez mais dependente da exportação de recursos naturais (petróleo, minério, nióbio, etc, além de commodities do agronegócio). Nesta opção, os ecossistemas estão sendo destruídos, assim como os rios urbanos, o rio São Francisco, o rio Paraiba do Sul e nem se fala do rio Doce. Tudo isto está colocando em xeque as possibilidades de continuidade do desenvolvimento brasileiro.
Referências:
ALVES, JED. O fim do bônus demográfico e o processo de envelhecimento no Brasil. São Paulo, Revista Portal de Divulgação, n. 45, Ano V. Jun/jul/ago 2015, pp: 6-17, (ISSN 2178-3454)
ALVES, JED. O desperdício do bônus demográfico e o fim do desenvolvimento do Brasil, apresentação realizada no NEPO/UNICAMP em 19 de outubro, SCRIBD, 05/11/2015

José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br

in EcoDebate, 25/11/2015

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