quinta-feira, 28 de abril de 2016

DIA DA TERRA.

Dia da Terra, aquecimento global e emissões de carbono, artigo de José Eustáquio Diniz Alves

Publicado em abril 27, 2016 por 

“É triste pensar que a natureza fala e que a humanidade não a ouve”
Victor Hugo

aquecimento global e emissões de CO2

[EcoDebate] O dia 22 de abril é a data do “Descobrimento do Brasil”. Não é feriado nacional e nem uma data festiva, pois não há muito o que se comemorar no país em função da invasão portuguesa. Mas o dia 22 de abril é também considerado o Dia da Terra, data proposta pelo senador norte-americano Gaylord Nelson, em 1970, para ser um momento de conscientização dos problemas gerados pela humanidade contra o Planeta e de reflexão sobre as medidas ambientais para proteger “nossa casa comum”.
No dia 22 de abril de 2016, diversos Chefes de Estado (inclusive a presidenta Dilma Rousseff) reuniram-se na Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova Iorque, para assinar o Acordo de Paris, aprovado na Conferência das Partes (COP-21), ocorrida em dezembro de 2015 na capital francesa. No total, 175 nações marcaram presença na ONU para assinar o acordo de Paris sobre mudanças climáticas.
O presidente da França, François Hollande, afirmou que a humanidade deveria estar orgulhosa do acordo alcançado. Mas uma coisa é assinar um documento e outra é colocá-lo em prática. Não será uma tarefa fácil reduzir a principal causa do aumento das emissões de CO2 que são os gases emitidos no processo de produção e aqueles gerados pela queima de combustíveis fósseis, a produção de cimento, etc. O CO2, não é o único gas de efeito estufa, mas é o maior componente antrópico do aquecimento global. O Acordo de Paris propõe manter aquecimento global bem abaixo de 2ºC, com vistas a 1,5ºC. Mas isto é incompatível sem a descontinuação de combustíveis fósseis e sem redirecionar o crescimento econômico exponencial, que tem trazido muita degradação para o meio ambiente.
Antes da Revolução Industrial, no século 19, a concentração média de CO2 na atmosfera era de cerca de 280 partes por milhão. Mas com o crescimento das atividades antrópicas, as emissões de gases de efeito estufa já fizeram a concentração de CO2 ultrapassar 400 partes por milhão (ppm), quando o limite seguro seria no máximo de 360 ppm.
O gráfico mostra que existe uma relação muito forte entre as emissões de carbono e o aumento da temperatura global. Entre 1880 e 1900 a temperatura estava 0,2oC abaixo da média da temperatura do século XX. Entre 1901 e 1950 a média da temperatura ficou 0,15oC abaixo da média do século passado e entre 1951 a 2000 ficou 0,15oC acima da média. Portanto, houve um aumento de temperatura, mas que alguns céticos consideravam como efeito natural.
Porém, o ano de 1998 foi o mais quente do século XX e ficou 0,63oC acima da média secular. E o que estava ruim, piorou muito no século XXI, pois a temperatura em 2015 ficou 0,90oC acima da média do século XX, um acréscimo de 0,27oC em apenas 17 anos. Para os incrédulos, e surpreendentemente, os três primeiros meses de 2016 tiveram um aumento climático extremamente elevado, não antecipado por ninguém e nenhum modelo estatístico. O aumento da temperatura em relação à média do século XX foi de 1,04oC em janeiro, de 1,21oC em fevereiro e de 1,22oC em março de 2016, segundo dados da Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos Estados Unidos (NOAA). Ou seja, em relação ao final do século XIX, o aumento da temperatura em 2016 está quase 1,5oC mais elevada, o que é a meta de limite máximo de aumento da temperatura proposta pelo Acordo de Paris para o ano de 2100.
Não há dúvidas de que o aumento das emissões de carbono está relacionado ao aquecimento da temperatura da Terra. O mundo ultrapassou uma fronteira planetária fundamental. Talvez o Acordo de Paris apresente medidas insuficientes e tardias (“too little, too late”). Como o mundo chegou a essa situação tão grave?
A resposta é simples. Foi o crescimento demoeconômico exponencial que ultrapassou a capacidade de suporte da biosfera. Com a Revolução Industrial e Energética o mundo iniciou uma fase de aceleração nunca vista desde o surgimento do homo sapiens. O ano de 1776 pode ser considerado um marco, pois foi o ano em que James Watt aperfeiçoou a máquina à vapor, que impulsionou a indústria e deu o início ao uso dos combustíveis fósseis. A despeito das desigualdades sociais, de 1776 a 2016, a população mundial cresceu 9,5 vezes e a economia global multiplicou por cerca de 125 vezes, conforme mostra o gráfico. Thomas Malthus estava errado, pois os meios de subsistência cresceram mais rápido do que a população, reduzindo as taxas de mortalidade, melhorando as condições de vida e ampliando os direitos de cidadania.
Em 240 anos, o crescimento anual da população ficou em torno de 0,9% ao ano e a economia em torno de 2% ao ano. Sendo que o período de maior crescimento demoeconômico ocorreu depois da Segunda Guerra Mundial, quando a população passou de cerca de 2,5 bilhões de habitantes para quase 7,5 bilhões de habitantes em 2016 e a média anual de crescimento do PIB ficou acima de 3,5% ao ano. O consumo de matérias primas e de recursos naturais cresceu de maneira exponencial. Este processo trouxe muito lucro para a humanidade, mas provocou grandes prejuízos para a natureza e a biodiversidade.
A COP-21 reconheceu que o aquecimento global gera acidificação dos oceanos, acelera a perda de solos férteis e eleva o nível dos oceanos, sendo um grande perigo para a civilização e o meio ambiente. Porém, não abordou de maneira adequada as causas que geram este aquecimento que é o crescimento demoeconômico desregrado promovido pelo processo de acumulação de capital e riqueza.

crescimento da economia global e da população mundial

Outro fator do aquecimento são as queimadas e o desflorestamento. O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe/MCTI) já registrou 16.417 focos de queimadas e incêndios florestais no Brasil em 2016, o que representa um aumento de 52% em relação ao mesmo período do ano passado. A substituição de áreas de floresta por áreas de pasto para o gado é um fator que agrava as emissões de gases de efeito estufa.
Não custa lembrar que a maior concentração de carbono na atmosfera contribui para a redução da biocapacidade dos ecossistemas. O aquecimento global também provoca o desgelo dos polos e dos glaciares elevando o nível dos mares e tornando os oceanos mais revoltos.
Os cariocas constataram isto na semana passada. No dia 21 de abril (feriado nacional e aniversário do enforcamento de Tiradentes no Rio de Janeiro) um trecho da ciclovia Tim Maia, desenhada para ir do Leme ao Pontal, caiu não só por possíveis erros de projeto e execução, mas também em função das fortes ondas de São Conrado. A revolta do mar tem sido um fenômeno cada vez mais frequente. Por ironia, no dia em que a tocha olímpica era acesa na Grécia, duas pessoas morreram em uma obra inaugurada antes das Olimpíadas 2016. Triste legado.
Em artigo publicado mês passado no periódico Atmospheric Chemistry and Physics Discussion, o cientista James Hansen e colegas (2016) afirmam que o aumento da temperatura em 2ºC pode ser extremamente perigoso, pois pode gerar super furacões e elevar o nível do mar, no longo prazo, em vários metros, ameaçando as áreas costeiras em geral, especialmente as mais povoadas.
Está cada vez mais evidente que não basta mudar a matriz energética, descarbonizar a economia e promover uma maquiagem verde no processo de produção e consumo. É preciso, urgentemente, colocar na ordem do dia o debate sobre os meios de se promover o decrescimento das atividades antrópicas e o decrescimento das desigualdades sociais. Senão, a estrutura que sustenta a civilização (assim como a ciclovia Tim Maia) pode colapsar e levar junto todas as conquistas do progresso civilizatório.
A economia depende da ecologia e não o contrário. Os desastres, geralmente, não são naturais. Mundo rico em Planeta pobre é uma coisa inviável. Não é a natureza que está ameaçando o ser humano. O ser humano está se autodestruindo ao destruir a natureza.
Referências:
MARTINE, G. ALVES, JED. Economia, sociedade e meio ambiente no século 21: tripé ou trilema da sustentabilidade? R. bras. Est. Pop. Rebep, n. 32, v. 3, Rio de Janeiro, 2015 (português e inglês)
ALVES, José Eustáquio Diniz. Os 70 anos da ONU e a agenda global para o segundo quindênio (2015-2030) do século XXI. Rev. bras. estud. popul. [online]. 2015, vol.32, n.3, pp. 587-598. ISSN 0102-3098.

José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br

in EcoDebate, 27/04/2016

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