Mulheres são mais de 30% das candidaturas das eleições 2020
Artigo de José Eustáquio Diniz Alves
[EcoDebate] O Brasil sempre foi um dos países mais desiguais do mundo, apresentando grandes iniquidades de gênero ao longo da história, pois as mulheres eram relegadas à condição de cidadãs de segunda classe. No período colonial, a economia de base agrária e primária, tinha como fundamento a grande propriedade rural, a mão-de-obra escrava, a família tradicional, o analfabetismo, o patrimonialismo, além de estruturas hierarquizadas e pouco democráticas de poder. Esta estrutura pouco diversificada e excludente não oferecia autonomia e nem oportunidades de emprego extra doméstico para a grande maioria das mulheres. A cidadania feminina era restrita. O Código Civil de 1916 consolidou, na lei, a superioridade e a preeminência masculina, definindo o marido como chefe da sociedade conjugal (Pátrio Poder), além de legitimar os princípios de uma sociedade androcêntrica.
Todavia, a aceleração do processo de urbanização, industrialização e modernização, a partir da chamada Revolução de 1930, possibilitaram que as mulheres brasileiras conquistassem diversas vitórias nas mais diferentes esferas sociais. Nas últimas décadas o progresso das mulheres ocorreu em diferentes níveis: obtiveram o direito de voto em 1932; passaram a ser maioria da população a partir da década de 1940; atingiram a maioria do eleitorado em 1998; reduziram as taxas de mortalidade, elevaram a esperança de vida e já vivem, em média, sete anos acima da média masculina; ultrapassaram os homens em todos os níveis educacionais; aumentaram as taxas de participação no mercado de trabalho, diminuíram os diferenciais salariais e são maioria da População Economicamente Ativa (PEA) com mais de 11 anos de estudo; conquistaram duas das três medalhas de ouro do Brasil nas Olimpíadas de Pequim (2008) e Londres (2012); são maioria dos beneficiários da previdência e dos programas de assistência social, conquistaram a igualdade legal de direitos na Constituição de 1988 e obtiveram diversas vitórias específicas na legislação nacional; inclusive, chegaram à presidência do Supremo Tribunal Federal (Ellen Gracie em 2006) e à presidência da República (Dilma Rousseff nas eleições de 2010 e 2014).
Porém, a despeito de todas conquistas integrais ou parciais, a exclusão feminina no Poder Legislativo continua. No ranking internacional da IPU – Inter-Parliamentary Union – o Brasil ocupa a vergonhosa posição de 143º lugar da participação feminina (com 15%) na Câmara Federal. O Brasil perde para países como Ruanda (61,3%), Bolívia (53,1%), Moçambique (42,4%), Afeganistão (27%), etc.
O eleitorado já deu provas que pode sufragar candidaturas femininas competitivas, não se tratando portanto, de considerar simplesmente o eleitor machista ou patriarcal. A literatura indica que a melhor explicação para a baixa representação feminina no parlamento ocorre devido a dois motivos: 1) o tipo de sistema político/eleitoral do país e a forma como foi redigida a política de cotas; 2) a permanência de práticas misóginas dos partidos políticos que, monopolizados pelos homens, centralizam o poder partidário e a distribuição dos recursos das campanhas.
Fazendo um breve histórico da política de cotas de gênero no Brasil, tem-se como marco a decisão do Congresso Nacional – logo após a 4ª Conferência Mundial das Mulheres ocorrida em Beijing (de 1995) – em adotar uma política de cotas para tentar reverter a exclusão das mulheres brasileiras da política parlamentar. A Lei 9.100 de 29 de setembro de 1995, no § 3º do artigo 11º estabelecia o seguinte:
“Vinte por cento, no mínimo, das vagas de cada partido ou coligação deverão ser preenchidas por candidaturas de mulheres”.
Porém, o número candidaturas subiram de 100% para 150% do número de vagas a preencher pelos partidos, significando que houve possibilidade de aumento das candidaturas masculinas. E o pior, o partido era obrigado a reservar os 20% das vagas (posteriormente passou para 30%), mas não era obrigado a preenchê-las.
Dois anos depois houve a aprovação de uma nova Lei eleitoral. O parágrafo terceiro do artigo 10º da Lei 9.504, de 30 de setembro de 1997 ficou assim redigido:
“Do número de vagas resultantes das regras previstas neste artigo, cada partido ou coligação deverá reservar o mínimo de trinta por cento e o máximo de setenta por cento para candidaturas de cada sexo”.
A nova redação da política de cota possibilitou contornar os questionamentos da inconstitucionalidade do mecanismo anterior e deu um caráter mais universalista à política de cotas, dando o mesmo tratamento para os dois sexos. A nova ação afirmativa garantiu o respeito ao princípio “todos são iguais perante a lei” e apenas estabeleceu regras de representação, ou seja, um mínimo de 30% e um máximo de 70% para cada sexo.
Porém, assim como na Lei 9100, a nova redação não garantiu o preenchimento das candidaturas femininas. Os partidos reservavam o piso dos 30% para as mulheres e respeitavam o teto de 70% para os homens, mas não preenchiam as vagas femininas. Na prática, a exclusão feminina continuou, pois os partidos políticos continuaram com suas práticas excludentes, mantendo a desigualdade de gênero nas disputas eleitorais.
Para forçar os partidos a respeitarem o espírito da Lei de Cotas visando aumentar o número de mulheres candidatas e aumentar a equidade de gênero nas listas de candidaturas, e após ampla pressão dos setores progressistas da sociedade, houve uma nova mudança na legislação. Na Lei 12.034, de 29/09/2009, a nova redação da política de cotas ficou assim redigida:
“Do número de vagas resultante das regras previstas neste artigo, cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo”.
A alteração pode parecer pequena, mas a mudança do verbo “reservar” para “preencher” significou uma mudança no sentido de forçar os partidos a presença das mulheres nas nominatas eleitorais. O ideal é que fosse garantido a paridade de gênero (50% para cada sexo) nas listas de candidaturas. Mas a mudança na redação da lei representou uma oportunidade, mesmo que limitada. A aplicação da Lei 12.034/2009 garantiu o aumento do número de candidaturas femininas nas eleições de 2010, 2012, 2014 e 2018
A conquista feminina mais recente ocorreu em 2018, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por maioria de votos, que a distribuição de recursos do Fundo Partidário destinado ao financiamento das campanhas eleitorais direcionadas às candidaturas de mulheres deve ser feita na exata proporção das candidaturas de ambos os sexos, respeitado o patamar mínimo de 30% de candidatas mulheres previsto no artigo 10 , parágrafo 3º, da Lei 9.504/1997.
Ou seja, para as eleições de 2020, os partidos são obrigados a preencher a cota mínima de 30% para as candidaturas de cada sexo e, também, destinar no mínimo 30% dos recursos financeiros. O resultado é inequívoco, pois já houve aumento do percentual de candidaturas femininas. O gráfico abaixo mostra que a percentagem de mulheres candidatas nas eleições municipais do ano 2000 foi de 18,8% (bem abaixo da cota de 30%). O percentual de candidatas subiu um pouco nas duas eleições seguintes (21,4%), mas só chegou ao percentual de 30% nas eleições de 2012 (após a Lei 12.034, de 29/09/2009). As eleições de 2020 apresentam o maior percentual de candidaturas femininas de todos os tempos (33,5%).
Entre 2000 e 2020, o número de homens candidatos nas eleições municipais aumentou 8% (de 323 mil para 349 mil) e o número de mulheres candidatas aumentou 135% (de 75 mil para 177 mil). A expectativa é que mais mulheres candidatas resulte em mais mulheres eleitas. Mas claro que existem muitas barreiras visíveis e invisíveis.
Tudo indica que as mulheres terão mais sucesso em 2020 do que em eleições anteriores. Resta saber o grau de uma provável vitória, pois a conquista da paridade de gênero ainda está distante no horizonte.
José Eustáquio Diniz Alves
Colunista do EcoDebate.
Doutor em demografia, link do CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/2003298427606382
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 11/11/2020
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