Emergência climática: mais letal que a emergência sanitária, artigo de José Eustáquio Diniz Alves
“A mudança climática é o maior desafio do nosso tempo”
Amanda Gorman no poema “Earthrise”
[EcoDebate] A esperança de vida ao nascer avançou muito no mundo nos últimos 60 anos, passando de 50,1 anos em 1960 para 72,6 anos em 2019. Foi um aumento de 0,4 ao ano durante todo o período, embora os ganhos tenham diminuído pela metade nos últimos anos, conforme mostra o gráfico abaixo.
A China teve o maior crescimento passando de 43,7 anos para 76,9 anos, um aumento de 0,6 ao ano. Os EUA tiveram o pior desempenho passando de 69,9 anos para 78,9 anos, uma aumento de somente 0,15 ao ano, sendo que a esperança de vida ao nascer está praticamente estagnada na última década (até 2019). O Japão tem a maior esperança de vida do mundo (empatado com Hong Kong) e a Costa Rica ultrapassou os EUA. A Índia está abaixo da média mundial, mas tem crescido a 0,5 ao ano e convergido para a média global.
Mas todos estes ganhos estão ameaçados pela emergência sanitária e pela emergência climática. Somente com a pandemia de covid-19 foram quase 2 milhões de mortes em 2020, o que deve fazer estagnar ou cair a esperança de vida ao nascer da população mundial. Houve também excesso de mortes por Síndrome respiratória aguda grave (SRAG) e muitas mortes que não foram identificadas com o novo coronavírus. Em 2021 foram cerca de um milhão de mortes somente nos 3 primeiros meses do ano. Países como o Brasil e os EUA serão profundamente impactados pela doença do SARS-CoV-2.
A emergência climática e ambiental tem provocado o aumento dos desastres provocados pelo desequilíbrio ecológico. O relatório “The human cost of disasters: an overview of the last 20 years (2000-2019)” da UNDRR (United Nations Office for Disaster Risk Reduction) publicado no dia 13/10/2020 para marcar o Dia Internacional para Redução do Risco de Desastres, confirma que os eventos climáticos extremos passaram a dominar a paisagem de desastres no século 21.
No período de 2000 a 2019, ocorreram 7.348 grandes eventos de desastres registrados, ceifando 1,23 milhão de vidas, afetando 4,2 bilhões de pessoas (muitos em mais de uma ocasião), resultando em aproximadamente US$ 2,97 trilhões em perdas econômicas globais.
Este é um aumento acentuado em relação aos vinte anos anteriores. Entre 1980 e 1999, 4.212 desastres foram associados a desastres naturais em todo o mundo, ceifando aproximadamente 1,19 milhão de vidas e afetando 3,25 bilhões de pessoas, resultando em aproximadamente US $ 1,63 trilhão em perdas econômicas.
Grande parte da diferença nos dois períodos é explicada por um aumento nos desastres relacionados ao clima, incluindo eventos climáticos extremos: de 3.656 eventos relacionados às mudanças climáticas (1980-1999) para 6.681 desastres relacionados ao clima no período de 2000-2019. Isto sugere que o desenvolvimento global passou a lidar com o crescimento antieconômico, quando os prejuízos passam a prevalecer sobre os benefícios.
O artigo “Global mortality from outdoor fine particle pollution generated by fossil fuel combustion: Results from GEOS-Chem” de Karn Vohra e colegas, publicado no periódico Environmental Research (09/02/2021) estimou um excesso global de 10,2 milhões de mortes em 2012 devido às partículas provenientes da combustão de combustíveis fósseis e outras poluições ambientais. Deste elevado número, 62% das mortes ocorrem na China (3,9 milhões) e na Índia (2,5 milhões). Esta avaliação examinou a mortalidade associada à combustão de combustível fóssil, fazendo uso de uma meta-análise de estudos mais recentes com uma gama mais ampla de exposição.
Também foi estimada a mortalidade devido a infecções respiratórias entre crianças menores de cinco anos nas Américas e na Europa, regiões para as quais temos dados confiáveis sobre o risco relativo desse resultado de saúde. Essa estimativa é mais do que o dobro dos relatórios do Global Burden of Disease Study que estima o número total de mortes globais por partículas materiais no ar, incluindo poeira e fumaça de incêndios florestais e queimadas agrícolas.
Portanto, a emergência climática e ambiental mata mais que a emergência sanitária e confirma as previsões de Ulrich Beck (1995) no livro a Sociedade de Risco.
Ele alertou: “O que estava em jogo no velho conflito industrial do trabalho contra o capital eram positividades: lucros, prosperidade, bens de consumo. No novo conflito ecológico, por outro lado, o que está em jogo são negatividades: perdas, devastação, ameaças” (p.3) … “Com a generalização dos riscos da modernização, é desencadeada uma dinâmica social que não mais pode ser abarcada e concebida em termos de classe” (p. 47). E ainda: “A natureza não pode mais ser concebida sem a sociedade, a sociedade não mais sem a natureza” (p. 98).
Portanto, os anos de ganhos na esperança de vida parece que ficaram para trás. A década de 2011-20 foi de crescimento lento da esperança de vida ao nascer do mundo. Mas a década que começa em 2021 pode ser de estagnação ou até mesmo de retrocesso.
Os EUA – maior potencia econômica mundial (quando medida em termos de dólares correntes – já apresentou queda na vida média de seus habitantes nos últimos anos. Esta realidade americana pode se generalizar em função da simultaneidade de várias crises que se manifestam em função da degradação ecológica perpetuada pelo sistema de produção e consumo a serviço dos interesses egoísticos da humanidade.
José Eustáquio Diniz Alves
Colunista do EcoDebate.
Doutor em demografia, link do CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/2003298427606382
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