Comércio criminoso é responsável por até 90% do desmatamento
O relatório Carbono Verde: Comércio Negro declara que o comércio ilegal, correspondente a um total de 30-100 bilhões de dólares por ano, dificulta a Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação florestal (Iniciativa REDD)
02/10/2012 10:17
Entre 50% a 90% da extração de madeireira nos principais países
tropicais da Bacia Amazônica, África Central e Sudeste da Ásia vem sendo
realizada pelo crime organizado e ameaça os esforços para combater a
mudança do clima, o desmatamento, a conservação da fauna e a erradicação
da pobreza. Em todo o mundo, a extração ilegal de madeira já responde
por entre 15% e 30% desse comércio global, segundo um novo relatório do
Programa da ONU para o Meio Ambiente (PNUMA) e da Interpol.
As florestas do mundo capturam e armazenam dióxido de carbono e ajudam a
mitigar a mudança climática. No entanto, o desmatamento, principalmente
de florestas tropicais, é responsável por cerca de 17% de todas as
emissões de CO2 causadas pelo ser humano — 50% maior do que aquela
proveniente de navios, aviação e transporte terrestre juntos.
O relatório Carbono Verde: Comércio Negro declara que o comércio
ilegal, correspondente a um total de 30-100 bilhões de dólares por ano,
dificulta a Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação florestal
(Iniciativa REDD) — uma das principais ferramentas para catalisar a
mudança ambiental positiva, o desenvolvimento sustentável, a criação de
empregos e a redução de emissões de gases de efeito estufa.
A Interpol também observou crimes associados ao aumento da atividade
criminosa organizada, como a violência, assassinatos e atrocidades
contra os habitantes das florestas indígenas. O relatório conclui que,
sem um esforço coordenado internacionalmente, madeireiros ilegais e
cartéis vão continuar controlando operações de um porto a outro em busca
de seus lucros, em detrimento do meio ambiente, das economias locais e
até mesmo da vida dos povos indígenas.
O relatório foi divulgado na Conferência Mundial sobre Florestas, em
Roma, em um evento do UN-REDD, uma coalizão do Pnuma com o Programa das
Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) e a Organização das Nações
Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO). Tanto o REDD quanto o REDD+
fornecem marcos legais nacionais e internacionais, incluindo acordos,
convenções e sistemas de certificação, para reduzir a extração ilegal de
madeira e apoiar as práticas sustentáveis. O relatório mostra que, para
que o REDD+ seja sustentado a longo prazo, os pagamentos aos esforços
de conservação das comunidades precisa ser maior do que os lucros
provenientes de atividades que levam à degradação ambiental.
“O financiamento para gerenciar melhor as florestas representa uma
enorme oportunidade não somente para a mitigação da mudança do clima,
mas também para reduzir as taxas de desmatamento, melhorar o
abastecimento de água, diminuir a erosão do solo e gerar empregos verdes
decentes no manejo de recursos naturais”, disse Achim Steiner,
Sub-Secretário Geral da ONU e Diretor Executivo do Pnuma.
Hackers participam dos crimes
“A exploração madeireira ilegal pode, contudo, minar esse esforço,
roubando as chances de um futuro sustentável de países e comunidades,
caso as atividades ilícitas sejam mais rentáveis do que as atividades
legais sob o REDD+”, acrescentou. Segundo o relatório, os grupos
criminosos estão combinando táticas antiquadas como subornos com métodos
tecnológicos, como por exemplo, hackeando sites do governo. Operações
ilegais também estão se tornando mais sofisticadas; madeireiros e
comerciantes mudam suas atividades entre regiões e países para evitar
esforços locais e internacionais de policiamento.
Apesar de progressos significativos terem sido atingidos por meio de
programas como o REDD+, a maior parte desses esforços são direcionados a
criar incentivos para o comércio legal — mas não para combater o crime.
Infelizmente, os atuais incentivos econômicos raramente são eficazes na
redução de atividades coniventes à corrupção e ao comércio ilegal de
madeira, levando em conta o risco reduzido de apreensão.
Relatório lista 30 métodos usados para ocultar crimes
O relatório descreve 30 formas engenhosas de aquisição e lavagem de
madeira ilegal. Métodos primários incluem falsificação de licenças de
corte e suborno para obter licenças (que pode chegar a 50 mil dólares
para uma única licença em alguns países), mas também registra novos
meios criminosos como concessões e hackeamento de sites governamentais
para obtenção ou alteração de licenças eletrônicas.
Uma nova forma de lavar milhões de metros cúbicos de madeira ilegal é
misturá-la com madeira legalmente cortada por usinas de serra, celulose,
papel e cartão. Outro truque comum é a alegação falsa de que a madeira
de florestas selvagens que está sendo vendida é proveniente de florestas
plantadas.
Casos brasileiros
Autoridades brasileiras declararam, em 2008, que hackers que trabalham
para cartéis de madeira ilegal no estado do Pará tiveram acesso a
licenças de corte e transporte de madeira, o que permitiu o roubo de
cerca de 1,7 milhões de metros cúbicos de floresta. Um procurador
federal acusou 107 empresas, 30 chefes de esquemas clandestinos de venda
de madeira e cerca de 200 pessoas envolvidas, e processou essas
empresas em 1,1 bilhão de dólares.
Em 2009, outro procurador federal brasileiro investigou uma fraude que
supostamente envolveu cerca de 3.000 empresas do setor madeireiro, que
declarou madeira ilegal como “eco-certificada”, assim possibilitando
exportação para os EUA, Europa e Ásia.
Esquema se repete pelo mundo
Na Indonésia, a quantidade de madeira supostamente produzida em
plantações aumentou de 3,7 milhões de metros cúbicos em 2000 para mais
de 22 milhões em 2008. Uma estimativa do Escritório das Nações Unidas
sobre Drogas e Crime (UNODC) sugeriu que menos da metade das plantações
realmente existiu, refletindo uma operação organizada de lavagem de
massa.
Em Kalimantan, na Indonésia, um suborno por uma autorização de registro
de cerca de 20 km2 custa o equivalente a 25-30 mil dólares.
Discrepâncias na importação e exportação sugerem uma diferença de até
três vezes entre os registros oficiais de madeira exportada e a madeira
efetivamente importada entre Kalimantan e Malásia, o que mostra fraude
fiscal maciço.
Na República Democrática do Congo, mais de 200 guardas florestais no
Parque Nacional de Virunga, famoso por seus gorilas, foram mortos na
última década defendendo os limites do parque contra milícias que operam
um comércio de carvão estimado em mais de 28 milhões de dólares anuais.
O relatório descreve, ainda, casos de militares da Uganda que
escoltavam madeireiros através de pontos de controle nas fronteiras da
República Democrática do Congo para trazer madeira ilegal de alto valor
para a venda nos mercados locais.
Portos movimentam 30 vezes mais do que é registrado
Em vários casos, a madeira ilegal transportada através de fronteiras e
portos corresponde a um volume até 30 vezes maior do que o oficialmente
registrado. No entanto, essa lavagem de dinheiro e contrabando de
madeira pode resultar na aplicação de leis mais rígidas, considerando
que a fraude fiscal é mais estritamente aplicada do que as leis
ambientais, que muitas vezes são fracas.
Grande parte da lavagem é possível graças a grandes fluxos de fundos de
investimento em empresas envolvidas no crime que têm base na União
Europeia, nos EUA e na Ásia, inclusive no estabelecimento de operações
de plantio, com o único propósito de lavagem de madeira cortada
ilegalmente.
Corrupção dos poderes
Em muitos casos, funcionários corruptos, militares e policiais locais
obtêm um faturamento até dez vezes maior do que os obtidos em operações
legais. Isso compromete seriamente investimentos em operações florestais
sustentáveis e incentivos a alternativas de subsistência.
Aplicação das leis
O Interpol e o Pnuma, por meio de seu centro GRID-Arendal, na Noruega,
criaram um projeto-piloto chamado LEAF (da sigla em inglês, Aplicação da
Lei de Assistência para Florestas), financiado pelo Governo da Noruega
para desenvolver um sistema internacional para combater o crime
organizado em estreita colaboração com os principais parceiros.
Fonte: Primeiraedição
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