segunda-feira, 14 de setembro de 2015

POR QUE O BRASIL ENTROU NO VERMELHO ?

Por que o Brasil entrou no vermelho ?


Como o governo ficou sem dinheiro para pagar suas contas e o que pode ser feito de imediato para resolver o problema?


"O Orçamento Nacional deve ser equilibrado. As dívidas públicas devem ser reduzidas, a arrogância das autoridades deve ser moderada e controlada. (...) As pessoas devem novamente aprender a trabalhar, em vez de viver por conta pública.”

Marco Túlio Cícero, 
político, orador e filósofo romano, em 55 a.C.
O Brasil no vermelho  (Foto: época )
Na segunda feira da semana passada a presidente Dilma Rousseff tomou uma decisão inusitada. Depois de recorrer às “pedaladas” fiscais, para mostrar um aparente equilíbrio nas contas públicas no primeiro mandato, Dilma resolveu escancarar, ainda que a contragosto, a “herança maldita” que deixou para si mesma. Em sua proposta de Orçamento para 2016 – entregue formalmente pelos ministros Joaquim Levy, da Fazenda, e Nelson Barbosa, do Planejamento, ao presidente do Congresso NacionalRenan Calheiros –, ela reconheceu de forma explícita que o governo federal não terá dinheiro suficiente para pagar todos os seus compromissos no ano que vem. A dívida pública, hoje, está na faixa de R$ 2,5 trilhões. Em vez do superavit esperado para cobrir os juros dessa obrigação, o governo fechará as contas no vermelho, com deficit estimado em R$ 30,5 bilhões, o equivalente a 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB) – o pior resultado em 21 anos, segundo dados da Secretaria do Tesouro Nacional.

“O Brasil entrou no cheque especial”, diz o economista Arminio Fraga, ex-presidente do Banco Central, apontado por Aécio Neves para assumir o comando da economia se ele tivesse vencido as eleições. “A situação fiscal é dramática, muito, muito delicada”, afirma o ex-ministro da Fazenda e do Planejamento Antonio Delfim Netto, que apoiava Dilma até pouco tempo atrás e agora se alinha aos críticos do governo. “Cada passo mal pensado e mal combinado, que termine em mais uma frustração, pode levar ao precipício.”

Segundo Dilma, seu objetivo ao assumir o rombo no Orçamento de 2016 era dar maior transparência às finanças públicas. Não deixa de ser um alento, após as manobras contábeis adotadas no passado recente, questionadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU). “Mais vale um deficit real declarado do que um superavit artificial formado por pedaladas”, diz o ex-ministro da Fazenda Francisco Dornelles, hoje vice-governador do Rio de Janeiro e presidente de honra do PP – partido que, ao menos na teoria, ainda faz parte da base governista no Congresso.
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Ainda assim, a decisão de Dilma, de apresentar uma proposta de Orçamento deficitário, assustou os analistas. Primeiro, porque revela sua dificuldade em assumir o comando do ajuste fiscal, ao querer dividir com o Congresso o ônus que teria com a adoção de novas medidas de contenção de gastos. Segundo, porque passa a mensagem de que o governo não consegue gerenciar as próprias finanças nem tem o senso de urgência necessário para equacionar a questão. “O governo jogou a toalha no ajuste fiscal”, diz o economista e consultor Affonso Celso Pastore, ex-presidente do Banco Central (BC).

Apesar da alegada transparência exibida por Dilma, algumas premissas usadas no Orçamento colocam em xeque sua viabilidade e alimentam suspeitas de que o deficit de 2016 será ainda maior que o previsto. Enquanto o Boletim Focus, do BC, mostra que a média dos analistas prevê uma retração do PIB de 0,4% no ano que vem, com impacto negativo na arrecadação, o governo fez suas projeções com base numa taxa de crescimento de 0,2%, superestimando as receitas. No mercado, calcula-se que o deficit primário (receitas menos gastos, excluído o pagamento de juros da dívida pública) poderá chegar a 1% do PIB – o dobro da previsão oficial. E isso mesmo com a nova alta de impostos anunciada pelo governo, que deverá render R$ 11,2 bilhões a mais em 2016. Na visão dos analistas, nem mesmo o superavit de 0,1% do PIB prometido pelo governo para 2015 (0,15% para todo o setor público) deverá ser cumprido (leia o quadro na pág. 52). “Acabou o sonho desse gasto desenfreado, sem critério”, afirma o economista Samuel Pessôa, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), ligado à Fundação Getulio Vargas.
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Segundo o deputado Ricardo Barros (PP-PR), relator-geral do Orçamento, o buraco nas contas de 2016 poderá superar os R$ 70 bilhões, mais que o dobro do previsto. Barros defende a inclusão na conta dos gastos com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), estimados em R$ 42,4 bilhões. Eles foram excluídos do Orçamento. Diz que também não foram contabilizados mais R$ 3,4 bilhões em gastos com emendas parlamentares obrigatórias e recursos para compensação dos Estados por conta da isenção tributária de produtos e serviços para exportação.

No ato de entrega da proposta orçamentária ao Congresso, a expressão de desalento de Levy, ao lado de Barbosa e Calheiros,  confirmava, para quem ainda tinha dúvidas,  que o ajuste fiscal naufraga. Conhecido como “Mão de Tesoura”, Levy foi nomeado com a missão de cortar gastos e rever benesses distribuídas por Dilma na primeira gestão. Mas, desde sua posse, em janeiro, ele coleciona sucessivas derrotas – e a apresentação do Orçamento de 2016 com deficit foi apenas a mais recente (leia o texto sobre Levy na pág. 17). “O Orçamento não pode ser interpretado como licença para viver em deficit”, afirmou Levy, após a entrega da proposta. “No ano passado, tivemos deficit. Neste ano, estamos numa luta muito forte e difícil. Vamos achar que vamos ter outro deficit e não vai acontecer nada?”
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No mercado financeiro, houve reação imediata à deterioração do quadro fiscal e ao aumento do risco de o Brasil perder o grau de investimento. O dólar comercial fechou a semana em R$ 3,80, com alta de 5%. O dólar turismo chegou a ser vendido por R$ 4,20 em algumas casas de câmbio. O índice Bovespa, que reflete o desempenho dos papéis mais negociados na Bolsa de São Paulo, acumulou baixa de 1,1% na semana. “Indicar um deficit primário no Orçamento significa admitir que o país não consegue seguir por um caminho que evite o pior”, diz Ilan Goldfajn, ex-diretor do BC e economista-chefe do Itaú Unibanco. “O que está diante de nós é a seguinte pergunta: o Brasil quer voltar a ter uma trajetória sustentável ou se tornar um país como a Grécia?”, diz Luiz Fernando Figueiredo, ex-diretor de Política Monetária do BC e sócio da Mauá Capital, de São Paulo.

Hoje, há quase um consenso entre os economistas, algo raro, quanto à necessidade de uma profunda reforma do Estado, para reequilibrar o Orçamento e evitar o crescimento acelerado da dívida pública. Ela deverá superar a barreira de 70% do PIB em 2016, segundo previsões de analistas – o dobro da média dos 20 maiores países emergentes. Mais que tudo, é necessário promover a reforma da Previdência Social, o principal sorvedouro de recursos do Tesouro. De acordo com os cálculos do economista Fabio Giambiagi, um especialista na área, em 1995 a despesa com o pagamento de benefícios e a receita com as contribuições se igualavam. Ambas estavam em 4,6% do PIB. Desde então, as contribuições cresceram apenas para 6,2% do PIB, enquanto a despesa avançou para 7,5% do PIB. Abriu-se na conta um fosso de quase R$ 70 bilhões por ano. Giambiagi diz que a diferença tende a aumentar, pela vinculação da maioria dos benefícios ao salário mínimo, que sobe mais que a inflação, e pelo envelhecimento da população. “É insustentável”, afirma.

Segundo ele, para equacionar o problema, o governo terá de fixar uma idade mínima para a aposentadoria, que pode subir gradativamente, e desvincular os menores benefícios do salário mínimo ou mesmo revisar a fórmula de reajustes. Também terá de estender o prazo mínimo de contribuição para a aposentadoria por idade, hoje de 15 anos, e insistir na proposta de racionalização das pensões por morte, amenizada pelo Congresso no primeiro semestre.
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Fora a reforma da Previdência, o governo precisará dar flexibilidade às despesas obrigatórias, que representam, segundo  Barbosa, 90,5% do total. Algumas foram criadas com o apoio do próprio governo, como o Plano Nacional de Educação, que prevê o aumento de gastos na área para 10% do Orçamento até 2022, e a vinculação de 15% da receita líquida corrente a despesas com saúde até 2018. Também precisará reduzir a sonegação e reavaliar os programas sociais, para identificar os que não cumprem seus objetivos e devem ser abandonados. Por fim, deverá propor uma trava às despesas públicas em proporção do PIB e a revisão do sistema de reajuste dos salários do funcionalismo.
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Embora tudo isso seja essencial para tornar sustentável a administração federal no médio prazo, não se devem perder de vista os cortes possíveis de imediato. “Eu me recuso a acreditar que, num país com tanto gasto e tanta ineficiência, não seja possível achar espaço para melhorar”, diz Goldfajn, do Itaú Unibanco. “Há muita margem na base da gestão para reduzir despesas”, afirma Leonardo Rolim, consultor de Orçamento na Câmara dos Deputados. O próprio Levy defende a ampliação do corte. No atual cenário de penúria, o governo deveria ter congelado contratações em 2016, em vez de ter incluído no Orçamento a contratação de novos servidores. Deveria propor também uma poda nos subsídios do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que oneraram o Tesouro em R$ 184 bilhões, a ser pagos nos próximos anos, e nas verbas para sindicatos e associações de classe. Ainda que isso coloque o governo em choque com grupos de interesse, muitos ligados ao PT, é o preço a pagar para recolocar as contas em ordem.
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Mesmo sem proporcionar economia relevante, o corte no número de ministérios e de milhares de cargos comissionados deixará claro para a sociedade que o momento é de apertar os cintos. Se passar um pente-fino nos gastos do dia a dia e aumentar a eficiência, com a adoção de metas e da meritocracia para o funcionalismo, o governo provavelmente colherá resultados surpreendentes. “Se não tomarmos as medidas necessárias para subordinar as despesas do governo à receita, caminharemos para um desconforto fiscal que, lentamente, foi a causa de nossa hiperinflação”, diz Delfim Netto.

O governo reluta. Prefere passar a fatura para a sociedade e ampliar a carga tributária, que já roça 36% do PIB – a mais alta entre países emergentes. Dilma, ao vetar cortes de gastos propostos por Levy, parece acreditar que essa é a melhor saída e não descarta a volta da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF). O governo estuda propor a unificação do Programa de Integração Social (PIS) e da Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins), que poderá extrair das empresas mais R$ 50 bilhões por ano. E deverá usar eventuais receitas obtidas com concessão de serviços e venda de imóveis para pagar despesas, em vez de investir. “A solução de aumentar imposto é sempre muito pobre”, diz Luiz Fernando Figueiredo. “Tem uma discussão muito errada de que é bom aumentar gastos porque o país é muito carente.” Hoje, com o caixa do governo no vermelho, o momento não poderia ser mais oportuno para mudar o disco.

Fonte : Revista Época



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