sábado, 28 de janeiro de 2017

EFEITO DAS MUDANÇAS CLIMÁTICAS NA HIDROLOGIA DA AMAZÔNIA.

Estudo simula o efeito das mudanças climáticas na hidrologia da Bacia Amazônica

floresta Amazônica

Pesquisa prevê condições mais úmidas para a parte oeste da Amazônia e mais secas para o leste

Por Amanda Hamermüller, EFRGS
Temperaturas mais elevadas e desequilíbrio entre as estações são reflexos expressivos do que costumamos chamar de mudanças climáticas. Elas são reais e estão nos atingindo com cada vez mais força. Cientistas de várias partes do mundo já observam que o aumento da temperatura média do planeta tem elevado o nível do mar devido ao derretimento das calotas polares, o que no futuro pode causar o desaparecimento de ilhas e cidades litorâneas com grande concentração de moradores. Outra previsão é a de uma frequência maior de tempestades tropicais, inundações, ondas de calor, secas, nevascas, furacões, tornados e tsunamis.
De acordo com a ONG WWF-Brasil, as mudanças climáticas podem ter causas naturais, como alterações na radiação solar e nos movimentos orbitais da Terra, ou podem ser consequência das atividades humanas. O Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), órgão das Nações Unidas, afirma que há 90% de certeza de que o aumento de temperatura no planeta está sendo causado pela ação do homem. Entre as atividades humanas que produzem essas alterações estão a queima de combustíveis fósseis para a geração de energia, atividades industriais e transportes, a conversão do uso do solo, a agropecuária, o descarte irregular de lixo e o desmatamento.
No Brasil, as mudanças do uso do solo e o desmatamento são responsáveis pela maior parte das nossas emissões, o que faz o país ser um dos líderes mundiais em emissões de gases de efeito estufa, segundo a WWF-Brasil. Nesse contexto, o engenheiro ambiental e doutorando da UFRGS Mino Sorribas, junto com uma equipe de pesquisadores do Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH) e de outras instituições do Brasil e dos EUA, desenvolveu um estudo para analisar como as mudanças climáticas podem afetar a dinâmica das vazões e da inundação das extensas planícies da Bacia Amazônica. A pesquisa indica que as mudanças climáticas têm efeitos sobre processos hidrológicos que influenciam os ciclos biogeoquímicos – processos naturais em que os elementos químicos circulam entre os seres vivos e o meio ambiente –, o transporte de pessoas e de bens, a pesca, a moradia e a geração de energia hidrelétrica.
Mino conta que o trabalho com técnicas de simulação para representar computacionalmente os processos de ciclos hidrológicos já existe há anos na UFRGS. Ele destaca o trabalho do professor Walter Collischonn, que desenvolveu no início dos anos 2000 o MGB-IPH – um modelo matemático que pode ser utilizado para representar os processos hidrológicos em bacias hidrográficas de grande escala. “É o núcleo do desenvolvimento de outras pesquisas neste grupo”, afirma. Como a Bacia Amazônica possui uma disponibilidade de dados muito baixa, sobretudo nas suas áreas mais remotas, entre 2009 e 2010 o professor Rodrigo Paiva, que também participou deste estudo, utilizou informações de satélite e avançou no desenvolvimento do modelo para conseguir simular a Bacia Amazônica inteira.
A questão das mudanças climáticas surgiu recentemente, com a visibilidade de outras pesquisas do grupo. De acordo com Mino, teve início com o professor John Melack, da Universidade da Califórnia – Santa Barbara (UCSB). “Ele trabalha na Amazônia desde a década de 1980 e estava liderando uma equipe de pesquisadores de diversas áreas, então entrou em contato com o professor Rodrigo e o convidou para participar do projeto Science for Nature and People (Snap), que tem como objetivo estudar diferentes locais para fins de conservação”, conta.

O estudo

De acordo com a pesquisa, a Bacia Amazônica drena cerca de seis milhões de km2 e descarrega em torno de 15% da água doce global que chega aos oceanos. A região possui extensas zonas úmidas que são inundadas sempre numa mesma época do ano, e a planície amazônica possui um funcionamento hidráulico complexo, com baixas declividades que causam, em parte significativa da bacia, efeitos de remanso – elevação do nível de água do rio devido a um barramento ou alterações no canal.
Mino explica na pesquisa que eventos como as cheias de 2009 e de 2012-2015 e as secas em 2005 e 2010 impactaram a região de tal forma que cientistas, governos e o público em geral estão em alerta sobre os impactos da variabilidade climática na região. Segundo o pesquisador, as dinâmicas de inundação influenciam na estrutura da vegetação, no transporte de sedimentos e nas distribuições e no rendimento de peixes. Com as possíveis mudanças futuras no clima e, consequentemente, na hidrologia, podem ocorrer alterações na dinâmica do ecossistema da região da Bacia Amazônica.
A ideia do estudo era analisar como as possíveis mudanças futuras no clima podem afetar a resposta na hidrologia. Para isso, os pesquisadores estabeleceram duas questões principais para investigar durante o estudo:
  • Quais são os impactos potenciais da mudança climática na hidrologia da superfície terrestre da bacia amazônica?
  • Como as projeções das mudanças climáticas afetam as vazões dos rios e a inundação em diferentes regiões e estações?
Para responder esses questionamentos e projetar as condições futuras da superfície da Bacia Amazônica em um contexto de mudanças climáticas, foram utilizados dados do IPCC e o MGB-IPH. “Consideramos forçantes climáticos – condições de temperatura do ar, radiação, chuva e umidade do ar – de diferentes modelos de circulação global para obter uma variabilidade nos resultados”, afirma Mino.
O estudo focou nas mudanças da energia de superfície e nos balanços hídricos, contrastando o cenário “histórico” (1970-1999) e um cenário de “alta emissão” (2070-2099). Não foram consideradas mudanças na vegetação ou na cobertura da terra e seus feedbacks climáticos  no modelo hidrológico.
Os pesquisadores realizaram uma simulação para observar o que poderia acontecer com a vazão dos rios e com a dinâmica de inundação. “Outros trabalhos fizeram isso de forma semelhante, mas o que temos de inovador é a capacidade do nosso modelo representar bem o processo de inundação das planícies de inundação”, assegura Mino.

Resultados

De acordo com o estudo, os resultados das diversas projeções produziram diferentes cenários específicos, já os resultados gerais mostraram dois cenários contrastantes para diferentes partes da Bacia Amazônica. Nas partes oeste e noroeste, os resultados indicaram o aumento de precipitação e, por conseguinte, maior vazão e inundação na estação úmida. Já na parte leste, a tendência é a redução da quantidade de água que passa pelo local.
Mino destaca que enquanto seu estudo mostra o aumento das chuvas para a região andina, outros trabalhos recentes sugerem diminuição de chuvas até o final do século 21. Ele explica que projeções contrastantes se dão em virtude da utilização de diferentes métodos e premissas.
As possíveis alterações na hidrologia da Bacia projetadas pelo estudo são significativas. “Esse trabalho ainda não é capaz de calcular precisamente qual seria o impacto nas atividades relacionadas à água, mas é um alerta, e os planejamentos de atividades para essa região devem levar em consideração essa incerteza hidroclimática futura”, afirma o professor Rodrigo Paiva. Mino acrescenta que “os modelos nem sempre concordam entre si, porém, nessa análise, existe maior concordância para algumas regiões e isso dá mais confiança para que os tomadores de decisões das políticas ambientais e gestão de recursos hídricos se prepararem para esses cenários”.
As pesquisas estão crescendo e fazem parte da Iniciativa Águas Amazônicas. O projeto conta com a colaboração de diversas entidades do Brasil, do Peru e da Bolívia que buscam evidências científicas e soluções para enfrentar os desafios no que se refere à conservação, ao desenvolvimento sustentável e ao bem-estar humano da região.

Artigo científico

SORRIBAS, Mino Viana et al. Projections of climate change effects on discharge and inundation in the Amazon basin. Climatic Change, v. 136, n. 3-4, 9 mar. 2016.

in EcoDebate, 16/01/2017

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