Os países do G20 aumentaram as emissões relacionadas ao carvão desde 2015, artigo de José Eustáquio Diniz Alves
Os países-membros do G20 são responsáveis por mais de 80% das emissões globais e um esforço cumulativo do grupo para descarbonizar é crucial na luta global contra o aquecimento global
“Os líderes do G20 podem impedir o colapso climático”
António Guterres, Secretário-geral da ONU (setembro de 2023)
A cúpula do G20 em Nova Déli, na Índia, de 9 e 10 de setembro de 2023, aprovou a entrada da União Africana, que reúne 55 países, como membro permanente do grupo que reúne as maiores economias do mundo e contava apenas com a África do Sul como o único integrante do continente africano.
Agora o G20 conta com 19 países e dois blocos: a União Europeia e a União Africana. O G20 reforça sua representatividade como o fórum econômico mais abrangente da governança global. O Brasil assumiu a presidência do bloco no período dezembro de 2023 a novembro de 2024.
No seu discurso de abertura na Cúpula do G20, o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, cobrou dos países ricos financiamentos para o combate contra as mudanças climáticas, especialmente para os países classificados como em desenvolvimento. Ele lembrou que desde a COP de Copenhague, os países ricos deveriam garantir 100 bilhões de dólares por ano em financiamento climático. Mas essa promessa nunca foi cumprida. Lula lembrou que o mundo tem gastado mais de 2 trilhões de dólares em despesas militares e metade deste montante de recursos seriam suficientes para promover a transição enérgica e diminuir as emissões de gases de efeito estufa.
De fato a questão climática está ganhando proporções catastróficas. Pouco antes de começar a Cúpula do G20 em Nova Delhi, na sexta-feira, dia 8 de setembro, a ONU, por meio da UNFCCC (sigla em inglês para Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima) publicou, o primeiro inventário global das ações contra a crise climática (Global Stocktake).
Segundo o relatório, mesmo se os compromissos de longo prazo de neutralidade climática, apresentados na COP27 (que ocorreu ano passado, no Egito), forem totalmente implementados, o mundo não conseguirá limitar o aquecimento abaixo de 1,5º C em relação ao período pré-industrial.
Ou seja, o mundo não está conseguindo limitar o aquecimento planetário segundo as metas do Acordo de Paris. A humanidade caminha para ultrapassar as metas e ficar entre 2,4°C e 2,6°C. Portanto, a ambição de mitigação das NDCs não é coletivamente suficiente para alcançar a meta de temperatura do Acordo de Paris.
O documento da UNFCCC diz que é necessário reduzir as emissões de gases-estufa em 43% até 2030, 60% até 2035 (em comparação a 2019) e finalmente chegar ao chamado “net zero” global em 2050. Para tanto é preciso aumentar a eficiência energética e escalar o uso de energia renovável, eliminando todos os combustíveis fósseis além dos elementos indispensáveis para uma transição energética justa em direção à neutralidade climática.
Mas, na contramão do Acordo de Paris, os países do G20 aumentaram as emissões relacionadas ao carvão em 9% desde 2015, segundo publicação do Instituto Ember (05/09/2023). O gráfico abaixo mostra que pouco mais da metade dos países do G20 reduziram as emissões de carbono com base no uso do carvão mineral. Os países que reduziram as emissões per capita foram: Austrália, Coreia do Sul, África do Sul, EUA, Alemanha, União Europeia, Canadá, Itália, México, Reino Unido e Brasil. Os países que aumentaram as emissões foram: China, Japão, Turquia, Rússia, Índia e Indonésia.
Nota-se que os dois países com a maior emissão per capita são a Austrália e a Coreia do Sul e as menores Brasil, França e Argentina. Mas cabe lembrar que no uso total de carvão mineral a China se destaca com grande margem, seguido de longe pela Índia e pelos EUA.
A responsabilidade histórica pelas alterações climáticas está no centro dos debates sobre a justiça climática. A quantidade cumulativa de dióxido de carbono (CO2) emitida desde o início da revolução industrial está intimamente ligada ao aquecimento de 1,2º Celsius que já ocorreu até 2021 e que está na iminência de ultrapassar 1,5º C. No total, os seres humanos lançaram cerca de 2.500 bilhões de toneladas de CO2 (GtCO2) na atmosfera desde 1850, deixando menos de 500 GtCO2 do orçamento de carbono restante para permanecer abaixo de 1,5ºC de aquecimento.
Isto significa que, até o ano de 2021, o mundo queimou 86% do orçamento de carbono. Artigo do Carbon Brief (EVANS, 05/10/2021) analisou a responsabilidade nacional pelas emissões históricas de CO2 de 1850 a 2021 e, pela primeira vez, a análise inclui as emissões de CO2 provenientes do uso do solo e da silvicultura, além das provenientes dos combustíveis fósseis, o que altera significativamente o ranking dos países mais poluidores.
O gráfico abaixo mostra que, em primeiro lugar na classificação, os EUA libertaram mais de 509 GtCO2 desde 1850 e são responsáveis pela maior parte das emissões históricas, com cerca de 20% do total global. A China ocupa um segundo lugar relativamente distante, com 11%, seguida pela Rússia (7%), Brasil (5%) e Indonésia (4%). Esta última dupla está entre os 10 maiores emissores históricos, devido ao CO2 proveniente do uso da terra, ou seja, devido principalmente ao desmatamento. Portanto, o Brasil ocupa o 4º lugar no ranking das emissões acumuladas de CO2.
A maioria dos países do gráfico acima pertencem ao G20, com exceção da Ucrânia, Polônia, Tailândia e Irã. Portanto, entre os países que mais poluíram em termos históricos, 16 fazem parte dos 19 países do G20. As responsabilidades entre o “Norte global” e o “Sul global” não são assim tão claras.
Os países-membros do G20, em conjunto, são responsáveis por mais de 80% das emissões globais e um esforço cumulativo do grupo para descarbonizar é crucial na luta global contra o aquecimento global. Mas, sem dúvida, é urgente que todos os países contribuam para abandonar o uso dos combustíveis fósseis, eliminar o desmatamento e recuperar as áreas degradadas.
Na direção correta, as maiores economias do mundo, reunidas em Nova Delhi, concordaram em triplicar a capacidade de energia renovável até 2030. Porém, não fizeram progressos na eliminação progressiva do carvão, petróleo e gás.
Contudo, o relatório da UNFCCC deixou claro a necessidade de eliminar progressivamente os combustíveis fósseis, pois há uma “janela cada vez mais estreita” para os governos agirem mais rapidamente.
As emissões globais de gases com efeito de estufa devem atingir o seu pico até 2025, o mais tardar, e ser rapidamente reduzidas a partir daí, para limitar os aumentos de temperatura a 1,5ºC acima dos níveis pré-industriais.
Não há mais espaço para procrastinações e o G20 precisa promover a rápida transição energética e a restauração dos ecossistemas.
José Eustáquio Diniz Alves
Doutor em demografia, link do CV Lattes:
http://lattes.cnpq.br/2003298427606382
Referências:
ALVES, JED. Crescimento demoeconômico no Antropoceno e negacionismo demográfico, Liinc em Revista, RJ, v. 18, n. 1, maio 2022 https://revista.ibict.br/liinc/article/view/5942/5595
EMBER. G20 Per Capita Coal Power Emissions 2023, 05/09/2023
https://ember-climate.org/insights/research/g20-per-capita-coal-power-emissions-2023/
EVANS Simon. Which countries are historically responsible for climate change? Carbon Brief, 05/10/2021
https://www.carbonbrief.org/analysis-which-countries-are-historically-responsible-for-climate-change/
UNFCCC. Synthesis report on the technical dialogue of the first global stocktake, 8 September 2023 https://unfccc.int/sites/default/files/resource/EMBARGOED_DRAFT_Sythesis-report-of-the-technical-dialogue-of-the-first-global-stocktake.pdf
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in EcoDebate, ISSN 2446-9394
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