Até quando fingirão que complexos eólicos não geram impactos socioambientais? artigo de Heitor Scalambrini Costa
Os impactos, conflitos e injustiças socioambientais, cometidas pela expansão do modelo centralizado de geração eólica no país, são denunciados desde 2014
A energia eólica, aquela energia elétrica produzida pela velocidade dos ventos, tem crescido exponencialmente no país ao longo dos últimos anos. Em 2011, a potência instalada era de 2 GW (GigaWatts). Em agosto de 2023, segundo a Associação Brasileira de Energia Eólica e Novas Tecnologias (ABEEólica) a potência instalada em 12 Estados ultrapassou 26 GW, com cerca de 916 parques eólicos e mais de 10.178 aerogeradores instalados. Isto representa aproximadamente 13,2% da matriz elétrica nacional.
O modelo de expansão adotado para esta tecnologia foi o da geração centralizada, ou seja, a produção de energia elétrica em grande escala, a partir da instalação de centenas, mesmo milhares de aerogeradores em áreas contínuas, formando complexos eólicos. A geração centralizada necessita a ocupação de grandes áreas pelos equipamentos de conversão.
No Nordeste, em particular, as áreas preferidas pelos “negócios do vento” estão localizadas no interior (bioma Caatinga, em áreas montanhosas, resquícios de Mata Atlântica, brejos de altitude, fundo e fecho de pasto) e em áreas costeiras.
A procura, das melhores áreas de potencial eólico pelos empreendedores leva em conta locais onde haja constância e boa velocidade média anual dos ventos. Diferentemente do que alegam os empreendedores, são locais onde vivem populações indígenas, quilombolas, pescadores, marisqueiras, agricultores familiares. Muitos desses territórios são áreas de conservação, áreas protegidas.
O setor das eólicas tem recebido apoio incondicional para seus empreendimentos dos governos federal, estaduais, municipais. Entre outras facilidades oferecidas pelo setor público, está a flexibilização da legislação ambiental, pelo uso de um conceito negacionista, que afirma que a energia eólica é uma fonte limpa, portanto de baixo impacto.
Com esta classificação, para o licenciamento ambiental os empreendedores são isentos de fazer estudos socioambientais mais aprofundados como o Estudo de Impacto Ambiental e o Relatório de Impacto do Meio Ambiente. Só é exigido o Relatório Ambiental Simplificado (RAS).
Os impactos, conflitos e injustiças socioambientais, cometidas pela expansão do modelo centralizado de geração eólica no país, são denunciados desde 2014. Nos casos analisados se constata que o setor eólico, também conhecido como “negócios do vento”, não cumpre as boas práticas socioambientais.
É no Nordeste que os impactos socioambientais são mais evidenciados, pois a região concentra mais de 3/4 de toda potência eólica instalada no país.
Ao listar os problemas e danos causados pelos “negócios do vento” e seu modelo de expansão predatório, nos defrontamos com a questão da ocupação da terra. De fato, os contratos de arrendamento (em sua maioria) acabam expropriando as terras dos posseiros, sobretudo pela longa vigência (35 a 40 anos), com cláusulas de renovação automática, e por meio de restrição ao uso de terras comuns, provocando alterações nas dinâmicas sociais e econômicas locais.
Os danos ambientais são distintos, dependendo do local de implantação das centrais eólicas. No caso da zona costeira altera significativamente as características ecológicas e morfológicas desses ecossistemas, especialmente os lacustres, os campos de dunas e os manguezais. Esses ecossistemas são sistematicamente degradados, com desmatamento, supressão de habitat, soterramento, impermeabilização do solo e compactação de dunas; o que tem aumentado os processos de erosão costeira e alterado a dinâmica hídrica das regiões e, consequentemente, a disponibilidade de água doce.
No caso da implantação ser no interior, afeta diretamente, e principalmente o bioma caatinga com a redução das áreas de cultivo da agricultura familiar, o modo de vida das populações. Dentre os efeitos negativos estão a supressão de vegetação, problemas causados à fauna (mortandade de morcegos, pássaros), alterações do nível hidrostático do lençol freático no processo de instalação da estrutura das torres, aterramento e devastação de dunas, deslocamentos forçados de populações com destruições de modos de vida de populações tradicionais, expropriação de terras (com contratos draconianos de arrendamento), e no pagamento irrisório dos arrendantes.
Além de prejudicar a saúde das pessoas e dos animais domésticos, outro ponto de grande relevância é o impacto sonoro, relatado pelas populações que vivem próximo dos complexos eólicos. O ruído – significativo e constante – produzido pelo vento que movimenta as pás dos aerogeradores, geram distúrbios do sono, dor de cabeça, zumbido e pressão nos ouvidos, náuseas, tonturas, taquicardia, irritabilidade, problemas de concentração e memória, episódios de pânico, com sensação de pulsação interna ou trêmula, que surgem quando acordado ou dormindo.
O efeito de sombreamento causado pela projeção das pás das turbinas nas residências, conhecido como efeito estroboscópico (shadow flicker), ocorre em grande parte pelo tamanho das torres dos aerogeradores, devido à proximidade das casas, que em alguns casos chegam a distâncias próximas dos equipamentos eólicos, em torno de 150 m.
Estudos e relatos realizados mostram os danos sociais, econômicos e ambientais causados; o que provoca verdadeiras tragédias e sofrimentos, com perdas, prejuízos, danos, privações, destruição de vidas e de bens, muitas vezes permanentes e irreversíveis, cometidas pelos complexos eólicos.
Já passou a hora das empresas ligadas aos “ negócios do vento” deixarem de simplesmente propagandear suas responsabilidades sociais e ambientais, e não discutirem e encontrarem soluções para as questões que resultam nos vários e importantes impactos sobre a vida das pessoas e do meio ambiente, quando da instalação e operação dos complexos eólicos.
A realidade das comunidades que tiveram a experiência de convivência com os empreendimentos de geração de energia eólica permitiu que muitas lições fossem amargamente aprendidas. Daí a necessidade de recompensar os que foram, de alguma forma, atingidos pelo empreendimento.
Ao reconhecer a existência dos problemas, cabe às empresas resolvê-los para que projetos futuros não cometam os mesmos erros. De modo transparente, com diálogo e respeito às populações do meio rural, levando em conta o princípio básico que a vida é mais importante. As empresas – junto com as comunidades atingidas, e as autoridades administrativas – devem apontar as soluções adequadas, e impor ao empreendedor, se for o caso, medidas de mitigação e/ou de compensação ambiental.
Como apela o título, o melhor caminho, com certeza, não é continuar fingindo que não existam problemas no arrendamento de terras, na implantação e operação dos complexos eólicos.
Heitor Scalambrini Costa
Doutor em Energética, professor aposentado da Universidade Federal de Pernambuco
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in EcoDebate, ISSN 2446-9394
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