A prática da “engorda” de praias pode ampliar a faixa de areia para turistas, mas impacta o meio ambiente marinho. Estudos e cautela são essenciais.
Artigo de Rosângela Trajano
Os homens! Sempre eles! E agora inventaram um negócio meio esquisito e que pode causar grande impacto no meio ambiente, mas como é para o bem do povo e da boniteza das praias eles dizem ser necessário o feitio deste trabalho chamado de “engorda”. Mas que raios é essa tal de engorda? É pra engordar ou deixar a praia magrinha como as modelos brasileiras? Brincadeiras à parte, vamos ao importante.
A engorda é tirar a areia de uma praia e colocar em outra para alargar a sua faixa de área litorânea. Os homens de negócios costumam dizer que assim vão dar mais trabalho aos comerciantes das praias e os turistas terão uma faixa mais larga de areia para se bronzearem e passearem.
No entanto, devemos pensar primeiro naquele local de onde será retirada a faixa de areia mexendo com o habitat e com a alimentação dos peixes e outros animais marinhos. A engorda pode ser boa para os turistas e os comerciantes das praias, mas não é uma boa ideia nunca mexer com o meio ambiente.
Não se deve mexer com o meio ambiente desse jeito. É preciso um grandioso estudo de profissionais e técnicos em meio ambiente para saber quais consequências teremos no futuro de onde foi retirada esta areia e no local onde ela foi colocada.
Aumentar a área litorânea de uma praia pode ser boa ideia para quem costuma ver as coisas com ambição e necessidade de comércio local, mas para os peixes e animais marinhos isso pode causar grandes danos inclusive as mortes desses animais.
Fazer a engorda de uma praia não é coisa fácil. Tudo o que mexe com o meio ambiente deve passar pelo crivo de técnicos especializados naquilo que se está em questão, pois poderemos causar um grande desastre ecológico num futuro breve.
Especialistas costumam afirmar que a engorda de uma praia pode evitar a erosão de morros e dunas, como é o caso do que se está sendo visto na praia de Ponta Negra em Natal, Rio Grande do Norte. Realmente, o morro vem se desmanchando aos poucos e criando falésias ao seu redor com o movimento das marés.
Contudo, proteger uma parte ambiental tão linda que são os morros para modificar a paisagem de outras que são os habitats dos animais marinhos pode não ser uma ideia tão boa assim como pensam os especialistas. É preciso cautela. Há de se pensar que o meio ambiente não resiste ao movimento desnecessário dos homens e que ele foi feito conforme às mãos de um criador qualquer dentro das suas bonitezas de regularidades e capacidades naturais.
O Brasil perdeu quase 70 mil hectares de dunas, praias e areias entre 1985 e 2020, há 36 anos, eram 451 mil hectares; em 2020, apenas 382 mil hectares, segundo o MapBiomas (rede composta por ONGs, universidades e empresas). Os motivos dessa perda vão desde o crescimento de vegetação inapropriada nos locais, devido a ação dos homens, a ocupação imobiliária e o grande crescimento de prédios de frente às praias mais belas do país. Vendo por este lado a engorda parece necessária, sem dúvidas, mas tudo exige cuidados.
Segundo a grande maioria dos biólogos, a engorda é menos prejudicial do que a colocação de barreiras físicas nas praias, mas podem causar mortandade de fauna e flora na área doadora da areia quanto na que vai receber, além do problema que pode vir a ser acarretado com o efeito estufa.
Por esta razão, é que para se fazer a engorda em uma determinada praia é necessário a licença de órgãos públicos ambientais que geralmente pedem uma série de documentos com perguntas às autoridades que devem ser respondidas de forma técnica e com coerência para que o serviço possa ser autorizado. Não é tão simples fazer uma engorda, como já disse, há uma série de fatores que podem complicar o meio ambiente quando se mexe com ele sem os devidos cuidados.
Do ponto de vista urbanístico toda praia necessita de uma engorda com o tempo, devido o movimento das marés que causam a erosão nas suas dunas, e que podem trazer a água do mar para os calçadões e avenidas de frente às praias. Mas, se estamos precisando engordar as praias, como diz mamãe, é porque elas estão famintas e precisando de alimentos, estes que foram alterados pelo abuso da destruição das florestas, do aumento de veículos e dos seus combustíveis que agridem o meio ambiente causando os desastres climáticos mais diversos que o mundo tem visto nos últimos tempos.
Quando construímos prédios, shopping centers e outros prédios residenciais ou não, mexemos com o meio ambiente e consequentemente as cidades litorâneas sofrem com essas intervenções que vão desde a construção de avenidas, muros, derrubadas de árvores, devastação de vegetações nos morros e costas, logo as praias começam a sentirem a erosão e não têm para onde se expandirem.
O mar vai tomando conta daquilo que já foi seu, ou seja, o mar vai buscar o alimento que lhe foi tirado uma vez o deixando magro e sem a sua boniteza. Na verdade, era para o homem não interferir tanto no meio ambiente, mas como se desenvolver e crescer sem fazer isso? Eis a grande questão. As nossas cidades litorâneas são as mais bonitas e as que mais sofrem com as erosões das suas dunas e morros.
Para continuarmos, a área que doa a areia pode sofrer diversos problemas com a sua fauna e flora passando por desequilíbrios da cadeia e teia alimentar até a sua morte. A engorda, também, pode introduzir cistos de algas nas áreas de onde saíram a areia, por exemplo. Isso é só alguns dos problemas mais comuns que podemos citar, mas, na verdade, podem acontecer muitas outras coisas.
O engordamento das praias pode fazer com que o carbono que fica no fundo do mar possa subir e se constituir nos gases de efeito estufa, causando diversos impactos ao meio ambiente. Todos nós estamos sofrendo com um clima desordenado.
Não é que eu seja contra o desenvolvimento das cidades. O que exijo e peço das autoridades são cuidados técnicos e responsáveis por esses tipos de serviços que mexem com o nosso meio ambiente, pois não sabemos até quando a natureza vai resistir a tantos impactos negativos causados pelos homens.
As cidades litorâneas exigem mais cuidados ainda, pois as suas belezas naturais são maravilhosas e mexermos com o que foi criado por uma divindade suprema, um Bem maior do que nós, pode não ser coisa boa, pois acabamos prejudicando a natureza quando não nos atentamos para regularizar serviços e obras necessários para os nossos crescimentos e desenvolvimentos.
Vamos engordar as praias que apenas necessitarem desse tipo de serviço, mas sem exageros, pois no país já temos várias cidades fazendo isso.
Mexendo com a nossa natureza e alterando a paisagem natural que vai se degradando por falta de sensibilidade dos homens que constroem casas e prédios aonde chegam sem se preocuparem com o meio ambiente.
Assim, deixo vocês hoje com a minha reflexão sobre o serviço da engorda e com o poema “Mar” da grande poetisa Sophia de Mello Breyner Andresen que nos diz “Mar, metade da minha alma é feita de maresia/Pois é pela mesma inquietação e nostalgia,/Que há no vasto clamor da maré cheia,/ Que nunca nenhum bem me satisfez. /E é porque as tuas ondas desfeitas pela areia/Mais fortes se levantam outra vez,/Que após cada queda caminho para a vida,/Por uma nova ilusão entontecida./E se vou dizendo aos astros o meu mal/É porque também tu revoltado e teatral/Fazes soar a tua dor pelas alturas./E se antes de tudo odeio e fujo/O que é impuro, profano e sujo,/É só porque as tuas ondas são puras.”
Embarquemos na pureza das ondas do mar, permitindo que ele viva até ficar velhinho sem engordas, sem intervenção humana, apenas sendo o que ele é, lindo e bonito com um barquinho à deriva e um pescador a contar as suas histórias.
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in EcoDebate, ISSN 2446-9394
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