A dependência do “ouro negro” foi uma constante na história recente da Venezuela, mas foi agravada durante o superciclo das commodities
Artigo de José Eustáquio Diniz Alves
A Venezuela terá eleições presidenciais em 28 de junho de 2024 e o atual chefe do Executivo é candidato à reeleição. Nicolas Maduro foi eleito como vice-presidente em 2012, assumiu a presidência interinamente em razão da enfermidade do presidente Hugo Chávez e assumiu a presidência em 5 de março de 2013, após a morte de Hugo Chávez. Foi eleito em 2013 e reeleito em 2018, sendo candidato novamente em 2024. Deste 2013 a Venezuela mudou muito em termos demográficos e econômicos.
O gráfico abaixo, da Divisão de População da ONU (Revisão 2024), mostra a evolução da população da Venezuela entre 1950 e 2100. A população venezuelana era de 5,5 milhões de habitantes em 1950 e saltou para 30,8 milhões em 2016. Entre 2013 e 2023, o saldo migratório (diferença entre emigrantes e imigrantes) da Venezuela foi de -4,5 milhões de pessoas. Em consequência, a população caiu para 28,3 milhões de habitantes em 2023. Mas as projeções indicam que o pico populacional vai ocorrer em 2057 com 31,2 milhões de habitantes. A partir de 2058 deve ocorrer decrescimento demográfico permanente (pela projeção média, que é a mais provável) até atingir 28,3 milhões de habitantes em 2100. Outros cenários apresentados no gráfico podem ocorrer, mas são menos prováveis.
O gráfico abaixo, também da Divisão de População da ONU, mostra o saldo migratório da Venezuela entre 1950 e 2100. Nota-se que havia um saldo migratório positivo em meados do século passado e um saldo próximo de zero entre a década de 1960 e o início dos anos 2000. Fica claro que o saldo negativo de 4,5 milhões de pessoas foi um evento excepcional ocorrido entre 2013 e 2023, mas principalmente entre 2016 e 2021. Para o restante do século XXI a projeção indica um pequeno saldo negativo, ou seja, deve sair mais nacionais da Venezuela do que a entrada de estrangeiros no país.
O gráfico abaixo, com dados da Divisão de População da ONU (Revisão 2024), mostra a evolução das taxas de fecundidade total (TFT) da Venezuela e mais 3 países da América do Sul. Nota-se que a Venezuela tinha a maior TFT na década de 1950, com quase 7 filhos por mulher e o Chile tinha uma TFT de menos de 5 filhos por mulher. Todos os 4 países avançaram na transição da fecundidade, sendo que o Chile e o Brasil já possuem TFT abaixo do nível de reposição (2,1 filhos por mulher) e a Venezuela e a Bolívia devem ficar abaixo do nível de reposição na segunda metade do século XXI.
Enquanto a TFT diminuía a expectativa de vida subia nos 4 países. Mas o ritmo de avanço foi diferenciado. Nas décadas de 1960 e 1970 a Venezuela tinha a maior expetativa de vida ao nascer. Mas por volta de 1980, o Chile passou a Venezuela e, nas duas primeiras décadas do século XXI, a expectativa de vida estagnou na Venezuela e foi ultrapassada pelo Brasil. No restante do atual século, o Chile deve manter a liderança do ranking da expectativa de vida e chegar a mais de 91 anos, o Brasil 86 anos, a Venezuela 84 anos e a Bolívia 80 anos.
O gráfico abaixo, com dados do WEO do FMI (abril de 2024), mostra a renda per capita, em preços constantes, em poder de paridade de compra (ppp), para Venezuela, Brasil, Chile e Bolívia entre 1980 e 2025. Nota-se que, em 1980, a Venezuela tinha a maior renda per capita do continente, com US$ 20,2 mil, o Brasil em segundo lugar, mas bem atrás do primeiro lugar, com US$ 11,1 mil. O Chile vinha em terceiro lugar com US$ 8,5 mil e a Bolívia, o país mais pobre da América do Sul, com US$ 6 mil.
Mas nas décadas seguintes o quadro mudou. A renda per capita do Chile ultrapassou a do Brasil na década de 1990 e ultrapassou a da Venezuela no início dos anos 2000, ocupando o posto de país mais rico da América do Sul. A Venezuela manteve a renda per capita em US$ 20 mil até 2013. Mas houve um colapso da renda per capita venezuelana que ficou abaixo de US$ 6 mil em 2020 e 2021 e deve ficar perto de US$ 7 mil em 2025. O Brasil ficou com renda per capita estagnada em torno de US$ 16 mil, enquanto a Bolívia deve ficar com renda de US$ 8,6 mil em 2025. Ou seja, a Venezuela era o país mais rico da América do Sul nas duas últimas décadas do século XX e passou a ser o país mais pobre do continente atualmente.
O gráfico abaixo, com dados da UNDP, mostra a evolução do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) para o Chile, Venezuela, Brasil e Bolívia de 1990 a 2022. Observa-se que, em 1990, o Chile tinha o maior IDH com 0,705, a Venezuela em segundo lugar com 0,657, o Brasil com 0,620 e a Bolívia com 0,546. Até 2015 todos os países apresentaram avanços no IDH e a ordem se manteve a mesma. Porém, entre 2015 e 2022 houve um incremento pequeno no IDH do Chile, Brasil e Bolívia, mas uma queda no IDH da Venezuela. Em 2022, o Chile alcançou um IDH de 0,860 (no grupo de países de muito alto IDH em 44º lugar no ranking), o Brasil ficou com 0,760 (no 89º lugar ranking) e a Venezuela com 0,699 (em 119º lugar), praticamente empatada com a Bolívia com IDH de 0,698 (em 120º lugar no ranking global).
O gráfico abaixo, do Instituto Global Footprint Network, apresenta os valores da pegada ecológica e da biocapacidade Venezuela de 1961 a 2019, com uma estimativa até 2022. A pegada ecológica serve para avaliar o impacto do ser humano sobre a biosfera. A biocapacidade avalia o montante de terra, água e demais recursos biologicamente produtivos para prover bens e serviços do ecossistema, sendo equivalente à capacidade regenerativa da natureza. Ambas as medidas são representadas em hectares globais (gha).
Entre 1961, a Venezuela tinha um grande superávit ambiental (área verde do gráfico), com uma pegada ecológica de 17,7 milhões de gha, para uma biocapacidade de 75,5 milhões de gha (superávit de 57,8 milhões de gha). Este superávit foi diminuindo até zerar em 2007 e se transformar em déficit ambiental (área vermelha do gráfico). Mas com a crise econômica, o PIB caiu e também diminuiu a pegada ecológica e a Venezuela voltou a apresentar superávit ambiental a partir de 2016. Em 2022, a pegada ecológica foi de 59,7 milhões de gha e a biocapacidade de 83,4 milhões de gha (superávit de 23,7 milhões de gha).
Os dados acima mostram que a Venezuela era o país mais rico da América do Sul nas últimas duas décadas do século XX, mas se transformou no país mais pobre do continente nos últimos anos, ficando com renda abaixo da renda da Bolívia. Houve regressão das condições sociais e ambientais.
Simon Bolívar – que era grande admirador das ideias e dos ideais de Alexander von Humboldt (1769-1859) – não imaginaria que o país onde nasceu e o país que leva seu nome estariam entre os dois mais pobres do continente. Especialmente, não suportaria saber que o regime bolivariano, inspirado em seu nome, tornaria a Venezuela em um país que poderia ser descrito como exemplo de fracasso, corrupção, desmando, autoritarismo e palco de um sofrimento inimaginável da maior parte de sua população.
A Venezuela é um dos membros fundadores da OPEP e possui uma das maiores reservas de petróleo do planeta (quase 300 bilhões de barris). Porém, mesmo com toda essa riqueza mineral, o país está passando pela maior crise econômica e social de sua história.
O mito do “Eldorado negro” virou a realidade da “maldição do petróleo”. Nem sempre achar hidrocarbonetos é uma boa notícia. Depende dos custos de extração e da forma como a produção e o consumo deste recurso mineral é administrado.
A dependência do “ouro negro” foi uma constante na história recente da Venezuela, mas foi agravada durante o superciclo das commodities, que manteve o preço do barril de petróleo acima de US$ 100 durante um bom período e deu uma falsa sensação de riqueza na Venezuela.
Historicamente, quase 90% das exportações venezuelanas são relacionadas ao setor petrolífero e o país se deu ao luxo de realizar várias bondades na venda do petróleo abaixo do preço de mercado a treze nações caribenhas e manter o preço interno da gasolina abaixo de 50 centavos de dólar, reduzindo as receitas da PDVSA.
Viciada na receita fácil das exportações de combustíveis fósseis, a Venezuela não incentivou a economia interna e importa a maior parte dos bens que consome, inclusive artigos de primeira necessidade, como comida, remédios, matérias primas industriais e agrícolas.
As eleições presidenciais marcadas para este mês de julho de 2024 são uma incógnita, mas podem ser a oportunidade para o povo venezuelano mudar o quadro de falência econômica e institucional do país e buscar o verdadeiro sonho de Simon Bolívar de independência, prosperidade e união pacífica e democrática de toda a América Latina.
José Eustáquio Diniz Alves
Doutor em demografia, link do CV Lattes:
http://lattes.cnpq.br/2003298427606382
Referências:
ALVES, JED. Bolívia e Venezuela: experiências bolivarianas opostas, Ecodebate, 13/05/2019
https://www.ecodebate.com.br/2019/05/13/bolivia-e-venezuela-experiencias-bolivarianas-opostas-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/
ALVES, JED. ‘Qualquer lugar é melhor que a Venezuela’, Ecodebate,17/07/2017
https://www.ecodebate.com.br/2017/07/17/qualquer-lugar-e-melhor-que-venezuela-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/
[ Se você gostou desse artigo, deixe um comentário. Além disso, compartilhe esse post em suas redes sociais, assim você ajuda a socializar a informação socioambiental ]
in EcoDebate, ISSN 2446-9394
Nenhum comentário:
Postar um comentário