Dia da Terra Estufa? artigo de José Eustáquio Diniz Alves
“Se os governos continuarem com as mesmas políticas ambientais atualmente em vigor, o mundo ficará 2,8°C mais quente até o final do século, o que seria uma sentença de morte para a vida na Terra” – Secretário-geral da ONU, António Guterres
O Dia da Terra foi criado em dia 22 de abril de 1970 a partir da iniciativa do senador norte-americano Gaylord Nelson e ocorreu antes da Conferência de Estocolmo de 1972. A data tinha a finalidade de criar uma consciência comum sobre os problemas da contaminação, conservação da biodiversidade e outras preocupações ambientais para proteger o Planeta. Infelizmente, o cenário ambiental e climático atual é cada vez mais desafiador, após 53 anos de muito blá-blá-blá e pouca ação para evitar uma catástrofe ecológica.
O relatório “State of the Global Climate 2022”, elaborado pela Organização Meteorológica Mundial (OMM), divulgado no dia 21 de abril de 2023, adverte que os últimos oito anos foram os mais quentes já registrados no Holoceno (últimos 12 mil anos), provocando o aumento da concentração de gases de efeito estufa na atmosfera, aumento do aquecimento dos solos e dos oceanos, aumento do degelo dos polos, da Groenlândia e dos glaciares, elevação do nível dos oceanos e um agravamento dos eventos climáticos extremos, trazendo mais secas, inundações e ondas de calor para várias partes do mundo, colocando em risco as vidas humanas e não humanas.
As concentrações atmosféricas de gases de efeito estufa refletem um equilíbrio entre as emissões de atividades humanas e os sumidouros naturais. O relatório mostra que o aumento dos níveis de gases de efeito estufa na atmosfera devido às atividades humanas têm sido o principal motor das mudanças climáticas desde pelo menos a revolução industrial. A concentração de CO2, de Metano e outros gases de efeito estufa não só aumentaram como houve aceleração do ritmo, conforme indica os gráficos abaixo.
Maior concentração de gases de efeito estufa implica maiores temperaturas, como mostra o gráfico seguinte. Em 2022, a temperatura média global, que combina medições de temperatura próximas à superfície sobre a terra e o oceano, foi de 1,15º C acima da média pré-industrial de 1850–1900 (a despeito do fenômeno La Niña). Os seis conjuntos de dados usados na análise colocam 2022 como o quinto ou o sexto ano mais quente dos registros históricos. Os anos de 2015 a 2022 são os oito anos mais quentes no registro em todos os conjuntos de dados. Há registros que colocam o ano de 2014 como o nono ano mais quente. O ano de 2023 pode bater novos recordes. Desta forma, os últimos 10 anos (2014-2023) podem entrar para a história como o decênio mais quente do Holoceno.
Em decorrência do aumento da temperatura global, há um processo acelerado de degelo do Ártico, da Groenlândia, da Antártida e dos glaciares. Se todo o gelo da Antártida for derretido, o nível dos oceanos podem subir 60 metros. Evidentemente, isto não vai acontecer no horizonte à vista. Mas apenas 5% de degelo da Antártida seria suficiente para os mares subirem 3 metros. O gráfico abaixo mostra que o degelo no polo Sul bateu todos os recordes recentes. O degelo avança em toda a criosfera.
O gráfico abaixo mostra que o nível dos oceanos já aumentou mais de 10 centímetros nos últimos 30 anos. Mas o mais preocupante é que a elevação era de 2,3 milímetros por ano entre 1993 e 2002, passou para 3,3 milímetros anuais entre 2003 e 2012 e atingiu 4,6 milímetros entre 2013 e 2022. Ou seja, o rimo de aumento do nível dos mares dobrou em curto espaço de tempo e deve ser acelerar ainda mais quando a temperatura global ultrapassar a marca de 1,5º C. A maior parte das cidades litorâneas estão ameaçadas pelo avanço das águas salgadas.
O relatório da Organização Meteorológica Mundial apresenta as seguintes constatações em relação aos impactos socioeconômicos e ambientais:
A seca tomou conta da África Oriental. A precipitação tem estado abaixo da média em cinco estações chuvosas consecutivas, a mais longa sequência desse tipo em 40 anos. Em janeiro de 2023, estimava-se que mais de 20 milhões de pessoas enfrentavam insegurança alimentar aguda em toda a região, sob os efeitos da seca e de outros choques.
A chuva recorde em julho e agosto levou a grandes inundações no Paquistão. Houve mais de 1.700 mortes e 33 milhões de pessoas foram afetadas, enquanto quase 8 milhões de pessoas foram deslocadas. Os danos totais e as perdas econômicas foram avaliados em US$ 30 bilhões. Julho (181% acima do normal) e agosto (243% acima do normal) foram os mais chuvosos já registrados nacionalmente.
Ondas de calor recorde afetaram a Europa durante o verão. Em algumas áreas, o calor extremo foi combinado com condições excepcionalmente secas. O excesso de mortes associadas ao calor na Europa ultrapassou 15.000 no total na Espanha, Alemanha, Reino Unido, França e Portugal.
A China teve a sua onda de calor mais extensa e duradoura desde o início dos recordes nacionais, estendendo-se de meados de junho até o final de agosto e resultando no verão mais quente já registrado por uma margem de mais de 0,5º C. Foi também o segundo verão mais seco já registrado.
Insegurança alimentar: em 2021, cerca de 2,3 bilhões de pessoas enfrentavam insegurança alimentar, das quais 924 milhões enfrentavam insegurança alimentar grave. As projeções estimam que 767,9 milhões de pessoas enfrentarão desnutrição em 2021, 9,8% da população global. Metade deles está na Ásia e um terço na África.
Ondas de calor na estação pré-monções de 2022 na Índia e no Paquistão causaram uma queda no rendimento das safras. Isso, combinado com a proibição das exportações de trigo e restrições às exportações de arroz na Índia após o início do conflito na Ucrânia, ameaçou a disponibilidade, o acesso e a estabilidade de alimentos básicos nos mercados internacionais de alimentos e impôs altos riscos aos países já afetados pela escassez. de alimentos básicos.
Deslocamento: Na Somália, quase 1,2 milhão de pessoas foram deslocadas internamente devido aos impactos catastróficos da seca nos meios de subsistência pastoris e agrícolas e da fome durante o ano, das quais mais de 60.000 pessoas cruzaram para a Etiópia e o Quênia durante o mesmo período. Ao mesmo tempo, a Somália estava hospedando quase 35.000 refugiados e requerentes de asilo em áreas afetadas pela seca. Outros 512.000 deslocamentos internos associados à seca foram registrados na Etiópia.
As inundações no Paquistão afetaram cerca de 33 milhões de pessoas, incluindo cerca de 800.000 refugiados afegãos alojados nos distritos afetados. Até outubro, cerca de 8 milhões de pessoas foram deslocadas internamente pelas enchentes, com cerca de 585.000 abrigadas em locais de socorro.
Ambiente: As alterações climáticas têm consequências importantes para os ecossistemas e para o ambiente. Por exemplo, uma avaliação recente com foco na área única de alta elevação ao redor do planalto tibetano, o maior depósito de neve e gelo fora do Ártico e da Antártica, descobriu que o aquecimento global está causando a expansão da zona temperada.
A mudança climática também está afetando eventos recorrentes na natureza, como quando as árvores florescem ou os pássaros migram. Por exemplo, o florescimento da flor de cerejeira no Japão foi documentado desde 801 DC e mudou para datas anteriores desde o final do século XIX devido aos efeitos das mudanças climáticas e do desenvolvimento urbano. Em 2021, a data de floração completa foi 26 de março, a mais antiga registrada em mais de 1200 anos. Em 2022, a data de floração foi 1º de abril.
Nem todas as espécies em um ecossistema respondem às mesmas influências climáticas ou nas mesmas taxas. Por exemplo, os tempos de chegada da primavera de 117 espécies de aves migratórias europeias ao longo de cinco décadas mostram níveis crescentes de incompatibilidade com outros eventos da primavera, como a saída de folhas e o voo de insetos, que são importantes para a sobrevivência das aves. É provável que tais incompatibilidades tenham contribuído para o declínio populacional de algumas espécies migratórias, particularmente aquelas que invernam na África subsaariana.
O relatório da OMM é realmente assustador. O fato é que quanto mais tempo ignoramos os avisos explícitos de que o aumento das emissões de carbono está aquecendo perigosamente a Terra, maior será o preço a pagar. E o que surpreende na tendência ao colapso climático é a velocidade com que a temperatura média global aumenta e se traduz em clima extremo. Porém, por mais sombrio que seja o cenário climático, isto não deve inibir as ações para mitigar o aquecimento global para impedir que um futuro angustiante se torne ainda mais verdadeiramente cataclísmico.
O livro “Hothouse Earth: An Inhabitant’s Guide”, do professor de ciências da Terra da University College London, Bill McGuire argumenta que, depois de anos ignorando os avisos dos cientistas, é tarde demais para evitar os impactos catastróficos das mudanças climáticas. Ele diz que já é um mundo diferente lá fora e em breve será irreconhecível para todos nós, pois o colapso total do clima se tornou inevitável. Muitos cientistas climáticos, disse ele, estão mais assustados com o futuro do que estão dispostos a admitir em público.
McGuire chama a relutância da maioria dos cientistas em participar de ações civis contra os promotores da crise climática de “apaziguamento climático” e diz que isso só piora as coisas. Por isto é tão importante a participação de ativistas como Greta Thunberg, que no Fórum Econômico de Davos, em 21/01/2020, disse: “Nossa casa ainda está pegando fogo. Sua inação está alimentando as chamas a cada hora. Ainda estamos dizendo para vocês entrarem em pânico e agir como se vocês amassem seus filhos acima de tudo”.
Segundo McGuire, a mudança climática severa é agora inevitável e irreversível. A sentença de morte foi decretada. Evidentemente, ainda é possível revogar a “sentença de morte”, se agirmos para tentar impedir que as condições materiais se deteriorem ainda mais. Também há necessidade de tomar medidas para a adaptação climática. O futuro será cada vez mais desafiador, mas a humanidade não deveria desistir de buscar uma política de redução de danos no curto e médio prazo e buscar reduzir a Pegada Ecológica no longo prazo para reduzir os efeitos de uma “Terra estufa”.
José Eustáquio Diniz Alves
Doutor em demografia, link do CV Lattes:
http://lattes.cnpq.br/2003298427606382
Referências:
ALVES, JED. Crescimento demoeconômico no Antropoceno e negacionismo demográfico, Liinc em Revista, RJ, v. 18, n. 1, e5942, maio 2022 https://revista.ibict.br/liinc/article/view/5942/5595
World Meteorological Organization. State of the Global Climate 2022, WMO-No. 1316, 2023
https://library.wmo.int/doc_num.php?explnum_id=11593
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in EcoDebate, ISSN 2446-9394
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