O governo federal vai apostar no estímulo à construção civil para ajudar a retomar o crescimento e a geração de empregos. A despeito da importância de medidas para destravar a economia, tenho sempre um pé atrás quando um setor que ostenta graves problemas trabalhistas é tido como tábua de salvação do país.
O comentário é de Leonardo Sakamoto, jornalista, publicado em seu blog, 05-01-2016.
Pois se já é difícil tentar garantir contrapartidas trabalhistas ao dinheiro público oferecido, em forma de renúncia fiscal ou de financiamento, em época de vacas gordas, imagine agora, com o governo enforcado em laço que ele ajudou a criar. Auditores fiscais do Ministério do Trabalho e Previdência Social (MPTS) e procuradores do Ministério Público do Trabalho (MPT) terão que redobrar a atenção.
Levantamento da Comissão Pastoral da Terra baseado os dados preliminares de resgatados do trabalho escravo pelo MTPS para 2015 apontam que a construção civil foi o setor mais flagrado com escravos contemporâneos em 2015, com 28% do total.
Além dos escravizados, operários morrem em “acidentes'' em obras de Norte a Sul do país e outros tantos estão sob péssimas condições de trabalho.
– Ah, mas, pelo menos, eles têm emprego! – gritam algumas gralhas, provocando vergonha alheia em quem sabe que salário não é favor, mas justa remuneração por riqueza gerada para alguém. Ou seja, não se deve comemorar apenas empregos gerados, mas empregos gerados que respeitem a dignidade do trabalhador.
É mais fácil se indignar com denúncias de (desavergonhada) corrupção envolvendo empresas de construção civil do que com as mortes de seus operários. Pois os óbitos são vistos como efeitos colaterais. Afinal de contas, é um pequeno custo a pagar diante do progresso (sic).
Pois a ponte precisa ficar pronta. O estádio precisa ficar pronto. A fábrica precisa ficar pronta. A hidrelétrica precisa ficar pronta. A rodovia precisa ficar pronta, Meu apartamento novo precisa ficar pronto. O país precisa crescer.
Aprendemos a fazer contagem de corpos de operários mortos no setor na época da Copa do Mundo. Mas elas ocorriam antes e seguirão acontecendo depois.
Conversei com um auditor fiscal do trabalho tempos atrás que chorou na minha frente ao explicar que é péssimo ir a uma obra, interditá-la porque pessoas morreriam devido à pressa, à falta de segurança ou à terceirização tresloucada que tornam o trabalhador responsabilidade de ninguém e a obra conseguir uma autorização para continuar operando para, dias ou semanas depois, um corpo cair de algum andaime ou ser perfurado por alguma ferramenta.
O Palácio do Planalto já reclamou do excesso de fiscalização, que trava as obras e faz com que o Brasil cresça mais devagar, momento em que foi aplaudido por parte do empresariado.
Esquece-se (ou ignora-se) que o ritmo de crescimento não deve ultrapassar a capacidade do país de garantir segurança para quem faz o bolo crescer. Ou ir além da capacidade física e psicológica desse pessoal. É claro quePACs e Minhas Casa, Minha Vida podem significar geração de empregos em um setor que está demitindo centenas de milhares. Mas produzir em quantidade e rapidamente tem, por vezes, significado passar por cima da dignidade do trabalhador.
Em meio a revoltas de trabalhadores da construção civil devido a péssimas condições de serviço por todo o país, em 2011, a solução apontada pelo Planalto veio na forma de um pacto com empresas e sindicatos para evitar novos conflitos. Disse o então ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho: “a ideia do pacto é exatamente prevenir para que não haja, em relação às obras da Copa, eventuais atrasos”. O governo quis, dessa forma, copiar o “Compromisso Nacional para Aperfeiçoar as Condições de Trabalho na Cana-de-Açúcar'' – acordo vendido como um instrumento eficiente, mas que também não mostrou ao que veio. Na verdade, nenhum dos dois.
Muita coisa mudou desde que os militares deixaram o poder, naquela abertura “lenta, gradual e segura”, mas mantivemos modelos de desenvolvimento que dariam orgulho aos maiores planejadores daquele período: de que, para crescer rapidamente e atingir nosso ideal de nação, vale qualquer coisa. Passando por cima de qualquer um.
Só não vale criar problemas para setores que doam em campanhas.
Depois de tudo isso, ainda aparecem insanos segurando faixa e pedindo a volta da ditadura. Amigo, amiga, pra quê? O modelo de desenvolvimento é o mesmo.
E, como já disse aqui, convenhamos: morreu um pedreiro? Tudo bem. Tem sobrando para repor. E se acabarem os brasileiros, há um monte de haitiano que chegou fugindo da miséria que pode ser facilmente aliciado.
Font : Instituto Humanitas Unisinos.
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