sábado, 30 de janeiro de 2016

PRÉ SAL: ONDE ESTÃO OS FANTÁSTICOS RECURSOS DO "OURO NEGRO" ?

Pré-sal, Petrobras, Rio de Janeiro e a maldição do petróleo, artigo de José Eustáquio Diniz Alves

Publicado em janeiro 29, 2016 
preço das ações da Petrobras, de 2008 a 2016

[EcoDebate] Onde estão os fantásticos recursos do “ouro negro” que jorrariam do fundo do oceano?
Onde estão as promessas da redenção nacional do pré-sal?
Dez anos depois da descoberta das jazidas de petróleo nas profundezas abissais do oceano Atlântico o Brasil está em pior condição econômica do que estava no triênio 2006 a 2008. A esperança do Eldorado do pré-sal virou desesperança e pesadelo. O mito do “bilhete premiado” e do “passaporte para o futuro” virou a realidade da “maldição do petróleo”. Nem sempre achar petróleo é uma boa notícia. Depende dos custos de extração e da forma como a produção e o consumo deste recurso mineral é administrado. Depois de vislumbrar o paraíso, o Brasil agora vive a abominação de seu inferno astral.
As descobertas das jazidas de petróleo do pré-sal foram apresentadas, ainda no governo Lula, como a salvação nacional e como meio para reativar o crescimento econômico, alavancar a educação e incrementar a saúde pública no país. O que o ano de 2015 mostrou exatamente o contrário de tudo que foi prometido, com uma grande estagflação, empobrecimento da população, crise geral da educação brasileira. No primeiro ano da “Pátria Educadora” o MEC perdeu 10% do orçamento. Segundo a última PNAD, do IBGE, há 2,8 milhões de crianças e adolescentes, ou 6,2% dos brasileiros entre 4 e 17 anos, fora da escola e um a cada cinco jovens brasileiros (20,3%) de 15 a 29 anos não trabalhava nem estudava (geração nem-nem). A escola não atrai os jovens e o Brasil fica na lanterninha dos principais índices globais de qualidade da educação.
A despeito das promessas do programa “Mais médicos”, o SUS está em frangalhos e o país assiste a volta de epidemias como a febre amarela, o agravamento dos casos de dengue (que bateram recorde em 2015), além do espalhamento do vírus zika e a multiplicação dos casos de microcefalia. E o pior de tudo é que este desastre nacional deve continuar em 2016 e não tem horizonte próximo para melhorar.
Evidentemente, muitas das dificuldades atuais do pré-sal se devem ao preço internacional do petróleo que caiu de mais de US$ 100 o barril, em 2014, para cerca de US$ 45 na média de 2015 e para algo em torno de US$ 30, em janeiro de 2016. A conjuntura tem sido extremamente adversa para a produção nacional de hidrocarbonetos. Mas a despeito das variações da conjuntura, o problema é estrutural, já que os encargos econômicos da produção de petróleo das profundezas do oceano Atlântico são muito elevados. Artigo de Fred Pearce, de 13/01/2015, mostra que o preço de equilíbrio (break-even) do barril do petróleo para o retorno dos investimentos no pré-sal é de US$ 120,00. Este número é muito superior ao que os “especialistas” divulgam e mostra as dificuldades para viabilizar o mito do petróleo como salvação nacional. A Agência Internacional de Energia alerta que vários projetos petrolíferos “offshore” ao redor do mundo tornaram-se economicamente inviáveis.
Os erros de avaliação da diretoria da Petrobras e a corrupção sem precedentes – conforme denunciado pelo Ministério Público e a Polícia Federal – tornou a maior empresa nacional na empresa mais endividada do mundo e com as maiores perdas acionárias. A Petrobras, hoje em dia, vale menos que a Alibaba ou o Uber, empresas do setor de serviços que possuem maior valor no mercado de capitais. A dívida bruta da Petrobras atingiu no 3º trimestre de 2015 o nível recorde de R$ 506 bilhões. Em janeiro de 2016 as ações preferenciais (que dão ao acionista preferência na distribuição de dividendos) chegou perto de R$ 4, o menor valor desde 1999 e valendo menos que um litro de gasolina. Ou seja, as ações valem o mesmo do que no século passado, antes das descobertas do pré-sal, mas a dívida é muitas vezes maior. Em dólar, as ações chegaram a mais de US$ 25 e agora estão praticamente a US$ 1. Infelizmente, é um tombo espetacular e nunca visto na história desse país e que prejudica os interesses nacionais e a capacidade de investimento do país.
A crise da Petrobras tem afetado toda a cadeia produtiva da indústria nacional. A politica de favorecer os “campeões nacionais” não deu certo, como demonstra o fracasso de Eike Batista e de várias empreiteiras de grande porte. A política de “conteúdo nacional” também tem fracassado na medida que toda a cadeia de produção de petróleo está em crise. A empresa Sete Brasil, criada para construir sondas e plataformas no Brasil e incentivar a indústria naval e siderúrgica, está em crise, com um rombo de mais de R$ 30 bilhões. Os estaleiros contratados, que foram ampliados no Brasil, com empresas nacionais e internacionais, para dar impulso à política de conteúdo nacional nos equipamentos comprados pela Petrobras, estão demitindo a mão de obra e correm o risco de fechar ou reduzir muito o porte. A situação de paralisia é geral. Cálculos financeiros mostram que os custos da refinaria Abreu e Lima (que passaram de US$ 2,5 para US$ 18 bilhões) tornam a refinaria impagável. Nestes casos, em última instância, a população brasileira pagará a conta. Toda a indústria nacional que dependia dos investimentos da Petrobras está em crise.
Como resultado, a Petrobras informou, em janeiro de 2016, que o Conselho de Administração da estatal reduziu o plano de investimentos da companhia para o período 2015-2019 para US$ 98,4 bilhões, queda de US$ 32 bilhões ante a projeção inicial, principalmente devido à otimização do portfólio de projetos e do efeito cambial. De acordo com a Petrobras, esses ajustes na carteira de investimentos resultaram em uma redução da projeção de produção de petróleo no Brasil de 2,185 milhões de barris por dia (bpd) em 2016 para 2,145 milhões de bpd e de 2,8 milhões de bpd em 2020 para 2,7 milhões. O sonho de um Brasil exportador de petróleo está cada vez mais distante e o Brasil continuar um importador líquido de petróleo e derivados, o que prejudica o balanço de pagamentos do país.
Sem dinheiro para os investimentos requeridos no pré-sal e para pagar a monstruosa dívida, a Estatal está colocando à venda diversos ativos, como a fatia de 36% que detém da Braskem, estimada em cerca de R$ 5,8 bilhões. Outros ativos estão sendo vendidos, em um claro processo de privatização aos pedaços. Com o baixo preço do petróleo no mercado internacional, tirar petróleo do pré-sal está dando prejuízo. No curto prazo não vale a pena investir na extração do pré-sal. Assim, a lista de ativos à venda cresceu significativamente diante da crise. Segundo o jornal Folha de São Paulo, a intenção da estatal é se desfazer de termelétricas, usinas de biodiesel e etanol, fábricas de fertilizantes, sua transportadora de gás natural (TAG) e a fatia na petroquímica Braskem, além de operações na África, na Argentina, no Japão e nos EUA. A queda dos investimentos da Petrobras contribui para piorar o quadro recessivo do PIB brasileiro e a desnacionalização da economia.
Mas é exatamente o Rio de Janeiro – o estado que mais se beneficiou da exploração do petróleo até recentemente – que tem sofrido mais com toda esta situação. A crise na indústria naval e no complexo petroquímico do Comperj tem provocado muito desemprego, reforçando a queda na arrecadação do Estado e dos municípios. Um terço da riqueza fluminense vem da exploração de petróleo. Quase 70% de toda a produção nacional saem do Rio. Porém, isso não impediu que o estado chegasse no fundo do poço, em uma grave crise financeira que causou caos na saúde e na educação públicas. O Rio sofre da doença chamada “óleo dependência”.
O Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro (Cremerj) e outras entidades do setor de saúde denunciaram o que chamaram de a pior crise na saúde pública já vivida no estado. A crise financeira do governo estadual deixou os hospitais sem luvas, esparadrapo, algodão e remédios. As UPAs enfrentam problemas em atender casos de emergência mais complexos por falta de recursos. A segurança das UPAs está comprometida e há greves de vigilantes. A dívida do governo com fornecedores no setor da saúde era de R$ 231 milhões no final de 2015.
A situação não é diferente na educação. Com o acúmulo de R$ 285 milhões em dívida e sem salários e 13° pagos, os professores ameaçaram não iniciar o ano letivo, pois as escolas estaduais tiveram um péssimo fim de ano, com falta de matérias de ensino e de merenda escolar. Sem a limpeza adequada, as escolas acabam por ficarem sujas. A dívida total com as empresas de alimentação chega a R$ 11,6 milhões. A crise também atinge a UERJ, pois a universidade estadual está em petição de miséria.
A crise também afeta programas como o Disque-Denúncia e o Minha Casa, Minha Vida. No setor de Assistência Social, as dívidas chegam a R$ 24,8 milhões em alimentação, e R$ 10,7 milhões em programas de proteção a crianças e adolescentes. O Ibama embargou dia 14/01 o acesso de visitantes ao Zoológico do Rio de Janeiro e aplicou multa diária de R$ 1 mil contra a secretaria Municipal de Meio Ambiente do Rio de Janeiro (SMAC), a qual a Fundação RioZoo está subordinada. A má aparência dos animais é visível. Muitos parecem estar magros e cansados; a água onde deverias se refrescar está suja. Em algumas áreas o mato está alto. Muitos animais estão sofrendo, muito além do próprio fato de estarem confinados e sujeitos à escravidão animal. Segundo comunicado do Ibama, de acordo com a norma que regulamenta o setor, os zoológicos têm que cumprir funções sociais que justifiquem sua existência, entre elas, educacionais, científicas e de conservação das espécies animais.
A crise atinge a maioria dos municípios do Estado. Neste sentido, o governador do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão, anunciou, no final de 2015, um processo de reequilíbrio financeiro. Ele indicou alguns dos fatores que contribuem para a crise econômica: a queda do preço do petróleo que tem impacto relevante nas contas do estado e também uma queda de R$ 2 bilhões na arrecadação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), além de uma previsão de menos R$ 2,2 bilhões em royalties de petróleo. Porém, o quadro só piorou neste início de 2016, ano das Olimpíadas do Rio. Entre as medidas que pretende adotar em 2016, Pezão estuda uma reforma da Previdência estadual porque, segundo ele: “o petróleo sumiu”.
O fato é que foi um erro atrelar o desenvolvimento nacional, estadual e municipal sobre as bases da exploração de uma riqueza mineral cara para extrair e que agrava o aquecimento global. O Brasil e o Rio de Janeiro precisam abandonar a “maldição do petróleo”. O século XXI tem que ser a Era da sociedade da informação e do conhecimento e não da produção de commodities e da regressão produtiva provocada pela reprimarização das exportações. Tem que ser também a Era das energias renováveis e da descarbonização da economia. A Petrobras para sobreviver precisa fazer uma reprogramação geral e ir além do petróleo e dos combustíveis fósseis.
Referências:
ALVES, JED. Uma dúvida sobre o pré-sal e o sonho da (in)segurança. Ecodebate, RJ, 12/03/2010
ALVES, JED. Vamos nos preparar para o fim do mundo (do petróleo). Ecodebate, RJ, 27/07/2010
ALVES, JED. Petróleo do pré-sal: “ouro em pó” ou “ouro de tolo”? . Ecodebate, RJ, 11/04/2014
ALVES, JED. Petrobras no fundo do poço profundo do pré-sal. Ecodebate, RJ, 19/11/2014
ALVES, JED. A mistificação do pré-sal está afundando o Brasil. Ecodebate, RJ, 08/04/2015
ALVES, JED. O mito do pré-sal como redenção nacional. Ibase, Rio de Janeiro, Revista Trincheiras, agosto 2015
ALVES, JED. A roça e a mina: O mito do pré sal está afundando o Brasil. Entrevista ao IHU, 14/04/2015
PEARCE, Fred. Could Global Tide Be Starting To Turn Against Fossil Fuels. E360, Yale, 13/01/2015

José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br

in EcoDebate, 29/01/2016

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