quinta-feira, 31 de março de 2016

SÍRIA : SITUAÇÃO ATUAL

O colapso da Síria: pico do petróleo e pico demoeconômico, artigo de José Eustáquio Diniz Alves

Publicado em março 30, 2016 


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[EcoDebate] A Síria é um país em desintegração?
É o que parece. A guerra, a fome, o sofrimento incalculável do seu povo, a destruição quase completa da infraestrutura e uma grande degradação do meio ambiente são fatos que aparecem todos os dias nas manchetes dos jornais. Em cinco anos de guerra civil, cerca de 250 mil pessoas morreram e 11 milhões foram deslocadas de suas casas, sendo que quatro milhões fugiram da Síria para os países vizinhos e, em especial, a Europa, gerando a maior crise de refugiados desde a Segunda Guerra Mundial.
A renda per capita (em ppp) da Síria estava em torno de US$ 6,4 mil em 2010 e o país vinha crescendo em termos econômicos e populacionais, a despeito do regime ditatorial. Contudo, a queda da produção de petróleo e a seca foram fatores detonadores do colapso atual. A arrecadação do governo caiu e puxou a economia para baixo. Ao mesmo tempo as condições climáticas reduziram a produção agrícola, inviabilizando a sobrevivência das populações rurais que tiveram que se mudar para as grandes cidades.
Mas a crise urbana conjugada com a crise rural demandou duras ações das políticas públicas. Todavia, a crise fiscal do Estado não permitiu o aumento do gasto público. Num pais muito pouco democrático e que é bastante dividido em termos religiosos, o resultado foi uma crise política, que logo se transformou em guerra civil. Assim, a crise do petróleo, a seca e a crise política se transformou em guerra aberta entre as forças do presidente Bashar al-Assad (sustentadas pelas minoria Alauita da população) e os demais grupos étnicos e religiosos. No processo de guerra, ganhou força o ISIS – Estado Islâmico – que controla partes do território da Síria e do Iraque e que é considerado o principal inimigo dos países ocidentais (promovendo, dentre outros, vários ataques terroristas na França, Estados Unidos, Indonésia e alguns países africanos). As divisões internas da Síria são reforçadas pela disputa internacional que coloca em lados opostos os Estados Unidos, a Rússia, o Irã, a Arábia Saudita, as potências europeias, etc.

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Como a Síria chegou a este ponto?
O problema começou com o pico do petróleo. A produção de petróleo atingiu o máximo no final da década de 1990 e começou a cair a partir de então. Ao mesmo tempo o consumo de petróleo continuou aumentando até cerca de 2010. Em 2011 o consumo foi maior do que a produção de petróleo. Como a Síria não tem outras fontes de exportação e o orçamento do governo depende da arrecadação petrolífera, a crise bateu em cheio, fato agravado pelo aumento dos gastos militares. O alto crescimento da população reforçou a situação de estresse. A população crescia enquanto havia prosperidade, passando de cerca de 3,4 milhões de habitantes em 1950 para cerca de 20 milhões em 2010. Mas a desigualdade agravou a situação de pobreza e o “choque marxista” (aumento da desigualdade social) foi seguido do “choque malthusiano” (aumento da mortalidade).
A Síria pode se transformar em um caso clássico de como o pico do petróleo leva ao pico demoeconômico. Outros países podem repetir este caso dramático, como o Iêmen e talvez até a Arábia Saudita no futuro.
Em 2012, escrevi um artigo falando de como o pico do petróleo tende a determinar o pico da população. Na ocasião eu disse: “as novas descobertas de petróleo estão diminuindo e o ritmo de produção está se aproximando do limite possível. O geólogo americano Marion King Hubbert desenvolveu, nos anos de 1950, um modelo matemático mostrando que a produção de óleo bruto tende a crescer de forma exponencial até atingiu um pico e depois iniciar uma queda também de forma exponencial. Ou seja, a produção de petróleo segue o padrão de uma distribuição normal (curva de Gauss ou curva em forma de sino). A questão em aberto não é saber se vai haver fim do crescimento da produção, mas quando será atingido o “Pico do Petróleo” ou “Pico de Hubbert”.
Alguns autores dizem que o começo do pico do petróleo chegou em 2008, quando o preço do petróleo se elevou e só não continuou aumentando por conta da menor demanda ocorrida em função da crise econômica internacional e dos elevados investimentos realizados. O aumento do preço do petróleo viabilizou a exploração de novas reservas (como em águas profundas) e o uso de novas tecnologias que não eram viáveis economicamente quando o preço era baixo. Portanto, o pico do petróleo pode até ser adiado, porém, a um custo crescente, pois as reservas mais lucrativas já foram exploradas. Um relatório de 150 páginas do Citigroup, divulgado em setembro de 2012, prevê que a Arábia Saudita deixará de ser exportadora de petróleo antes de 2030, devido à redução da produção e ao aumento da demanda interna, pois a população saudita passou de 3 milhões de habitantes em 1950, para 27 milhões em 2010 e deve chegar a 39 milhões de habitantes em 2030 (um aumento de 13 vezes em 80 anos). O pico da exportação saudita de petróleo aconteceu em 2011.

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A despeito destes alertas, outros autores dizem que, mesmo com o aumento da demanda, ainda falta muito tempo para se chegar ao pico da exploração e que o esgotamento rentável das reservas ainda vai demorar um pouco mais. Por exemplo, a produção mundial de hidrocarbonetos pode aumentar com a utilização dos depósitos de “tar sands” (areias betuminosas) e o gás de xisto (shale). Desta forma, pode ser que o “Pico de Hubbert” seja atingido apenas em 2030 ou 2050. O fato é que em algum momento haverá um choque entre a oferta e a demanda de energia fóssil. Evidentemente, até se atingir o ponto crítico pode haver um grande crescimento das energias limpas (solar, eólica, etc.), mudando a matriz energética baseada nos combustíveis fósseis para a utilização da energia renovável e de baixo carbono. Mas para tanto é preciso grandes investimentos nas fontes de energia não fóssil desde já.
Todavia, quanto mais tempo durar a era do petróleo (com preços muito altos ou muito baixos) maior será o impacto negativo sobre o ambiente e maiores serão os efeitos do aquecimento global e das mudanças climáticas. Portanto, se o pico do petróleo e do carvão vier logo, provavelmente haverá o fim do crescimento econômico ou haverá algo parecido com o “estado estacionário”. Mas se a exploração de carvão, petróleo e gás continuar no longo prazo as ameaças virão pelo lado ambiental. Em ambos os cenários, no longo prazo, deve haver aumento do preço da energia e dos alimentos e uma tendência de aumento do desemprego, pressionando as novas gerações.
Nesta situação, uma continuidade do incremento demográfico pode gerar um desequilíbrio entre a oferta e demanda de trabalho e a oferta e a demanda de bens de subsistência, especialmente em um contexto de escassez de água limpa e potável. A dinâmica da produção de energia é diferente da dinâmica populacional, pois após o “Pico de Hubbert” a produção de petróleo deve cair rapidamente, mas a população deve continuar crescendo mesmo após as taxas de fecundidade atingirem o nível de reposição, devido à inércia demográfica. Ironicamente, a queda atual do preço do petróleo vai provocar uma redução da produção, especialmente nos campos menos rentáveis e de maior custo de exploração.

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Assim, se o pico populacional acontecer depois do pico do petróleo (como na Síria), pode haver sérios problemas sociais. Esta disjunção pode ser o maior desafio do século XXI. O desequilíbrio será tanto maior quanto mais cedo acontecer o pico do petróleo e quanto mais tarde acontecer o pico populacional. Todavia, o mundo pode se preparar para uma conjuntura menos traumática se promover a aceleração da transição demográfica (para baixos níveis de fecundidade) e da transição da matriz energética (para baixos níveis de carbono) evitando a repetição do colapso sírio.
Referência:
ALVES, JED. O pico do petróleo e o pico populacional, Ecodebate, RJ, 26/09/2012
Indexmundi (visitado 23/11/2015)

José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br

in EcoDebate, 30/03/2016

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