População e avanços científicos e tecnológicos, artigo de José Eustáquio Diniz Alves
Os avanços da engenhosidade humana devem ocorrer num quadro de diminuição da presença humana e de aumento da regeneração ecológica
“Acreditar que o crescimento econômico exponencial pode continuar infinitamente
num mundo finito é coisa de louco ou de economista” Kenneth Boulding (1910-1993)
A população mundial cresceu 2 mil vezes nos últimos 12 mil anos, passando de cerca de 4 milhões de pessoas no ano 10 mil antes de Cristo para 8 bilhões de habitantes em 2023. Com exceção de alguns poucos momentos, o crescimento demográfico foi constante.
Na maior parte deste tempo o ritmo de aumento foi lento e abaixo de 0,5% ao ano. Porém, com a Revolução Industrial e Energética do final do século XVIII, as taxas de mortalidade caíram e a taxa de crescimento se acelerou bastante, principalmente depois da Segunda Guerra. A maior taxa de crescimento ocorreu em 1968, com 2,1% ao ano. Desde o início da década de 1970, as taxas estão caindo e já se encontram abaixo de 1% ao ano na década 2021-30 e devem continuar caindo até o decrescimento populacional no final do século.
Nos últimos 12 mil anos houve um grande aumento do conhecimento humano e, particularmente nos últimos 250 anos, houve um expressivo avanço da ciência e da tecnologia, com grandes descobertas e com enorme produção de bens e serviços. Assim, existe uma correlação entre os avanços científicos e tecnológicos e o crescimento populacional. Mas o sentido desta correlação não é claro, pois é difícil dizer se foi o crescimento populacional que incentivou os avanços científicos e tecnológicos ou foi o sentido contrário. Provavelmente, o sentido é duplo e um fenômeno influencia o outro.
Mas algumas pessoas acham que o crescimento populacional é essencial para o progresso humano e que a população precisa continuar crescendo para haver novas descobertas. Porém, o gráfico abaixo mostra que se os avanços científicos e tecnológicos foram espetaculares enquanto crescia o ritmo de aumento demográfico até 1968 (auge das taxas de crescimento), as conquistas dos últimos 50 anos foram ainda maiores.
Ou seja, se os dois fenômenos caminhavam juntos no passado, o futuro indica que os avanços científicos e tecnológicos devem continuar de forma acelerada, mesmo em um cenário de decrescimento demográfico (a Rússia, por exemplo, já tem uma população em declínio desde a década de 1990).
É claro que menores taxas de fecundidade provocam uma mudança na estrutura etária e leva a um envelhecimento populacional, com redução da proporção de pessoas em idade produtiva. Este fato pode dificultar os investimentos científicos e tecnológicos se o país perder a capacidade de poupança e investimento. Contudo, o envelhecimento populacional e a diminuição da população não é uma fatalidade que vai comprometer o futuro da humanidade.
A China é um exemplo de país que passou pela transição demográfica, está em franco processo de envelhecimento populacional e vai ter a população diminuindo a partir do atual quinquênio 2021-25, mas não dá sinais de que vai perder o passo no processo de avanço científico e tecnológico, como mostrei no artigo “A China com menos gente e mais robôs e automação” (Alves, 23/02/2022).
Ou seja, a diminuição da população pode ser um incentivo inédito ao avanço científico e tecnológico, pois a humanidade vai ter que aumentar a produtividade do trabalho em decorrência da menor proporção de jovens e de pessoas em idade ativa. Os avanços da engenhosidade humana devem ocorrer num quadro de diminuição da presença humana e de aumento da regeneração ecológica.
O fato é que vivemos num Planeta finito e é impossível manter o crescimento demoeconômico de forma infinita. Além do mais a humanidade já ultrapassou a capacidade de carga da Terra e o déficit ambiental cresce ano após ano. A crise climática e ambiental é uma realidade inexorável. Por conseguinte, os avanços científicos e tecnológicos num quadro de redução do tamanho da população é o melhor incentivo para a melhoria do bem-estar humano e das demais espécies vivas do Planeta.
José Eustáquio Diniz Alves
Doutor em demografia, link do CV Lattes:
http://lattes.cnpq.br/2003298427606382
Referências:
ALVES, JED. A China com menos gente e mais robôs e automação, Ecodebate, 23/02/2022
https://www.ecodebate.com.br/2022/02/23/a-china-com-menos-gente-e-mais-robos-e-automacao/
ALVES, JED. População, bem-estar e tecnologia: debate histórico e perspectivas, Multiciência, Unicamp, 2006
https://www.fef.unicamp.br/fef/sites/uploads/deafa/qvaf/a_02_6.pdf
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 16/05/2022
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