terça-feira, 27 de novembro de 2018

A MÃE DO REI...

A mãe do Rei, artigo de Montserrat Martins


artigo de opinião
[EcoDebate] Uma lição que não esqueço eu aprendi na casa de primos, no interior, onde eu estava passando o Natal. Num certo momento achei uma brincadeira de mau gosto (zombando das crenças dos outros) e disse isso para o marido da prima, que me respondeu assim: “Eu sou uma pessoa simples e as minhas brincadeiras são simples”.
Quem era eu para julgar as brincadeiras dos outros? Mas é isso que fazemos todos os dias, a todo momento, nos “patrulhamos” avaliando como “ofensivas” as mais simples bobagens que as pessoas falam com a intenção de se divertir, de “desestressar”.
Brincadeiras podem ser muito agressivas, como o “bullying”, capaz de afetar pessoas mais vulneráveis. O humor pode ser irreverente, preconceituoso, fantasioso, pode ser de muitos tipos e também expressa valores. Por isso se diz que as pessoas “dizem a verdade brincando”. Pessoas que riem das mesmas coisas tem uma sensação de “cumplicidade” que as une. “O chiste é o padre disfarçado que une os casais”, disse Jean Paul, um autor citado por Freud, que foi complementado por T.Vischer: “De preferência, ele une os casais cuja relação os parentes desaprovam”.
Freud distinguiu o chiste inocente do tendencioso, que possui uma tendência ou objetivo específico. Um exemplo é a piada do Rei que andava pelas ruas do seu domínio quando encontrou um aldeão muito parecido com ele. O Rei, impressionado com a semelhança, pergunta a este: “a sua mãe já esteve na Corte?”. Ao que o aldeão respondeu: “não senhor, mas meu pai sim”.
A mais elegante forma de humor é o filosófico (definição do psicólogo Abraham Maslow), que não ofenderia as pessoas, como também a auto-ironia, que expressa capacidade de autocrítica, mas isso é bem mais raro. No típico senso de humor brasileiro, gozar das fraquezas dos outros é que é engraçado.
É ironizando e sendo ironizados, com “memes e contra-memes” nas redes sociais e brincadeiras na vida pessoal, que vamos ter de aprender a conviver com as diferenças.
Montserrat Martins, Colunista do EcoDebate, é Psiquiatra, autor de “Em busca da alma do Brasil”
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 26/11/2018

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