A precoce e aguda desindustrialização e o des-desenvolvimento do Brasil, artigo de José Eustáquio Diniz Alves
Publicado em setembro 18, 2015
“O Brasil volta a ser o que sempre foi, uma melancólica república das bananas,
governada por uma elite burra, corrupta e arrogante” Luiz Ruffato (22/07/2015)
[EcoDebate] O IBGE divulgou semana passada que a produção da indústria caiu 8,9% em julho de 2015 em relação a julho do ano passado, a queda mais intensa para julho desde 2009, nessa base de comparação. No ano, de janeiro a julho, a indústria acumula perdas de 6,6% e, em 12 meses, de 5,3%. Assim, o que já estava ruim, piorou.
O Brasil, em termos de industrialização, está voltando ao período pré-Vargas. Nunca antes na história do país – durante os três primeiros governos petistas (2003-2014) – o processo de desindustrialização brasileiro foi tão rápido e tão profundo. Voltamos para o tempo da República Velha e do modelo primário-exportador. O Brasil depende, cada vez mais, da roça e da mina.
O Brasil passa por um processo de “especialização regressiva”, onde os setores mais dinâmicos da indústria de transformação perde espaço no mercado interno e no mercado externo, enquanto o agronegócio (roça) e a extração mineral (mina) passam a ser as únicas alternativas para o crescimento do PIB. Se a situação já estava ruim até 2014, ela piorou em 2015, devido ao processo de estagflação do país. O fato é que o Brasil está dando marcha à ré no processo de industrialização.
O relatório “Perda de Participação da Indústria de Transformação no PIB”, da FIESP, de maio de 2015, atualizou e compatibilizou as séries históricas – a partir da nova série gerada pelo IBGE – e o resultado mostra que a participação da Indústria de Transformação brasileira no PIB atingiu 10,9% em 2014 o menor desde que se começou a sistematização das Contas Nacionais. O relatório diz:
“Para permitir o acompanhamento da participação da Indústria de Transformação no PIB desde 1947 até 2014, fizemos uma correção dos valores anteriores, o que permitiu o encadeamento da série desde aquele ano, o que não era possível com os valores disponibilizados pelo próprio IBGE. O encadeamento da série desde 1947 foi feito usando como referência o artigo de Bonelli e Pessoa “Desindustrialização no Brasil: um resumo da evidência” de 2010. Desta forma, o valor para 2014 (10,9%) é o menor da série, mesmo quando analisamos esta série mais longa, o que traz à discussão a precoce desindustrialização no Brasil”.
“Para permitir o acompanhamento da participação da Indústria de Transformação no PIB desde 1947 até 2014, fizemos uma correção dos valores anteriores, o que permitiu o encadeamento da série desde aquele ano, o que não era possível com os valores disponibilizados pelo próprio IBGE. O encadeamento da série desde 1947 foi feito usando como referência o artigo de Bonelli e Pessoa “Desindustrialização no Brasil: um resumo da evidência” de 2010. Desta forma, o valor para 2014 (10,9%) é o menor da série, mesmo quando analisamos esta série mais longa, o que traz à discussão a precoce desindustrialização no Brasil”.
“O processo de desindustrialização no Brasil iniciou-se nas décadas de 1980 e 1990, mas ganhou força no período após a Crise Financeira Internacional de 2008 e 2009. Neste período, a indústria brasileira enfrentou a redução do preço relativo dos bens manufaturados, que também levou à perda de participação da indústria em diversos países, além a concorrência mais acirrada com produtos importados (especialmente da China) e o descolamento entre os aumentos dos salários reais e da produtividade da mão de obra do setor”.
“O processo de desindustrialização em países desenvolvidos esteve associado ao aumento do emprego de alta produtividade e à elevada qualificação da mão de obra na indústria, permitindo a transferência de trabalhadores para os outros setores da economia. Já no caso do Brasil, o processo de desindustrialização esteve associado a uma expressiva deterioração da balança comercial de manufaturados, à baixa intensidade tecnológica da pauta exportadora e à menor produtividade total da economia, o que o torna nocivo à economia brasileira” (p. 1).
A indústria de transformação é considerada a impulsionadora do desenvolvimento econômico pelos efeitos que exerce na estrutura produtiva e pela capacidade de elevação da produtividade do trabalho e dos fatores de produção. O desenvolvimento acontece quando a indústria atinge elevado padrão de sofisticação, especialmente de bens de capital. A exportação de bens industriais de alto valor agregado mostra a capacidade de competição do país e garante crescimento da renda interna. Quando o país atinge alto nível de renda e bem-estar pode ocorrer um processo de desindustrialização da economia, em função do crescimento do setor terciário de alta qualidade.
A desindustrialização passa a ser um problema quando ocorre de forma precoce, sem que tenha havido o pleno desenvolvimento humano do país. Isto é agravado quando a pauta exportadora fica dependente das commodities, produtos primários ou manufaturas com baixo valor adicionado e baixo conteúdo tecnológico. No caso brasileiro a desindustrialização foi agravada nos momentos de valorização cambial, refletindo a chamada “doença holandesa”.
O relatório da FIESP mostra que a partir de meados dos anos 2000, o processo de desindustrialização se intensificou pois a sobrevalorização cambial e os fortes estímulos ao consumo não tiveram a contrapartida de aumento da produção nacional e, com isso, a demanda por produtos importados se expandiu. Explicando melhor, a sobrevalorização da taxa de câmbio por um período prolongado retirou competitividade da Indústria de Transformação brasileira, e, como consequência, a penetração de produtos importados aumentou de forma muito expressiva a partir de 2003, com o coeficiente de importação passando de 12,5% em 2003 para 25,2% em 2013. Isto mostra a opção preferencial dos governos Lula e Dilma pelo consumo, em detrimento do investimento produtivo.
Desde a década de 1980 o Brasil tem investido mais na construção de shopping centers do que na construção de fábricas. Ou seja, o Brasil tem privilegiado o consumo ao invés do investimento. A baixa formação bruta de capital fixo faz com que o país não incorpore novas tecnologias, não melhore a infraestrutura e não garanta o aumento da produtividade do trabalho. Também não gera oportunidades de emprego no ritmo necessário para acompanhar a população em idade economicamente ativa.
A análise econômica produzida pela Assessoria Econômica da ABINEE mostra que em referência aos investimentos internos, houve inversão da trajetória dessa componente da demanda agregada a partir de 2011 Entre os trimestres de 2003 e 2011, com exceção do período da crise mundial, a tendência dos investimentos foi fortemente ascendente. A partir de 2011, assume uma trajetória de desaceleração, arrastando o crescimento da economia para baixo e reforçando o processo de desindustrialização. Isto mostra que a política econômica tocada pelo ministro Guido Mantega, no primeiro governo Dilma foi totalmente equivocada, privilegiando o presente em detrimento do futuro.
O pior é que as taxas de investimento caíram ainda mais neste começo do segundo governo Dilma Rousseff, devido à política contracionista do ajuste fiscal. Para agravar ainda mais a situação a Petrobras, que já foi a maior empresa brasileira, vai investir menos nos próximos anos. O Plano de Negócios e Gestão 2015-2019 prevê US$ 130,3 bilhões em investimentos – uma redução de 37% na comparação com o plano anterior, de 2014 a 2018. Menores investimentos da Petrobras significam menores investimentos em toda a cadeia produtiva.
Segundo entrevista do engenheiro Carlos Pastoriza, presidente da Abimaq, existe um “tripé do mal” que está matando a indústria nacional: “Temos juros pornográficos, os mais altos do planeta, que afetam os custos e, portanto a competitividade, do produto. Nosso sistema tributário, além de complexo, é perverso, burro e irracional, porque penaliza mais quem fabrica no Brasil do quem importa de lá de fora. Ele não permite que uma fabricante de máquinas se credite de insumos indiretos, por exemplo. Uma peça que vai na máquina gera um crédito que posso compensar [na hora de pagar imposto], mas não posso debitar a cândida que uso para lavar o chão da fábrica. Juntos esses resíduos tributáveis que não compensáveis têm impacto de 7% no preço de uma máquina fabricada aqui.
Só pelo fato de fabricar aqui pago mais caro que meu concorrente importado, só com esses resíduos. O terceiro ponto é o câmbio desequilibrado. O custo Brasil chegou a bater em 43% dois anos atrás. Mesmo com a alta do dólar, ainda é 25% mais caro produzir a máquina aqui, se compararmos mesma tecnologia e maquinário, com o que se faz na Alemanha ou nos EUA. O falecido ministro Mario Henrique Simonsen dizia: juro alto aleija uma empresa, mas o câmbio alto mata. A indústria está sendo aleijada e morta há pelo menos oito anos” (FSP, 12/08/2015).
Só pelo fato de fabricar aqui pago mais caro que meu concorrente importado, só com esses resíduos. O terceiro ponto é o câmbio desequilibrado. O custo Brasil chegou a bater em 43% dois anos atrás. Mesmo com a alta do dólar, ainda é 25% mais caro produzir a máquina aqui, se compararmos mesma tecnologia e maquinário, com o que se faz na Alemanha ou nos EUA. O falecido ministro Mario Henrique Simonsen dizia: juro alto aleija uma empresa, mas o câmbio alto mata. A indústria está sendo aleijada e morta há pelo menos oito anos” (FSP, 12/08/2015).
No dia 13 de agosto, trabalhadores ligados à Força Sindical, UGT, CGTB e empresários da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq) participam de protesto em defesa da indústria brasileira. Por volta das 9h, o grupo se concentrou em frente à estação Paraíso do Metrô e foram em direção ao Masp. Por volta das 12h, aproximadamente 5 mil manifestantes estavam em frente ao museu.
A desindustrialização significa que vai haver perda de empregos, perda de produtividade, perda de renda e perda de qualidade de vida. Em 2015, a indústria teve retração de 4,3% no segundo trimestre, sendo o setor com a maior queda no PIB. Pelo quinto trimestre consecutivo, a indústria teve perda na comparação anual. A retração de 5,2% é a maior desde o terceiro trimestre de 2009, quando caiu 5,8%.
O Brasil está entrando em um processo não só de desindustrialização mas também de des-desenvolvimento. Se continuar deste jeito, o futuro da economia brasileira no século XXI vai ser voltar para a estrutura produtiva do século XIX. A atual estagflação vai virar regressão econômica e social. É tudo muito triste.
Referências:
FIESP. Perda de Participação da Indústria de Transformação no PIB, São Paulo, Maio 2015
ABINEE. Análise econômica produzida pela Assessoria Econômica, São Paulo, maio 2015
RUFFATO, Luiz. De volta ao que sempre fomos. El país, 22 JUL 2015
José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br
in EcoDebate, 18/09/2015
Nenhum comentário:
Postar um comentário