Um breve balanço dos desastres climáticos de 2016, artigo de José Eustáquio Diniz Alves
[EcoDebate] As mudanças climáticas já são uma realidade e é crescente o ritmo dos prejuízos causados pelos eventos climáticos extremos e pela subida do nível do mar. O que muita gente ainda não compreendeu é que houve um ponto de inflexão na relação entre os humanos e natureza. Até bem pouco tempo atrás, as atividades antrópicas retiravam recursos da natureza para o enriquecimento da humanidade, com o lucro sendo maior do que o dano. Os bens superavam em muito os males. Porém, depois de 200 anos da Revolução Industrial e Energética e de ampla dominação, exploração e degradação da natureza, houve um ponto de mutação e os malefícios começaram a crescer mais rápido do que os benefícios.
Segundo relatório do Banco Mundial (2016), nos 30 anos entre 1976-1985 e 2005-2014, os danos causados por desastres naturais aumentaram dez vezes, custando agora mais de US$ 140 bilhões por ano (média ao longo do período de 10 anos). Enquanto isso, o número de pessoas afetadas no mundo passou de 60 milhões por ano para mais de 170 milhões.
Também o relatório da GFDRR (2016) divulgado na conferência de riscos, afirma que nas últimas duas décadas, os eventos climáticos extremos têm afetado bilhões de pessoas – matando mais de 600.000 e causando US$ 1,9 trilhão em perdas econômicas.
Mas se os desastres aumentaram nos últimos 30 anos eles tendem a ficar piores nas próximas décadas. O mesmo relatório do Banco Mundial afirma que a população que será afetada pelas mudanças climáticas alcançará a cifra de 1,3 bilhão de pessoas em sério risco e causará prejuízos de US$ 158 trilhões em ativos em risco de inundação, até 2050.
Em vários artigos publicados em 2016, o cientista James Hansen, um dos principais pesquisadores sobre aquecimento global, afirma que o aumento da temperatura em 2ºC pode ser extremamente perigoso, pois pode gerar super-furacões e elevar o nível do mar, no longo prazo, em vários metros, ameaçando as áreas costeiras em geral, especialmente as mais povoadas.
No Brasil existem inúmeros casos de praias e construções costeiras invadidas pelo mar. Diversas praias do Nordeste sofrem com o avanço do mar e a força das ondas. No Rio de Janeiro, em 2015, a ressaca e o avanço do mar provocaram a destruição da orla da Praia da Tartaruga, em Rio das Ostras, na Região dos Lagos, na orla da Praia dos Cavaleiros em Macaé e no distrito de Atafona, na foz do rio Paraíba do Sul, no município de São João da Barra. No dia 21 de abril de 2016, a ressaca e as fortes ondas derrubaram um trecho da ciclovia Tim Maia, ao lado da avenida Niemeyer (matando duas pessoas). No dia 27 de abril de 2016, uma forte ressaca atingiu várias cidades da Baixada Santista, no litoral de São Paulo, inundando ruas e construções e destruindo parte das tradicionais muretas de contenção da orla da praia de Santos. Aumentam os ciclones tropicais no Atlântico Sul e Santa Catarina é um dos estados mais afetados.
No mês de maio de 2016, uma onda de calor na Índia quebrou o recorde de temperaturas no país. No dia 19/05/16, foram registrados 51 graus Celsius na cidade de Phalodi, no estado desértico do Rajastão, batendo todos os recordes anteriores. No dia 20/05, o ciclone Roanu deixou 23 mortos e 500 mil deslocados e desabrigados em Bangladesh.
O Furacão Matthew foi um forte ciclone tropical que afetou a Jamaica, Cuba, República Dominicana, Bahamas e, especialmente, o Haiti, em setembro de 2016. Ele passou ao longo da costa leste dos Estados Unidos, incluindo os estados da Flórida, Geórgia, Carolina do Sul e Carolina do Norte. O Furacão Matthew deixou centenas de mortos no Haiti e gerou uma nova crise humanitária no país mais pobre das Américas.
No Brasil não houve nenhum desastre da dimensão do Matthew. Mas o litoral brasileiro está cada vez mais vulnerável às ressacas e à elevação do nível do mar. A cidade de Santos tem sido uma das mais afetadas. Mas houve translação do mar em Copacabana, pouco antes das Olimpíadas e no Leblon, um dia antes do segundo turno das eleições municipais. Diversas praias estão sofrendo erosão e podem desaparecer nos momentos da preia-mar.
Matéria do jornal O Globo (18/12/2016) mostra que o sumiço das praias do Rio de Janeiro está acontecendo de maneira acelerada. Na Barra da Tijuca, na altura do Pepê, o mar arrebentava a cerca de 100 metros do calçadão, ultimamente tem ameaçado até alguns quiosques. Emanuel Bruno Cruz, do Quiosque da Célia, diz: “O mar ficava longe, a pelo menos uns 80 metros. Agora, esteja bravo ou não, a água está a três metros da gente. A areia desapareceu às vésperas do verão. Minha mãe trabalha aqui há 30 anos e nunca viu nada parecido”. Parece que o estreitamento das praias é um processo inexorável.
Enquanto isso, o Nordeste brasileiro vive uma nova seca de proporções faraônicas. Os rios estão secando e falta água para a plantação e para o consumo doméstico. A economia do Nordeste pode ficar inviabilizada pelo avanço da seca no sertão e o avanço do mar no litoral. É uma tempestade perfeita (mas sem chuva).
O desmatamento da Amazônia que vinha caindo até 2012 voltou a subir, contrariando as propostas brasileiras apresentadas no Acordo de Paris. Em um ano, o desmatamento da Amazônia aumentou 29%, de acordo com a estimativa do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). No período de agosto de 2015 a julho deste ano, uma área de 7.989 km² foi removida da cobertura da floresta por corte raso – tamanho cinco vezes maior que o município de São Paulo. A marca de 7.000 km² devastados não era atingida desde 2010.
A Amazônia voltou a ser a região do mundo que mais suprime florestas, nos últimos dois anos. O desmatamento ocorre em áreas públicas não destinadas, que pertencem à União, mas não são usadas e nem foram protegidas. A cada 24 horas, 2.160 hectares de florestas são desmatados, o equivalente a 2.160 campos de futebol por dia. Pior: a área desmatada não tem sido usada para atividades produtivas. Dos quase 762.464 km² já desmatados, apenas 5,9% são usados para agricultura e 49,6% são pastos de ativos de criação de gado, segundo dados do projeto Terra Class. Segundo o Observatório do Clima, entre 2004 e 2014, o Brasil desmatou pelo menos 7 milhões de hectares à toa.
A Amazônia segue a sina de destruição já trilhada por outros biomas brasileiros. O Brasil caminha aceleradamente para a defaunação e para se tornar uma grande savana, permeada de desertos.
Os desastres que acontecem no mundo não cabem no espaço deste artigo. A eleição de Donald Trump, nos Estados Unidos, é o maior desastre ambiental do ano e do restante da década.
O Acordo de Paris pode estar com os dias contatos e os magnatas dos combustíveis fósseis estão comemorando a liberdade para poluir e aumentar as emissões de gases de efeito estufa.
O fato é que vivemos numa sociedade de crescentes riscos e com aumento das externalidades negativas. O sociólogo Ulrich Beck diz que os ganhos do velho conflito social pela distribuição da riqueza, que marcou a primeira modernidade, estão sendo substituídos pelo novo conflito ecológico, que, na segunda modernidade, tem gerado apenas perdas, devastação, ameaças. O economista Herman Daly afirma que o crescimento econômico está sendo substituído pelo crescimento deseconômico. Ele diz que o mundo hoje em dia “está produzindo ‘males’ mais rapidamente do que bens – tornando-nos mais pobres, e não mais ricos”.
Tudo isto acontece porque a escala das atividades antrópicas já rompeu os limites fundamentais da sustentabilidade. O mundo ultrapassou a capacidade de carga do Planeta, gerando uma sobrecarga ecológica. Já ultrapassou também as fronteiras planetárias, sendo que o aquecimento global é um fenômeno que pode gerar uma catástrofe ambiental de enorme proporção. É preciso aprender com os teóricos da Economia Ecológica quando afirmam que o crescimento econômico ilimitado é impossível diante do fluxo metabólico entrópico. Só com o decrescimento demoeconômico e a mudança no padrão de produção e consumo pode haver alguma garantia de segurança para o padrão de vida decente da população mundial e esperança de sobrevivência digna no presente e no futuro.
Referências:
José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br