O que é Empreendedorismo Sustentável, artigo de José Austerliano Rodrigues
O empreendedorismo sustentável cria soluções viáveis de mercado e atua como agentes de mudança que percebem e exploram oportunidades de desenvolvimento sustentável.
Para alcançar ganhos tão ambiciosos de desenvolvimento sustentável, o empreendedorismo sustentável oferece soluções orientadas ao mercado para combater a degradação ambiental e corrigir a injustiça e a desigualdade social (BELZ; BINDER, 2017; BINDER, 2017; FARNY, 2016).
Em 1994, o siciólogo John Elkington cunhou o termo triplo bottom line, ou tripé da sustentabilidade que refere-se à combinação de benefícios econômicos, sociais e ecológicos como uma situação ganha-ganha para os negócios, sociedade e o meio ambiente. Hart e Milstein (1999), referiram-se ao conceito de destruição criativa (teoria) como uma pré-condição e a força central para a transição de uma sociedade sustentável, enfatizando que inovadores e empreendedores vão ver o desenvolvimento sustentável como uma das maiores oportunidades de negócios da história do comércio. No entanto, a integração da sustentabilidade às atividades de uma empresa é marcada pela alta complexidade e incerteza, o que exige que as organizações alcancem valor econômico, social e ambiental simultaneamente (FARNY et al., 2019; MUÑOZ; COHEN, 2018).
Ao contrário do empreendedorismo convencional, que tem como foco a maximização dos lucros econômicos, o empreendedorismo sustentável baseia-se na premissa-chave de que os empreendedores têm potencial de criar valor econômico, social e ecológico por meio de sua atividade empresarial (BELZ; BINDER, 2017; MUÑOZ; COHEN, 2018; SCHALTEGGER; WAGNER, 2011).
Para Shepherd e Patzelt (2011), o empreendedorismo sustentável é focado na preservação da natureza, no suporte à vida e na comunidade na busca de oportunidades percebidas para trazer à existência de futuros produtos, processos e serviços. Em vez de tentar minimizar os danos sociais e ambientais, o empreendedorismo busca regenerar o meio ambiente e instilar mudanças sociais positivas, além da mera geração de riqueza econômica (MARKMAN et al., 2016; MUÑOZ; DIMOV, 2015; PATZELT; SHEPHERD, 2011). Portanto, o empreendedorismo sustentável postula a atividade empreendedora como uma solução potencial para a degradação ambiental e a desigualdade social (COHEN; WINN, 2007; MUÑOZ; COHEN, 2018; SHEPHERD; PATZELT, 2011).
Atualmente, existem pelo menos três pontos de vista sobre empreendedorismo sustentável na literatura que diferem em sua conceituação da intersecção entre sustentabilidade econômica, social e ambiental (FARNY, 2016). A perspectiva mais proeminente é a adaptação do modelo Triple Bottom Line (TBL) de Elkington (COHEN; WINN, 2007; HOCKERTS; WÜSTENHAGEN, 2010; SCHALTEGGER; WAGNER, 2011). A perspectiva do TBL pressupõe que as três dimensões da sustentabilidade (econômica, ecológica e social) são de igual valor (não há priorização) e podem ser tratadas separadamente. A crítica tem questionado a suposição de que cada dimensão pode ser tratada separadamente, quando na realidade estão fortemente entrelaçadas. Elkington (2018), afirma que a abordagem de equilibrar as necessidades do meio ambiente, da sociedade e da economia tornou-se um exercício contábil para a maioria das empresas.
A segunda conceituação da sustentabilidade adota o modelo de Bioeconomia do economista René Passet, que resulta do empreendedorismo sustentável como conceito de incrustação. O argumento-chave é que, devido aos efeitos prejudiciais do passado, o empreendedorismo deve ser visto como incrustado e, portanto, limitado pelo ambiente natural e pela sociedade (MARKMAN et al., 2016). Popular em abordagens de sistemas e ciência climática, o modelo bioeconomia vê a sustentabilidade em três círculos concêntricos, nos quais a economia está inserida na sociedade mais ampla, incorporada e constrangida por seu ambiente natural. Embora as atividades econômicas constituam o cerne do modelo, elas devem ser realizadas sem colocar em risco a vida social nem sacrificar recursos do ambiente natural.
Outra perspectiva, embora provavelmente menos reconhecida, vê o empreendedorismo sustentável como um conceito de integração, orientado para a economia, a sociedade e o meio ambiente (HEIKKURINEN et al., 2019; MUÑOZ; DIMOV, 2015; SCHLANGE, 2009). A abordagem de integração à sustentabilidade reconhece que, no antropoceno, os atores econômicos têm a responsabilidade coletiva de se organizar em relação aos limites ecológicos, o que tem profundas implicações na relação entre humanos e outros organismos (HEIKKURINEN et al., 2019). Como tal, esta abordagem descarta casos fracos de empreendedorismo sustentável, por exemplo, modelos de negócios orientados à conformidade, que inclui apenas fortes casos de sustentabilidade, ou seja, sustentabilidade regenerativa e co-evolutiva (HEIKKURINEN et al., 2019).
Essa perspectiva amplia a noção de sustentabilidade para incluir na esfera ética e até espiritual (SCHLANGE, 2009). Isso é consistente com declarações comuns descrevendo uma forma de empreendedorismo sustentável tanto em seus objetivos quanto em meios de criação de riqueza, mas também indica que o empreendedorismo sustentável, pelo menos implicitamente, assume que mais dimensões são significativas. A exemplo da dimensão moral, cidadania ecológica, tecnologia de informação e dimensão política (FARNY; BINDER, 2021; RODRIGUES, 2021).
A ideia central que une as três perspectivas acima citado, relacionado com o empreendedorismo sustentável, é que as atividades dos empreendedores em busca de ganhos financeiros não devem afetar negativamente os ambientes naturais e sociais em que atuam. O discurso acadêmico tem gerado conceitos comparáveis, porém distintos, enfatizando a atividade empreendedora como uma solução potencial para a degradação ambiental e a desigualdade social: empreendedorismo comunitário, ecopreneurship, empreendedorismo ambiental, organização híbrida, aventura pró-social, empreendedorismo social e empreendedorismo sustentável-ético. Todos esses rótulos conceituam entre empreendedorismo social e sustentável, diferem em seu mercado (BINDER, 2017). Por exemplo, empresas sociais dependentes de financiamento que são orientadas por missões e totalmente subsidiadas por parceiros externos que representam o empreendedorismo social sem fins lucrativos e não são diferentes das organizações não governamentais. Em contrapartida, as empresas sociais e eco-ambientais autofinanciadas têm forte foco em metas sociais ou ambientais e são capazes de gerar lucro, que é totalmente reinvestido na empresa.
Pesquisa recente sobre empreendedorismo sustentável, tem como foco o processo empreendedor (BELZ; BINDER, 2017; KIBLER et al., 2015; MUÑOZ; DIMOV, 2015). Apesar do foco recorrente no processo, poucos estudos têm investigado empiricamente o processo empreendedor sustentável. McMullen e Dimov (2013), apontam a falta de estudos empíricos orientado para o processo empreendedor. Para estes autores, a pesquisa empírica que adota uma visão de processo sobre fenômenos empreendedores tem o potencial de produzir insights relevantes para todo o campo acadêmico.
Deste modo, o processo empreendedor sustentável é tipicamente desencadeado pela motivação dos empreendedores de benefícios e emoções não econômicas: é a compaixão de apoiar o bem-estar dos outros que cria uma visão compartilhada entre os fundadores, a empresa e seus membros (FARNY et al., 2017). O início de um processo de empreendedorismo sustentável pode ser encontrado no reconhecimento de um problema ecológico ou social específico (BELZ; BINDER, 2017). Estes autores argumentam que os empreendedores engenhosos então reconhecem uma oportunidade de retificar o problema socio-ecológico e, sucessivamente, desenvolver uma solução do tripé da sustentabilidade que pode ser introduzida no mercado. Do ponto de vista econômico, a oportunidade poderia se originar de imperfeições do mercado relacionadas ao ambiente natural que proporcionam uma oportunidade de lucro para a ação empreendedora (COHEN; WINN, 2007).
Os empreendedores individuais, portanto, normalmente possuem uma motivação pró-social, uma vontade de exercer uma prática empreendedora mais compassiva, que também pode render ganho pessoal de lucro (SHEPHERD; PATZELT, 2011). Assim sendo, o empreendedores sustentáveis precisam ter a capacidade e a motivação para aumentar o bem-estar comunitário ou social (MUNOZ; COHEN, 2018).
Uma característica específica do empreendedorismo sustentável, é que a agência coletiva por parte de uma comunidade maior é parte integrante do processo de desenvolvimento de empreendimentos. O empreendedorismo sustentável tende a ser empreendedor e colaborativo ao invés de oportunista (FARNY; BINDER, 2021). Uma forma de governança cooperativa emerge como uma forma natural de organização, pois permite a colaboração e a tomada de decisões coletivas no nível de governança. Possibilita articular modelos democráticos de negócios e o envolvimento de diferentes membros de grupos da comunidade no processo de desenvolvimento de negócios. Neste sentido, cooperativas ou empresas comunitárias podem ser vistas como uma empresa sustentável do tipo ideal. Em geral, eles são propriedade coletivamente, gerenciados e governados pelo povo, e não por um pequeno grupo de empresários.
Semelhante a determinadas atividades de movimento social, os empreendimentos tipo ideal de sustentabilidade baseiam-se na solidariedade coletiva voltada para fins sociais e ecológicos explícitos, onde o compromisso de apoiar uns aos outros supera os custos pessoais (FARNY et al., 2019).
Ao mesmo tempo, o empreendedorismo sustentável enfrenta tensões estruturais resultantes da manutenção de múltiplos objetivos que provavelmente criarão conflitos internos (BINDER, 2017). Os conflitos decorrem principalmente do nível de integração ou separação de múltiplos objetivos no design organizacional, atividades organizacionais e atores organizacionais (BATTILANA, LEE, 2014).
Empresas sustentáveis altamente integradas precisam gerenciar uma equipe de atores organizacionais de diferentes interesses. Os múltiplos objetivos das empresas sustentáveis orientadas à comunidade suprimem a aplicação rigorosa de uma lógica de mercado e, em vez disso, em sua composição de força de trabalho devem incorporar um conjunto de habilidades heterogêneas com diversas origens (FARNY et al., 2019). Essa necessidade é menos uma questão para empresas que separam atividades pró-sociais e econômicas, onde a força de trabalho geralmente é contratada com base em habilidades individuais e demanda organizacional, a fim de evitar tensões produtivas (BATTILANA; DORADO, 2010). Além disso, o projeto organizacional, por exemplo, estruturas de governança, incentivos e sistemas de controle, precisa abordar a comunidade como uma noção integrada (BATTILANA; LEE, 2014; KIBLER et al., 2015).
As atividades organizacionais são baseadas em recursos locais, em busca de um bem comum para a comunidade anfitriã. As atividades muitas vezes dependem em parte do envolvimento voluntário dos membros para compensar os níveis de eficiência mais baixos e incluem o acoplamento seletivo de algumas características organizacionais específicas que não arriscam a estabilidade de uma empresa sustentáveil (FARNY et al., 2019).
Em relação ao fim do processo de empreendedorismo sustentável, os estudiosos ainda não determinaram o que constitui o sucesso da jornada. Isso é particularmente difícil, pois os processos empreendedores são altamente idiossincráticos. Alguns argumentam que o processo convencional de empreendedorismo normalmente termina com a introdução de um novo produto no mercado que gera lucro para a empresa e/ou economia.
O enquadramento do empreendedorismo sustentável como processos de criação de valor ecológico, social e econômico sugere definir (pelo menos) três extremidades (FARNY; BINDER, 2021). Uma visão alternativa sobre o fim de um processo de empreendedorismo sustentável é, portanto, marcada por uma mudança nos arranjos sociais (mudança institucional), que em diferentes graus envolve o mercado, uma comunidade e o ambiente ecológico (FARNY, 2016).
Isso estaria em consonância com o objetivo abrangente de desenvolver um novo espaço operacional seguro para a humanidade, promover o crescimento sustentável e se tornar um contribuinte líquido para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (FARNY; BINDER, 2021).
José Austerliano Rodrigues. Especialista e Doutor em Sustentabilidade de Marketing pela UFRJ, com ênfase em Marketing e Sustentabilidade, com interesse em pesquisa em Sustentabilidade Organizacional, Sustentabilidade de Marketing e Comportamento do Consumidor Sustentável. E-mail: austerlianorodrigues@bol.com.br.
CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/0779999836176801
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 06/04/2022