COP20: o desafio é a mudança sistêmica e não a climática. Entrevista com Luciano Frontelle
Publicado em dezembro 12, 2014
“Ainda temos de ver, para além de Lima e antes de Paris, quais serão as posições dos países tanto em relação às ações para mitigação quanto para adaptação, ou seja, qual será a contribuição nacional de cada um nas negociações do clima”, diz o representante da Agência Jovem de Notícias Internacional na COP-20.
Na última semana da 20ª Conferência das Partes da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas – COP-20, que acontece em Lima, no Peru, as delegações dos 190 países participantes do encontro conseguiram cumprir parte dos desafios propostos ao dar início ao rascunho do texto que será discutido em Paris, no próximo ano.
Na manhã de ontem, a IHU On-Line conversou, por Skype, com Luciano Frontelle, que participa da Conferência representando a Agência Jovem de Notícias Internacional e o coletivo de jovens Clímax Brasil, que busca “tirar as mudanças climáticas do armário”. Segundo ele, “nesta semana saiu um texto rascunho tanto do conjunto das posições dos países para Lima, quanto um rascunho de negociação para Paris. Isso já dá um novo ar para as negociações e ajuda a entender que caminho os países estão tomando”. Entretanto, pontua, “ainda é preciso esperar mais um pouco para saber que aspectos do texto vão ficar e quais serão excluídos e, nesse sentido, não dá para fazer uma avaliação agora, porque na próxima rodada de negociações, parte do que já foi acordado pode cair, e novos pontos podem ser incluídos no acordo. Mas ao menos já temos um texto que está sendo elaborado, embora em relação às metas e definições ele ainda esteja fraco”.
Frontelle informa ainda que as negociações tiveram poucos avanços, mas os países já chegaram ao consenso acerca de estabelecer 2050 como meta para neutralizar as emissões de gás carbônico, e ainda estão negociando metas de early action (ação antecipada), que devem ser postas em prática até 2020 e 2030. Sobre esse aspecto, ele chama atenção para pressões realizadas por um conjunto de cidades de governos locais que “tem pressionado para que os países assumam compromissos já para 2015, porque eles têm uma preocupação com as trocas de governo e, assim, as cidades podem conduzir as metas independentemente de quem for o prefeito”.
Luciano Frontelle esclarece ainda que o grupo reiterou a necessidade de reconhecer “o papel das cidades” na discussão sobre mudanças climáticas, porque não há como “garantir financiamentos para ações que estão além dos recursos das cidades, ou seja, não tem como cobrar compromissos de governos nacionais de ajuda às cidades para, por exemplo, melhorarem os esforços em relação à mobilidade urbana, porque grande parte das ambições das cidades é melhorar o transporte público. E boa parte das soluções para mitigar os efeitos das mudanças climáticas está nas cidades”.
Frontelle comenta também a Marcha dos Povos, realizada na última quarta-feira, e a pressão das comunidades indígenas, que propõem não somente uma discussão acerca das mudanças climáticas, mas uma “mudança sistêmica”, ao criticarem os mecanismos de financiamento que são tidos como uma alternativa ao enfrentamento das mudanças climáticas. “Isso significa que eles são contrários ao REDD, porque o mecanismo tem funcionado numa lógica em que os direitos das comunidades e dos povos tradicionais não estão sendo respeitados, porque se permite desmatar, por exemplo, e depois se compensa tal dano ambiental com um valor monetário, criando assim um precedente para que os países possam desrespeitar os direitos das comunidades. Eles estão preocupados com que as negociações entrem somente na lógica do capital e os direitos das comunidades não sejam preservados”, conclui.
Luciano Frontelle é empreendedor social e faz parte do coletivo de jovens Clímax Brasil.
Confira a entrevista.
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IHU On-Line – Que avaliação faz da COP-20 até este momento? Já é possível fazer uma avaliação final da Conferência em Lima?
Luciano Frontelle – Por enquanto dá para dizer que a COP-20 tinha um desafio muito grande, que era o fato de que ainda não se tinha nenhum sinal de um texto negociador para Paris, e isso era preocupante. Mas nesta semana saiu um texto rascunho tanto do conjunto das posições dos países para Lima, quanto um rascunho de negociação para Paris. Isso já dá um novo ar para as negociações e ajuda a entender que caminho os países estão tomando. De todo modo, ainda é preciso esperar mais um pouco para saber que aspectos do texto vão ficar e quais serão excluídos e, nesse sentido, não dá para fazer uma avaliação agora, porque na próxima rodada de negociações, parte do que já foi acordado pode cair, e novos pontos podem ser incluídos no acordo. Mas ao menos já temos um texto que está sendo elaborado, embora em relação às metas e definições ele ainda esteja fraco.
IHU On-Line – Quais são alguns dos consensos entre as delegações já presentes no texto que será discutido no próximo ano, em Paris?
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“O Brasil ganhou o Fóssil do dia por ter tentando dar um “jeitinho” nas negociações, ou seja, por tentar contar duas vezes a redução de emissões”
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Luciano Frontelle – Por enquanto o texto trata da eliminação de emissões de carbono para a transição de energia limpa até 2050. Isso significa eliminar fontes de resíduos fósseis ou entrar numa linha negativa de emissões em relação aos anos anteriores, até 2100. Essa questão já tem uma timeline de longo prazo, mas o texto ainda está sintético e não está definido como isso vai funcionar. Hoje o texto diz que a mitigação consiste em neutralizar as emissões de carbono até 2050 e ter uma completa descarbonização até essa data, ou emissões negativas até 2100. Algumas organizações sugerem que a meta deveria ser mais clara.
IHU On-Line – E quais são as metas assumidas para períodos mais próximos, como 2020, 2030?
Luciano Frontelle – Essa meta de 2050 diz respeito à neutralização de emissões, mas há metas para 2030 e 2025 em relação a financiamentos, por exemplo. Essas duas semanas foram de intenções acerca dos financiamentos, e até agora já passamos os 10% da meta de 100 bilhões anuais até 2020, inclusive com a Austrália fazendo um acordo conjunto com a Bélgica nesta semana. Esperamos que o texto tenha mais conteúdo de early action (ação antecipada), que são metas até 2020. As metas definidas até agora não estão muito claras nesse aspecto, mas o conjunto de cidades de governos locais tem pressionado para que os países assumam compromissos já para 2015, porque eles têm uma preocupação com as trocas de governo e, assim, as cidades podem conduzir as metas independentemente de quem for o prefeito.
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“Os indígenas do Brasil estão reclamando bastante por conta da falta de negociação e da truculência por causa da construção das hidrelétricas, mas aqui a delegação brasileira tem feito um discurso de que há um processo grande de consulta e de diálogo com os movimentos sociais e os indígenas”
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Eles defendem ainda que se reconheça o papel das cidades na discussão sobre as mudanças climáticas, porque se não se reconhece o direito das cidades, não há como garantir financiamentos para ações que estão além dos recursos das cidades, ou seja, não tem como cobrar compromissos de governos nacionais de ajuda às cidades para, por exemplo, melhorarem os esforços em relação à mobilidade urbana, porque grande parte das ambições das cidades é melhorar o transporte público. E boa parte das soluções para mitigar os efeitos das mudanças climáticas está nas cidades.
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IHU On-Line – Pode dar alguns exemplos de ações anunciadas pelos países como metas internas, as quais eles irão cumprir a fim de reduzir as emissões de CO²?
Luciano Frontelle – Os principais anúncios são em relação ao que blocos de países estão pensando em fazer. Ontem foi divulgado o compromisso dos países do bloco do Pacífico (Peru, Chile, Colômbia e México), que trata de reduções de emissões e ações em relação às florestas e oceanos. Essa é uma boa notícia para a nossa região. Mas, por outro lado, o Peru ganhou o Fóssil do dia (a mais baixa honraria possível a ser recebida no encontro), na segunda-feira, por causa de uma lei nacional de descompatibilização do desenvolvimento com o meio ambiente.
Então, ao mesmo tempo que se têm acordos globais, há países andando na contramão.
O Brasil também foi bastante criticado no início das negociações, na semana passada, por conta do desmatamento e das emissões em alta, e ganhou o Fóssil do dia por ter tentado dar um “jeitinho” nas negociações, ou seja, por tentar contar duas vezes a redução de emissões, tanto a redução nacional quanto a redução do que vendeu como crédito; o Brasil contou as duas reduções como sendo reduções nacionais, o que está errado. Embora esse seja o momento de tentar fazer negociações internacionais, esse exemplo do Brasil mostra que os países, em suas ações nacionais, nem sempre estão contribuindo.
Os indígenas do Brasil estão reclamando bastante por conta da falta de negociação e da truculência por causa da construção das hidrelétricas, mas aqui a delegação brasileira tem feito um discurso de que há um processo grande de consulta e de diálogo com os movimentos sociais e os indígenas.
IHU On-Line – A exemplo da Alemanha, outros países se comprometeram com a transição energética para os próximos anos?
Luciano Frontelle – Não existem anúncios oficiais, mas Seul anunciou que tem feito um esforço gigante em conseguir fontes alternativas de energia para não usar energia nuclear. Eles lançaram um projeto aqui na COP-20 no sentido de desenvolver uma série de ações para que, a partir da participação das pessoas, se consiga ter energia suficiente para deixar de usar energia nuclear.
Tenho acompanhado ainda a importância da educação no processo de formação das pessoas para discutir as questões climáticas, e essa questão está relacionada com o artigo 6º da Plataforma de Doha, sobre a participação das pessoas; ou seja, como as pessoas se envolvem no processo tanto de comunicar as ações de mudanças climáticas, como podem se envolver para o desenvolvimento concreto de ações. Temos o incentivo da Polônia e de outros países para que se possa elaborar também um texto nesse sentido no acordo final da COP-20. Por outro lado, no texto elaborado até então em relação às INDC (posições nacionais), não está claro como se dará a participação da sociedade civil nas ações que os governos nacionais irão adotar em relação às suas metas, às emissões, planos de ação, planos de mitigação. Essas questões devem ser definidas pelos países do Anexo I no início do ano que vem e pelos demais países no começo do primeiro semestre do ano que vem.
Também não está claro no texto atual quais devem ser os padrões dessas posições, porque até o momento a regra é que cada país anuncia sua contribuição nacional, mas tem de ser feito um acordo para que essas contribuições nacionais tenham um padrão para que se possa fazer uma comparação entre as nações para medir quanto cada país tem avançado em relação aos demais. Portanto, ainda temos de ver, para além de Lima e antes de Paris, quais serão as posições dos países tanto em relação às ações para mitigação quanto para adaptação, ou seja, qual será a contribuição nacional de cada um. Por isso, estamos alertas a como será abordada essa questão no texto da COP-20, ou seja, se vai haver ou não um padrão de comparação entre os países.
IHU On-Line – Qual foi o discurso do Brasil durante a COP-20 em relação às medidas que vai adotar nos próximos anos para enfrentar as mudanças climáticas e transição energética?
Luciano Frontelle – Por enquanto o Brasil focou bastante na proposta que havia feito antes da COP-20, acerca das responsabilidades iguais, porém diferenciadas, que está estabelecida nos círculos concêntricos. Ontem ocorreu uma reunião de delegação a qual não pude acompanhar, mas, pelo que pude ver, mais anunciaram as reduções que foram alcançadas de 2004 para cá, do que fizeram novos compromissos e acordos. Na reunião de delegação antes da COP-20, o Ministério do Meio Ambiente se limitou a dizer que o Brasil está dentro das metas acordadas no Protocolo de Kyoto, citando o caso do desmatamento, por exemplo, e as demais reuniões foram para discutir o que o país quer dizer com a diferenciação de responsabilidades ou o que isso quer dizer em questão de compromissos e posições. Além disso, o Brasil não fez nenhum novo posicionamento em relação a metas.
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“A mensagem principal da Marcha foi dada pelos indígenas, que têm se posicionado contra o mecanismo REDD plus. O discurso deles é em torno de uma mudança sistêmica e não somente climática”
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IHU On-Line – Como o acordo entre China e EUA repercutiu na COP-20?
Luciano Frontelle – Fizemos essa pergunta para a delegação brasileira e a resposta foi de que o Brasil vê esse acordo como positivo, como um caminhar para o enfrentamento das mudanças climáticas, porém, desde que isso também reflita em ações dos dois países dentro dos compromissos que envolvem as negociações, porque uma coisa é eles fazerem um acordo bilateral, fora das negociações, e outra coisa é a posição oficial dentro das negociações. Então, desde que o acordo reflita e não influa no enfraquecimento do processo da Convenção, pode ser positivo, porque se começam a surgir acordos fora da Convenção, pode gerar um descrédito em relação a todo o processo que está sendo feito até aqui.
IHU On-Line – Como foi a Marcha dos Povos realizada em Lima na quarta-feira? Qual foi o discurso dos indígenas e movimentos sociais que participaram?
Luciano Frontelle – A mensagem principal da marcha foi dada pelos indígenas, que têm se posicionado contra o mecanismo REDD plus. O discurso deles é em torno de uma mudança sistêmica e não somente climática. Isso significa que eles são contrários ao REDD por que o mecanismo tem funcionado numa lógica em que os direitos das comunidades e dos povos tradicionais não estão sendo respeitados, porque se permite desmatar, por exemplo, e depois se compensa tal dano ambiental com um valor monetário, criando assim um precedente para que os países possam desrespeitar os direitos das comunidades. Eles estão preocupados com que as negociações entrem somente na lógica do capital e os direitos das comunidades não sejam preservados.
A marcha teve a presença das comunidades indígenas da Amazônia brasileira e do Peru, além de ONGs ambientais. Foi uma marcha plural, mas a mídia reclamou do trânsito ao invés de noticiar o conteúdo da marcha; noticiou os incômodos que a manifestação gerou, embora a marcha estivesse anunciada há mais de seis meses. De todo modo, a marcha foi pacífica, com mais de 10 mil pessoas, certamente; as pessoas manifestaram que esperam mais ambições nas negociações e querem que se preservem os direitos das pessoas que não são ouvidas, além de criticarem a mercantilização das negociações, tendo em vista que participam da COP-20 as grandes corporações do petróleo.
IHU On-Line – Diante das negociações feitas até agora, qual a expectativa para o encontro de Paris, que vai discutir o texto que substituirá Kyoto em 2020?
Luciano Frontelle – Houve um processo de ratificação da emenda referente ao segundo termo de Kyoto e como isso se relaciona com as negociações, mas espera-se que Paris seja o marco de acordos mais ambiciosos tanto em relação às reduções como em relação a soluções de uma transição justa para energias renováveis e limpas. Para Paris, entre as várias coisas que se esperam, esperamos compromissos claros e transparentes para saber como a sociedade civil de cada país poderá participar tanto da implementação quanto da participação da tomada de decisão de como esse caminho será iniciado.
(Por Patricia Fachin)
(
EcoDebate, 12/12/2014) publicado pela
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[IHU On-line é publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]