Pampa é o bioma brasileiro que mais perde vegetação natural
O Pampa foi o bioma que mais perdeu vegetação nativa nos últimos 36 anos proporcionalmente em relação ao total de sua área, segundo os mais recentes dados do MapBiomas obtidos a partir da análise de imagens de satélite entre 1985 e 2020.
O decréscimo de 21,4% registrado entre 1985 e 2020 coloca o segundo menor bioma brasileiro à frente do Cerrado (-19,8%), Pantanal (-12,3%) e Amazônia (-11,6%). Como o Pampa funciona como um “hub”, para o qual convergem várias rotas de migração nacionaise internacionais, com destinos que incluem a América do Norte, o sul da América do Sul e as regiões Norte e Centro-Oeste do Brasil e o norte da Argentina, a conservação das paisagens naturais do Pampa é crucial para múltiplas espécies migratórias.
O bioma Pampa, especialmente na sua porção leste, é considerado uma região de relevância internacional para diversas espécies de aves migratórias. A existência de um mosaico de ecossistemas naturais incluindo lagoas costeiras, praias, dunas, campos, matas de restinga e áreas pantanosas atrai uma notável concentração de aves em diferentes estações do ano, em busca de alimento ou de sítios de reprodução.
Os migrantes neárticos, espécies que se reproduzem no hemisfério norte (Canadá e Estados Unidos), voam para o Pampa no verão em busca de alimento. Mais de uma dezena de espécies são visitantes de verão, incluindo as batuíras e os maçaricos, também denominadas de aves de praia, o batuiruçu (Pluvialis dominica), o maçarico-de-perna-amarela (Tringa flavipes), o maçarico-grande-de-perna-amarela (Tringa melanoleuca) e o maçarico-acanelado (Tryngites subruficollis).
Já as espécies migrantes austrais voam até o Pampa, onde permanecem somente no outono e no inverno. Elas partem desde a Patagônia, sul do Chile, Terra do Fogo e Ilhas Malvinas em direção ao Pampa no inverno, fugindo assim dos rigores do inverno austral. Dentre estas espécies estão a batuíra-de-peito-avermelhado (Charadrius modestus), o pedreiro-dos-andes (Cinclodes fuscus), o colegial (Lessonia rufa) e a andorinha-chilena (Tachycineta meyeni).
Outras espécies são residentes de verão e abandonam temporariamente o Pampa com a chegada dos meses frios para diversos destinos. Muitas partem para o norte da América do Sul e América Central como as andorinhas (Progne tapera e P. chalybea), a tesourinha (Tyrannus savana) e o suiriri (T. melancholicus). Outras migram no sentido leste-oeste com destino às províncias argentinas de Santa Fé, Entre Ríos e Corrientes. Algumas aves aquáticas transitam do Pampa para o Pantanal, incluindo o cabeça-seca (Mycteria americana), o colhereiro (Platalea ajaja), o gavião-caramujeiro (Rostrhamus sociabilis) e o pato-de-crista (Sarkidiornis melanotos).
O avanço do uso antrópico sobre a vegetação natural do Pampa acentuou-se na última década, quando também foi possível notar o começo da mudança do perfil econômico do uso do solo. “A substituição da formação campestre pela agricultura favorece a perda de biodiversidade e liberação de carbono na atmosfera, contribuindo para o efeito estufa. Mas é também um desvio de uma vocação econômica natural do Pampa”, alerta Heinrich Hasenack, coordenador do mapeamento do Pampa. “Ao contrário da Amazônia ou do Cerrado, onde é preciso desmatar para criar gado, no Pampa a vegetação nativa é um pasto natural, o que permite que a pecuária se desenvolva preservando a paisagem”, explica. Resultados de pesquisas mostram que práticas de manejo adequadas permitem retorno econômico similar ao do cultivo de grãos, com a vantagem de preservar a biodiversidade e os serviços ecossistêmicos.
Nos últimos 36 anos, o Pampa perdeu 2,5 milhões de hectares de vegetação nativa, que responde por menos da metade (46,1%) do território. Formações campestres ocupavam 46,2% do território em 1985. Em 2020, eram apenas 32,6%. Nesse período, a agricultura ganhou mais de 1,9 milhão de hectares de área do Pampa. A atividade, que ocupava 29,8% do bioma em 1985, passou a usar 39,9% do território em 2020. No ano passado, era o principal uso dos 44,1% antropizados do Pampa e segue uma tendência de crescimento alto a cada ano.
O Pampa possui muitas espécies campestres por metro quadrado, mesmo quando ocupado por gado, favorecendo a conservação da biodiversidade e do carbono estocado. Embora a agricultura, de um modo geral, tenha ótima produtividade, em algumas circunstâncias acaba sendo introduzida em locais com menor aptidão do que a pecuária. Outro fato preocupante é que o Pampa tem a menor proporção de unidades de conservação dentre todos os biomas brasileiros, com apenas 3% do território protegido. Dos quais, se descontarmos as Áreas de Proteção Ambiental, uma categoria com menor grau de proteção, esse percentual cai para 0,6%. Existem regiões do Pampa que já estão excessivamente descaracterizadas, a ponto de colocar em risco a própria capacidade de restauração ecológica com as variantes genéticas típicas dessas regiões.
“Apesar de estar na tradição gaúcha, na história da ocupação do bioma e de ser uma atividade que, no Pampa, é mais alinhada aos desafios do Século 21 de preservação da biodiversidade e redução das emissões de carbono, a pecuária sobre campo nativo está perdendo espaço para a agricultura, notadamente a soja”, detalha Hasenack.
O avanço da agricultura sobre a vegetação nativa pode ser notado em todo o bioma, mas foi mais acentuado nas regiões da Fronteira Oeste, o Planalto Médio/Missões, Zona Costeira e leste da Campanha. Os cinco municípios que mais perderam vegetação natural nos últimos 36 anos foram São Gabriel, Alegrete, Tupanciretã, Dom Pedrito e Bagé.
Os resultados do mapeamento do bioma também trazem resultados inéditos sobre as queimadas e a superfície de água. No Pampa, ao contrário dos demais biomas, as queimadas têm pouca expressão com uma média anual de 92,5 km2. Vários fatores concorrem para explicar a baixa quantidade de queimadas no Pampa como a ausência de uma estação seca, o baixo acúmulo de biomassa na vegetação campestre por conta da atividade pastoril e o fato do fogo não ser utilizado culturalmente como uma prática de manejo nas áreas rurais.
A dinâmica da superfície da água entre 1985 e 2020 mostra uma tendência de estabilidade ao longo dos 36 anos mapeados. Quase 10% do Pampa é ocupado por água: com 1,8 milhões de hectares em 2020. A maior parte se concentra na zona costeira, caracterizada pela presença de inúmeras lagoas, sendo que a laguna dos Patos, a lagoa Mirim e a lagoa Mangueira, armazenam 81% do total de superfície de água do bioma no Pampa Apesar da estabilidade na superfície de água, o mapeamento revela que na região da Fronteira Oeste e da Campanha houve um incremento de água com a implantação de açudes para irrigação, principalmente do arroz. Enquanto que nas porções centrais e a leste do bioma foram detectadas várias localidades com redução da superfície de água disponível.
Sobre o MapBiomas
Iniciativa multi-institucional que processa imagens de satélites com inteligência artificial e tecnologia de alta resolução em uma rede colaborativa de especialistas, universidades, ONGs, instituições e empresas de tecnologia para a criação de séries históricas e mapeamento de uso e cobertura da terra no Brasil. A UFRGS, com a colaboração da GeoKarten, são as instituições responsáveis pelo mapeamento da vegetação nativa no bioma Pampa dentro da rede MapBiomas.
Por Karol Domingues , in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 22/09/2021