quinta-feira, 30 de abril de 2020

A PANDEMIA DE COVID-19 E O PIOR DECÊNIO DA HISTÓRIA DA ECONOMIA BRASILEIRA.

A pandemia de Covid-19 e o pior decênio da história da economia brasileira, artigo de José Eustáquio Diniz Alves


[EcoDebate] A pandemia de covid-19 atingiu quase 2 milhões de casos e 127 mil mortes em 14 de abril. O Brasil já vivia a sua segunda década perdida, isto é, a segunda década com baixíssimo crescimento econômico e com redução da renda per capita, antes mesmo do surgimento deste surto pandêmico que está provocando um pandemônio na economia internacional.
Se a economia brasileira crescesse 2,5% ao ano em 2020 (como previa o governo) então o Produto Interno Bruto teria um crescimento de 0,8% ao ano entre 2011 e 2020. Como a população brasileira cresce anualmente também a 0,8% na década, então a variação anual da renda per capita seria zero. Ou seja, neste cenário “otimista” o Brasil ficaria parado e estacionado na periferia de um sistema internacional, que tem mantido um crescimento razoável do PIB depois da crise financeira de 2008/09. Em termos proporcionais o Brasil já era uma economia submergente mesmo se apresentasse um crescimento do PIB de 2,5% em 2020.
Mas o que estava ruim piorou muito após a irrupção da pandemia de covid-19 que paralisou a economia global e deu um tiro de misericórdia na economia brasileira. Relatório do Banco Mundial, divulgado dia 12 de abril, estimou uma queda do PIB brasileiro de -5% em 2020. Evidentemente esta é uma estimativa preliminar e o desempenho da economia brasileira vai depender da evolução da pandemia no país e no mundo (A previsão do FMI para o PIB brasileiro em 2020 é ainda mais recessiva, de -5,3%).
Mas, o fato, é que o Brasil já estava em uma situação frágil e, mesmo sem a covid-19, não teria como evitar a pior década econômica da sua história. O gráfico abaixo mostra que até 1988 os decênios se mantinham um crescimento quase sempre acima de 3% ao ano. Entre 1989 e 2007 as médias anuais dos decênios ficaram sempre abaixo de 3%. Entre 2009 e 2014 os decênios voltaram a apresentar crescimento anual acima de 3%. Porém, o tombo ocorrido depois de 2015 não tem precedentes. Depois de 2017 ficou abaixo de 2% e chegou a zero em 2020.
taxas anuais de crescimento do PIB: Brasil
A tabela abaixo mostra a variação anual do PIB, da População e da Renda per capita para as últimas 12 décadas no Brasil. Nota-se que o maior crescimento da renda per capita ocorreu na década de 1970, com 6% de crescimento da renda média dos brasileiros. A pior década tinha sido nos anos de 1980, com o crescimento do PIB de somente 1,57% ao ano e uma redução da renda per capita em 0,35% ao ano (pois a população crescia a uma taxa anual de 1,93%.
Porém, nada se compara com a atual década que apresentou uma variação anual do PIB de somente 0,07% ao ano, com um crescimento demográfico de 0,81% ao ano e, por conseguinte, uma redução da renda per capita em 0,73% ao ano. O Brasil de 2020 está mais pobre do que o país de 2010. O Brasil cresceu como caranguejo – para trás, ou como rabo de cavalo – para baixo. A trajetória submergente é não só relativa (em relação à média mundial), mas absoluta, pois estamos encolhendo.
variação anual média do PIB, população e da renda per capita: Brasil
O pior é que não se vê uma luz no fim do túnel. O processo de encolhimento da economia brasileira já tem cerca de quatro décadas. O que difere um governo do outro é o grau e a rapidez da trajetória submergente. O Brasil saiu de uma trajetória emergente (entre 1822 e 1980) para uma trajetória submergente (a partir de 1981). A democracia brasileira está em perigo e a sociedade civil está enfraquecida e bestificada. Só uma tomada de consciência e uma grande mobilização de baixo para cima pode sacudir a poeira e dar a volta por cima.
Sem aumento da taxa de investimento não haverá recuperação da economia e nem dinheiro para defender o meio ambiente. O Brasil está preso na armadilha do baixo crescimento, devendo envelhecer antes de enriquecer, convivendo com muito desemprego e baixa produtividade.
Somente um plano de reativação da economia com pleno emprego e trabalho decente – aliado ao avanço da ciência e tecnologia, ao aumento da qualificação e eficiência dos trabalhadores e à defesa do meio ambiene – poderia mudar o quadro atual de crise econômica e social. Mas antes de tudo isto, o Brasil precisa vencer a pandemia de covid-19 para ter condições de voltar de maneira segura ao trabalho e à reconstrução do país.
José Eustáquio Diniz Alves
Colunista do EcoDebate.
Doutor em demografia, link do CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/2003298427606382

CORONAVÍRUS EXPÕE AS PROFUNDAS DESIGUALDADES DA NOSSA SOCIEDADE.

Coronavírus expõe as profundas desigualdades da nossa sociedade


Seis bilionários do país têm a mesma riqueza que os 100 milhões mais pobres
Seis bilionários do país têm a mesma riqueza que os 100 milhões mais pobres. Foto: Vladimir Platonow/Agência Brasil
Na pandemia da gripe de 1918, as taxas de mortalidade eram muito maiores entre os moradores dos bairros mais pobres e mais populosos, e já existem evidências de que o coronavírus está se espalhando mais rapidamente entre as famílias de baixa renda e entre os estadunidenses negros, em particular.
IHU
Publicamos aqui o editorial da revista America, 13-04-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
A pandemia do coronavírus é uma experiência compartilhada por todos os habitantes do mundo, mas não é a mesma experiência para todos.
Andrew Cuomo, governador de Nova York, chamou a Covid-19 de “o grande equalizador” em um tuíte do dia 31 de março e ele está certo de que doença e a morte, no fim das contas, não respeitam o poder e o privilégio.
Isso não significa que as desigualdades sociais não importam mais. Na pandemia da gripe de 1918, as taxas de mortalidade eram muito maiores entre os moradores dos bairros mais pobres e mais populosos, e já existem evidências de que o coronavírus está se espalhando mais rapidamente entre as famílias de baixa renda e entre os estadunidenses negros, em particular.
Para alguns estadunidenses, os aspectos mais difíceis da pandemia são a sensação de claustrofobia e o distanciamento social, uma frase com conotações decididamente não cristãs. Para muitos milhões de outros estadunidenses, o distanciamento social completo não é uma opção.
Os profissionais da saúde devem permanecer na linha de frente do combate ao vírus, e as autoridades da segurança pública devem estar tão vigilantes quanto sempre. Os empregados dos supermercados e das farmácias, assim como os entregadores em caminhões ou bicicletas ainda estão trabalhando, tendo que gastar muito tempo limpando tudo em que eles ou seus clientes encostam.
Esses e outros trabalhadores essenciais estão concentrados nos bairros mais pobres, e o jornal The New York Times noticiou recentemente que, apesar de o número total de passageiros do metrô na maior cidade do país ter caído 87%, ele só caiu cerca da metade em determinadas estações usadas por trabalhadores de baixa renda. Trabalhar em casa simplesmente não é uma opção para a maioria das pessoas que têm a sorte de permanecer empregadas.
Muitos desses trabalhadores essenciais têm filhos pequenos e não podem dedicar várias horas por dia à educação em casa ou para garantir que seus filhos acompanhem o ritmo dos seus colegas. As crianças que não podem ser deixadas sozinhas podem ser enviadas para as casas de amigos ou de parentes durante a jornada de trabalho, aumentando o risco de disseminação do vírus.
Milhões de outros estadunidenses vivem em grupos nos quais eles têm pouco ou nenhum controle sobre quantas pessoas estão próximas a eles. Primeiro, existem 1,5 milhão de residentes em instalações de enfermagem, como uma residência no Estado de Washington onde dezenas de pessoas morreram por coronavírus em um dos primeiros surtos nos Estados Unidos.
Há também mais de dois milhões de pessoas em instalações correcionais, e cerca de 200.000 pessoas entram e saem das prisões toda semana. Some-se a isso meio milhão de agentes penitenciários e oficiais de justiça, e não é de se admirar que as prisões tenham se tornado pontos cruciais do coronavírus, levando o Papa Francisco a instar as autoridades a “serem sensíveis a esse grave problema”.
Além disso, cerca de 1,3 milhão de pessoas são militares da ativa, muitos em condições de trabalho superlotadas, como as do porta-aviões Theodore Roosevelt, cujo capitão foi demitido depois de escrever simultaneamente para vários superiores com um alerta de que o vírus estava se espalhando entre a sua tripulação.
Depois, há meio milhão de sem-teto nos Estados Unidos que precisam arriscar suas vidas em refeitórios e abrigos superlotados.
O coronavírus também é uma ameaça onipresente aos milhares de requerentes de asilo e outros migrantes em centros de detenção e em campos improvisados do outro lado da fronteira EUA-México. Dentro dos Estados Unidos, os migrantes sem documentos têm boas razões para temer procurar assistência médica e arriscar a deportação. Os destinatários do programa Deferred Action for Childhood Arrivals, muitos dos quais trabalham na área da saúde, devem se preocupar com a pandemia e a possibilidade de a Suprema Corte apoiar a decisão do governo Trump de rescindir o programa e remover seu status legal.
Outros grupos somam dificuldades no acesso aos cuidados de saúde e até na obtenção de informações precisas sobre a pandemia, incluindo quem não tem acesso à internet e não fala inglês. As pessoas com deficiência temem ser discriminadas se precisarem de cuidados médicos, especialmente se surgir o fantasma do “racionamento”. Os estadunidenses que estão perdendo seu seguro-saúde patrocinado pelo empregador porque seus empregos desapareceram – um grupo que cresceu em 3,5 milhões em apenas duas semanas, de acordo com uma estimativa – temem ficar pelo caminho se precisarem de atenção médica imediata.
A intenção aqui não é zombar daqueles que estão tentando tirar o melhor proveito da quarentena e do distanciamento social, seja passando mais tempo com a família, aprendendo a fazer pão ou tentando imitar Shakespeare, que supostamente passou o tempo da quarentena durante a peste escrevendo “Rei Lear”. Mas a maioria das pessoas não pode lidar com o coronavírus como uma oportunidade de reflexão ou de autoaperfeiçoamento.
Louve a Deus se sua família passar por isto, mas não presuma que todos tenham a mesma sorte ou que a pandemia acabou quando alguns de nós forem capazes de dar passos hesitantes rumo à vida normal. Lembre-se daquilo que Arturo Sosa, superior geral da Companhia de Jesus, disse recentemente sobre a crise: “Somos uma única humanidade. Todos e cada um de nós fazemos parte dela. Ninguém é deixado de fora. Nenhum de nós poderá conseguir sem os outros”.
(EcoDebate, 15/04/2020) publicado pela IHU On-line, parceira editorial da revista eletrônica EcoDebate na socialização da informação.

UM VÍRUS, A HUMANIDADE E A TERRA.

Um vírus, a humanidade e a terra, artigo de Vandana Shiva


Vandana Shiva
Vandana Shiva. (Foto: Divulgação/IHU)
IHU
“Um pequeno vírus pode nos ajudar a dar um grande passo à frente para fundar uma nova civilização planetária ecologista, baseada na harmonia com a natureza. Ou, então, podemos continuar vivendo a fantasia do domínio sobre o planeta e continuar avançando até a próxima pandemia. E, por último, até a extinção”, escreve Vandana Shiva, física, ecofeminista, ativista ambiental, defensora da soberania alimentar e fundadora do Movimento Navdanya, em artigo publicado por El Salto, 11-04-2020. A tradução é do Cepat.

Eis o artigo.

Um pequeno vírus confinou o mundo, parou a economia global, levou embora a vida de milhares e o sustento de milhões de pessoas.
Que lições podemos aprender, graças ao coronavírus, sobre a nossa espécie humana, os paradigmas econômicos e tecnológicos dominantes e a terra?
A primeira coisa que o confinamento nos recorda é que a terra é para todas as espécies e que quando abrimos espaço e liberamos as ruas de carros, a poluição se reduz. Os elefantes podem ter acesso às áreas residenciais de Dehradun e se banhar no Ganges, no ghat de Har Ki Pauri, em Haridwar. Um leopardo vagueia livremente em Chandigarh, a cidade projetada por Le Corbusier.
A segunda lição é que esta pandemia não é um desastre natural, assim como os fenômenos climáticos extremos também não são. As epidemias emergentes, assim como a mudança climática, são antropogênicas, ou seja, causadas pelas atividades humanas.
Os cientistas nos avisam que ao invadir os ecossistemas florestais, destruir os habitats de muitas espécies e manipular as plantas e os animais para obter lucro econômico, fomentamos o surgimento de novas doenças. Ao longo dos últimos 50 anos, apareceram 300 novos patógenos. Está escancaradamente documentado que 70% dos patógenos que afetam o ser humano, entre os quais estão o HIV, o ebola, a gripe, a síndrome respiratória do Oriente Médio (MERS, na sigla em inglês) e a síndrome respiratória aguda grave (SARS, na sigla em inglês) surgem quando os ecossistemas florestais são invadidos e os vírus se transferem de animais para pessoas. Quando se amontoam animais em fazendas industriais para maximizar os lucros, afloram novas doenças como a gripe suína e a aviária.
A avareza humana, que não respeita os direitos de outras espécies, nem os direitos dos membros de nossa mesma espécie, é a raiz desta pandemia e das pandemias que a seguirão. Uma economia global baseada na ilusão do crescimento ilimitado se traduz em um apetite insaciável pelos recursos planetários, o que, como consequência, se traduz em uma ilimitada transgressão dos limites do planeta, dos ecossistemas e das espécies.
A terceira lição que o vírus nos ensina é que a emergência sanitária está relacionada com a emergência da extinção massiva de espécies. Também com a emergência climática. Ao se utilizar venenos como inseticidas e herbicidas para matar insetos e plantas é inevitável provocar uma crise de extinção. Ao queimar combustíveis que a terra fossilizou há 600 milhões de anos, transgredimos os limites planetários. A consequência é a mudança climática.
Os prognósticos dos cientistas estabelecem que se não frearmos esta guerra antropogênica contra a terra e as espécies que a habitam, em cem anos teremos destruído as condições que permitem aos humanos viver e prosperar. Nossa extinção será uma a mais entre as 200 que ocorrem diariamente. Iremos nos converter em uma espécie em risco de extinção pela avareza, arrogância e irresponsabilidade humanas.
Todas as emergências que na atualidade colocam em risco vidas têm sua origem na visão mecanicista, militarista e antropogênica dos humanos como seres à margem da natureza, como amos e senhores da terra que podem dominar, manipular e controlar outras espécies como fontes de lucro. Também têm sua origem em um modelo econômico que considera os limites ecológicos e éticos como obstáculos que devem ser superados para aumentar o crescimento dos lucros empresariais.
Nesse modelo, não cabem os direitos da Mãe Terra, os direitos de outras espécies, os direitos humanos, nem os das gerações futuras. Durante esta crise e a recuperação após o confinamento, precisamos aprender a proteger a terra, seu clima, os direitos e os habitats das diferentes espécies, os direitos dos povos indígenas, das mulheres, dos agricultores e agricultoras e dos trabalhadores e trabalhadoras.
Temos que romper com a economia do lucro e o crescimento ilimitado que nos levou a uma crise de sobrevivência. Temos que aprender de uma vez por todas que somos membros da família planetária e que a verdadeira economia é a economia dos cuidados: o cuidado do planeta e o cuidado mútuo.
Para prevenir futuras pandemias, carestias e a perspectiva de nos tornarmos sociedades em que a vida humana não tenha valor, temos que romper com o sistema econômico global que está gerando a mudança climática, a extinção de muitas espécies e a propagação de doenças mortais. O retorno ao local abre espaço para que as diferentes espécies, as diferentes culturas e as variadas economias locais se desenvolvam.
Temos que reduzir de maneira consciente nossa pegada ecológica para deixar recursos e espaço disponíveis para outras espécies, para o restante dos seres humanos e para as gerações futuras. A emergência sanitária e o confinamento demonstraram que quando há vontade política, é possível reverter o processo de globalização. Façamos com que esta reversão seja permanente e voltemos à produção local e de proximidade, em consonância com os princípios do swadeshi (autossuficiência) que Gandhi promulgava, ou seja, o restabelecimento da econômica doméstica.
Nossa experiência no [movimento] Navdanya nos ensinou, ao longo de três décadas, que os sistemas de produção de policultivos locais e ecológicos são capazes de prover alimento à população sem empobrecer o solo, poluir a água e danificar a biodiversidade.
A riqueza da biodiversidade são as matas, os cultivos, os alimentos que consumimos, a microbiota intestinal, um fio condutor que comunica o planeta e suas diferentes espécies, também os seres humanos, por meio da saúde, não da doença.
Um pequeno vírus pode nos ajudar a dar um grande passo à frente para fundar uma nova civilização planetária ecologista, baseada na harmonia com a natureza. Ou, então, podemos continuar vivendo a fantasia do domínio sobre o planeta e continuar avançando até a próxima pandemia. E, por último, até a extinção.
A terra seguirá, conosco ou sem nós.
(EcoDebate, 16/04/2020) publicado pela IHU On-line, parceira editorial da revista eletrônica EcoDebate na socialização da informação.

OS DOIS LADOS DA CIÊNCIA.

Os dois lados da Ciência, artigo de Montserrat Martins


artigo de opinião

[EcoDebate] Ao mesmo tempo em que algumas pessoas morrem, muitas outras se desesperam com o desemprego e o fechamento de locais de trabalho. O que fazer quando acaba o dinheiro pra comida e não há sequer esperança de emprego?
Isolamento social não é cura, é um tempo para equipar o sistema de saúde, mas que ao mesmo tempo desestrutura a sobrevivência das pessoas. A ciência médica recomenda o isolamento, a ciência econômica recomenda o funcionamento do que for possível para evitar a miséria e a fome.
O dilema é imenso, porque as mortes começam a aumentar, até a metade de abril o Brasil perdera mais de 1500 vidas devido ao Covid-19 (chegando a 200 por dia), a grande maioria em SP, e estava perto das 20 mortes no RS.
Por outro lado, nesse mesmo período havia mais de 400 municípios gaúchos sem casos de Coronavírus – porque eles teriam de ter as mesmas restrições que os cerca de 90 municípios contaminados? A China isolou a região onde iniciou a pandemia, o que foi eficaz naquele momento. Não seria mais lógico impedir a circulação de um município para outro, ao invés de fechar o município todo?
Essa hipótese afetaria o “direito de ir e vir”, mas não há precedentes para esse tipo de crise, que gera a maior crise econômica desde 1929. Um município prefere fechar seu comércio ou suas estradas, entrando só os caminhões de abastecimento? No município de Campo Bom o primeiro caso que apareceu (de paciente que viajara ao exterior) foi identificado pela saúde municipal, isolado, e seus parentes não se contaminaram. A ciência poderia ter uma estratégia de controlar essas situações.
Os riscos de fato são grandes, porque as mortes começam a aumentar, até a metade de abril o Brasil perdera mais de 1500 vidas devido ao Covid-19 (chegando a 200 por dia), a grande maioria em SP, e estava perto das 20 mortes no RS.
O fato é que não existe só um drama – o da contaminação e risco de morte pelo vírus – mas dois dramas igualmente graves, porque desemprego e fome também são trágicos. Não existe uma fórmula mágica e o mundo todo vive esse dilema.
A melhor alternativa não depende de só uma ciência, a Medicina, mas de duas, integrada à Economia. Para que funcionem precisam de instrumentos adequados: testagem, rede hospitalar, respiradores, equipes de saúde. Pois se o prejuízo econômico é para a saúde ter tempo de se preparar, a estratégia de saúde tem de ser urgente, para permitir que as pessoas possam ser protegidas enquanto lutam também pela subsistência.
Montserrat Martins, Médico, autor de “Em busca da Alma do Brasil”
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 16/04/2020

BAIXO INVESTIMENTO EM PESQUISA FAZ BRASIL IMPORTAR TESTES PARA COVID-19.

Baixo investimento em pesquisa faz Brasil importar testes para Covid-19


Testes para Covid-19 – Corrida internacional por insumos e equipamentos mostra vulnerabilidade já sentida na rotina clínica

Por Lola Dias

teste coronavírus
Foto: EBC
Em abril, o estado de São Paulo chegou a ter uma fila de mais de 30 mil testes para Covid-19. Essa situação expõe a vulnerabilidade de um país que escolheu nos últimos anos reduzir investimentos em Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I). O Brasil encara a pandemia do novo coronavírus em meio a um cenário de cortes de bolsas de pesquisa, desmoralização das universidades e defasagem tecnológica dos laboratórios.
O Brasil é dependente de outros países para obtenção de equipamentos e reagentes laboratoriais utilizados tanto na pesquisa quanto na rotina clínica. Em março, por exemplo, o Governo Federal encomendou de uma empresa da China 10 mil testes.
A pandemia causou uma corrida internacional por insumos e equipamentos médicos e países mais ricos têm vantagem competitiva. Benisio Ferreira da Silva Filho, coordenador do Curso de Biomedicina do Centro Universitário Internacional Uninter, explica que devido a essa dependência “nós sofremos com os custos e, em caso de emergência como essa que vivemos, precisamos entrar na fila para concorrer com outros países. O fato de o Brasil ser muito grande ajuda a piorar a situação, pois o volume de equipamentos e reagentes é proporcional, ou seja, precisamos de muito”.
Para Filho, o Brasil tem conhecimento e mão de obra qualificada, mas não tem investimento e incentivo, isso faz com que muitos cientistas deixem o país. “Nós somos reconhecidos por nossa excelência científica, tanto é que muitos dos nosso mestres e doutores saem do país e não voltam. Se soubéssemos aproveitar nosso conhecimento e mão de obra, seríamos sim independentes em boa parte da área da saúde, tanto em produção de equipamentos e reagentes, quanto na área de negócios. Poderíamos produzir e vender. Atualmente não produzimos, não vendemos, perdemos pesquisadores e pagamos muito caro por isso”, afirma.
Investimento em pesquisa
Segundo dados da última pesquisa de Indicadores Nacionais de Ciência, Tecnologia e Inovação, de 2018, o Brasil investiu 1,26% do PIB em pesquisa e desenvolvimento (P&D) em 2017. O valor fica bem abaixo de países que lideram a corrida tecnológica – como Coreia do Sul (4,55%), Japão (3,21%), Alemanha (3%), Estados Unidos (2,79%) e China (2,15%).
O biomédico acredita que incentivos como isenção fiscal para empresas seria uma alternativa. “Nosso parque tecnológico poderia dobrar ou triplicar permitindo então crescimento na nossa proteção. Sem investimento em ciência, sempre seremos dependentes”, comenta.
O coordenador destaca que investir em ciência é também investir para que profissionais se dediquem a esse trabalho sem ter que dividir sua vida entre a atividade de pesquisador e outra atividade para complementar sua renda. “A grande maioria dos pesquisadores no Brasil vivem ‘no limite’ da dignidade e esse é um ponto importante para decidir ficar aqui ou ir para fora do país. O Brasil não investe de forma correta na formação do pesquisador, não investe em pesquisa e agora sabe que não tem o que colher, afinal ele não plantou nada. Se continuarmos assim, não sei o que será no futuro”, completa.

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 17/04/2020

A PANDEMIA DE COVID-19 VAI ACELERAR A PASSAGEM DO CENTRO DO MUNDO PARA A ÁSIA.

A pandemia de Covid-19 vai acelerar a passagem do centro do mundo para a Ásia, artigo de José Eustáquio Diniz Alves


“O Mediterrâneo é o oceano do passado.
O Atlântico é o oceano do presente
e o Pacífico, o oceano do futuro”
John Hay, secretário de Estado dos EUA, em 1900
[EcoDebate] O futuro será da Ásia e do Pacífico. Esta frase, tantas vezes repetida, pode estar mais perto da realidade. A suma ironia atual é que a pandemia do novo coronavírus que surgiu e teve o epicentro original na China, pode, indiretamente, ajudar a Ásia a se fortalecer na correlação de forças internacionais e pode acelerar a passagem do centro econômico do mundo para o “continente amarelo”.
No dia 01 de março, a China respondia por 90,3% dos casos de covid-19, a Coreia do Sul por 4,2% e o Japão por 0,3%. Os três países – líderes tecnológicas da economia asiática – juntos respondiam por 94,8% dos casos e por 96,4% das mortes no início de março, como pode ser visto na tabela abaixo.
Mas o quadro mudou completamente com os dados de 15 de abril, quando a China respondia por somente 4% dos casos e 2,5% das mortes, a Coreia do Sul respondia por 0,5% dos casos e 0,2% das mortes globais e o Japão respondia por 0,4% dos casos e 0,1% das mortes. Os 3 juntos respondiam por 4,9% dos casos e 2,8% da mortes ocorridas no mundo.
Número de casos e mortes pela covid-19 no mundo, China, Coreia e Japão: 01/03 e 15/04/20
Tipo e data
Mundo
China
%
Coreia
%
Japão
%
3 Ásia
%
Casos 01/03
88.585
80.026
90,3
3.736
4,2
256
0,3
84.018
94,8
Mortes 01/03
3.050
2.912
95,5
21
0,7
6
0,2
2.939
96,4
Casos 15/04
2.070.000
82.295
4,0
10.591
0,5
8.100
0,4
100.986
4,9
Mortes 15/04
132.000
3.342
2,5
225
0,2
146
0,1
3.713
2,8
No mesmo dia 15 de abril, os 5 maiores países ocidentais do G-7 (EUA, Alemanha, França, Reino Unido e Itália) mais a Espanha tinham, em conjunto 1,36 milhões de casos (representando 65,8% do total global) e 102,3 mil mortes (representando 76,4% do total das mortes globais).
Isto quer dizer que a pandemia de covid-19 impactou de maneira muito mais forte a Europa e a América do Norte e estes países ocidentais vão sofrer os maiores custos do surto do novo coronavírus e, pelo visto, vão demorar mais tempo para controlar a epidemia e para reativar a economia. Ou seja, quando a China e boa parte da Ásia começam a voltar à produção econômica, os países do Oeste ainda estão paralisados e em quarentena.
Uma primeira avaliação global sobre o impacto econômico da pandemia foi feita pelo FMI, que divulgou o relatório WEO em 14 de abril de 2020. A tabela abaixo resume o comportamento do PIB do mundo, regiões e alguns países. O FMI considera que a depressão de 2020 apresentará a maior contração anual da história do capitalismo. Mas o Fundo também considera que haverá uma rápida recuperação em 2021. Evidentemente, não existe nenhuma certeza sobre estes números e provavelmente a crise da pandemia de covid-19 será maior do que o FMI imagina.
Contudo, os dados apresentados no WEO são úteis para uma primeira avaliação da dinâmica internacional entre os países. A tabela abaixo mostra que o PIB mundial subiu 2,9% em 2019, vai cair 3% em 2020 e pode recuperar (na visão otimista do FMI) para a taxa de 5,8% em 2021. Assim, a média dos dois anos (2020 + 2021) ficaria em 2,8% que é próxima do valor de 2019.
Mas entre regiões e países a situação é diferenciada. Nas economias avançadas (países ricos e desenvolvidos) a soma do crescimento do PIB de 2020 e 2021 será de -1,6%, valor muito menor do que o valor de 1,7% de 2019. Esta situação se repete para os demais países ocidentais, como os EUA que deve ter uma queda do PIB de -1,2% na média de 2020+2021. A América Latina e Caribe (ALC) também vão ter péssimo desempenho, sendo que o Brasil e o México vão ficar no vermelho nos dois anos: -2,4% e -3,6% respectivamente.
A África Subsaariana deve manter um crescimento perto do valor de 2019 (mas tem que se considerar que um crescimento do PIB de 2,5% na África é pequeno, pois o crescimento populacional é muito alto).
Em contraste, a Ásia emergente deve manter um crescimento de 1% em 2020 e ter uma recuperação extraordinária em 2021 com 8,5%. China deve somar 10,4% e Índia 9,3% de crescimento do PIB, na soma de 2020 e 2021. Isto quer dizer que a distância de desempenho entre as economia avançadas e a Ásia emergente deve se alargar.
variação anual do PIB no mundo
Assim, a profunda crise que está ocorrendo nos países ocidentais, vai elevar o desemprego e a pobreza, além de aumentar o déficit púbico e a dívida pública, dificultando a retomada dos investimentos e a recuperação da economia. Enquanto o Ocidente vai conviver com suas mazelas, o Oriente – mesmo com todas as dificuldades – vai iniciar com antecedência uma recuperação econômica e poderá retomar altas taxas de crescimento do PIB na dianteira do resto do mundo
A consequência geopolítica destes números é que o centro de gravidade econômico do mundo vai se deslocar com mais força e intensidade em direção à Ásia e, em especial, em direção à Índia e ao triângulo estratégico formado por China, Índia e Rússia.
Como mostrei em outro artigo (Alves, 18/03/2019), no passado, o centro econômico do mundo ficava na Ásia Central, ao norte da Índia e a oeste da China, refletindo os avanços civilizacionais desfrutados no Oriente Médio e Extremo Oriente. Até 1820, a Ásia respondia por dois terços da riqueza mundial, mas foi superada rapidamente pelo Ocidente graças à Colonização da América e à Revolução Industrial e Energética que garantiu a riqueza e o poderio da Europa e dos Estados Unidos.
Em 1900, o centro econômico havia mudado para o norte da Europa, que deu um salto muito à frente do resto do mundo durante o século XIX. Na primeira metade do século XX até 1950, o centro mudou para o Atlântico Norte, refletindo a ascensão econômica e populacional dos Estados Unidos, como mostra o relatório “Urban world: Cities and the rise of the consuming class”, do McKinsey Global Institute (Junho de 2012).
Mas o relatório também mostra que a tendência de Ocidentalização do mundo deu um “cavalo de pau” em meados do século passado, voltou a se direcionar para o norte da Europa e agora essa tendência está se direcionando para o Oriente, em uma velocidade impressionante. O que levou séculos para se deslocar para o oeste, desde as Grandes Navegações iniciadas por Cristóvão Colombo em 1492, agora faz o caminho de volta para o leste em questão de décadas.
centro de gravidade econômico da Terra
A McKinsey calculou onde o centro econômico ponderando o PIB nacional pelo centro geográfico de gravidade de cada país. O relatório liga a grande mudança na economia global à tendência de urbanização, observando que as economias em rápido crescimento sempre têm cidades em rápido desenvolvimento. Até 2025, prevê o relatório, dois terços do crescimento econômico mundial virão de um grupo de 600 cidades, sendo 440 delas em países em desenvolvimento. Por exemplo, o crescimento urbano da China está ocorrendo 10 vezes mais rápido do que a urbanização no Reino Unido, o primeiro país a se industrializar. A China está criando megacidades (população de 10 milhões ou mais) a uma taxa de uma por ano.
De acordo com o relatório da McKinsey, o centro de gravidade econômico vem mudando para leste na última década a uma taxa de 140 km por ano e, em 2025, terá retornado a um lugar na Ásia central, ao norte de onde foi no ano 1.000 DC. “Não é uma hipérbole dizer que estamos observando a mudança mais significativa no centro de gravidade econômico da Terra na história”, conclui o relatório.
Ou seja, o estudo da McKinsey indica uma mudança geoeconômica do mundo e fica cada vez mais atual. Nas estimativas do FMI a China vai crescer 10,4% e os EUA vão diminuir -1,2% no agregado de 2020 e 2021. É a maior diferença entre os dois líderes globais em décadas. A China já é líder na Revolução 4.0 e está na frente na tecnologia 5G que vai ser fundamental no mundo pós-coronavírus. Enfim, uma consequência não antecipada da pandemia de covid-19 pode ser reforçar a tendência de deslocamento do centro de gravidade econômico global com maior velocidade para o Leste.
José Eustáquio Diniz Alves
Colunista do EcoDebate.
Doutor em demografia, link do CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/2003298427606382