É crucial alimentar um mundo em crescimento sem destruir o planeta do qual dependemos
Alimentação, agricultura e o destino do planeta Terra
“O crucial para o nosso futuro é encontrar formas de alimentar um mundo em crescimento sem, em última instância, destruir o planeta do qual dependemos”, escreve Jonathan Foley, cientista ambiental estadunidense, especialista em sustentabilidade, em artigo publicado por Rebelión, 15-04-2021. A tradução é do Cepat.
Eis o artigo.
A agricultura perturbou o planeta mais do que qualquer coisa que já tenhamos feito, inclusive queimar combustíveis fósseis. Um futuro sustentável depende de reconhecermos este fato e de mudarmos radicalmente o modo como cultivamos e nos alimentamos.
Os primeiros humanos não cultivavam a terra para conseguir alimentos, eram caçadores-coletores que viviam do que encontravam ao seu redor – Jonathan Foley
Mais do que qualquer outra invenção na história da humanidade, a agricultura transformou radicalmente nossa civilização e nossa relação com o mundo natural.
Como chegamos a este ponto?
Os primeiros humanos não cultivavam a terra para conseguir alimentos, eram caçadores-coletores que viviam do que encontravam ao seu redor. Mas a partir de modestos inícios, há aproximadamente 12.000 anos, começaram a surgir formas primitivas de agricultura por todo o mundo, principalmente na Mesopotâmia, Índia e China. Durante os séculos e milênios seguintes, a agricultura se estendeu lentamente por todo o mundo, transformando paisagens, economias e culturas pelo caminho.
Durante a maior parte da história, a nossa produção de alimentos aumentou principalmente expandindo a quantidade de terra em produção. No século XX, grandes áreas de terras agrícolas foram estabelecidas por todo o mundo, formando os “celeiros” que conhecemos hoje.
Mas a partir dos anos 1960, fomos testemunhas de uma mudança drástica na maneira como cultivamos na forma da chamada Revolução Verde, que mobilizou métodos agrícolas industriais, que renderam maiores safras em cada faixa de terra, impulsionada por variedades de cultivos melhoradas e um grande aumento do uso de fertilizantes, irrigação e máquinas. Como resultado, a agricultura mundial passou de um longo período de expansão geográfica a um período de intensificação industrial. A agricultura nunca mais seria a mesma.
A agricultura permitiu transformar as sociedades de caçadores-coletores em assentamentos primitivos, em cidades e finalmente em nossa sociedade global moderna – Jonathan Foley
Em muitos sentidos, a história da agricultura e os alimentos foi uma história de sucesso, ao menos à primeira vista. A agricultura permitiu transformar as sociedades de caçadores-coletores em assentamentos primitivos, em cidades e finalmente em nossa sociedade global moderna. Vivemos mais tempo, temos vidas mais saudáveis e uma grande parte da população mundial se libertou de colher alimentos para se dedicar a outras atividades. O sucesso de nossa espécie se deve, em parte, ao sucesso da agricultura e do sistema alimentar.
Mas este sucesso teve um preço. Um preço muito alto.
Nosso sistema alimentar é agora tão grande e tão insustentável que está colocando em perigo o sistema ambiental que o sustenta.
Embora normalmente pensamos em canos de escapes, chaminés e fábricas gigantes como os maiores causadores de danos ambientais em todo o mundo, ocorre que a agricultura é a causa principal.
Não acredita em mim?
Primeiro, considere o tamanho da pegada geográfica da agricultura.
Atualmente, aproximadamente 16 milhões de quilômetros quadrados de áreas na Terra, ou uma área aproximadamente do tamanho da América do Sul, é utilizada para cultivar. E outros 34 milhões de quilômetros quadrados, uma área mais ou menos do tamanho de África, é utilizada para pastagens e pastoreio.
A produção animal e a nossa avidez por carne e produtos lácteos são as principais impulsionadoras da pegada alimentar em todo o mundo – Jonathan Foley
Juntas, estas áreas agrícolas cobrem aproximadamente 37% da superfície terrestre livre do gelo do planeta. As áreas urbanas do mundo, em comparação, cobrem aproximadamente 1%. Nenhuma outra atividade humana pode igualar a pegada geográfica da agricultura.
A maioria das pessoas se surpreende ao tomar consciência de que a maior parte desta terra é utilizada para criar e alimentar animais. Aproximadamente 75% da terra agrícola do mundo é utilizada para animais de pasto ou para produzir alimento para animais. Como resultado, a produção animal e a nossa avidez por carne e produtos lácteos são as principais impulsionadoras da pegada alimentar em todo o mundo.
Na medida em que as áreas agrícolas foram ampliadas, limparam e modificaram vastas áreas naturais de prados, savanas e florestas em seu rastro. Esta conversão de paisagens naturais em agrícolas causou uma perda enorme de habitats em todo o mundo e a extinção de inumeráveis espécies.
O uso de água para a agricultura ocasionou o colapso de rios, lagos e até mesmo de mares por todo o planeta – Jonathan Foley
Atualmente, alguns ecossistemas inteiros, como as pradarias da América do Norte e as matas tropicais atlânticas do Brasil, quase desapareceram, substituídas quase totalmente por terras agrícolas, e outros estão sendo devastados em um ritmo alarmante. A agricultura consumiu mais terras e habitats e levou mais espécies à extinção do que qualquer outra atividade humana na história. Nada pode ser comparado.
A agricultura também tem um impacto tremendo nas fontes de água de nosso planeta. A agricultura é responsável por quase 70% de todas as captações de água do mundo (aproximadamente 2.800 quilômetros cúbicos de água por ano), com a retirada de água doce dos aquíferos, rios e lagos. Se falamos em consumo de água, quando a água é extraída, mas não é devolvida à mesma bacia, este número sobe para quase 85%.
O uso de água para a agricultura ocasionou o colapso de rios, lagos e até mesmo de mares por todo o planeta. O rio Colorado, por exemplo, chega poucas vezes ao oceano, hoje em dia. O mar de Aral, na ex-União Soviética, quase desapareceu desde que suas principais fontes de água foram desviadas para cultivar algodão nos desertos da Ásia Central.
A agricultura industrial também tem sido uma importante fonte de poluição por todo o mundo. Talvez o impacto mais óbvio venha do uso de fertilizantes químicos. Atualmente, o uso de fertilizantes é tão alto que quase duplicou os fluxos geológicos normais de nitrogênio e fósforo em toda a superfície da Terra.
O excesso de nitrogênio e fósforo poluiu vias fluviais em todo o mundo, enchendo-as com o crescimento excessivo de plantas e algas – Jonathan Foley
Mas o maior impacto não se vê no solo, mas nas águas de nosso planeta. O excesso de nitrogênio e fósforo poluiu vias fluviais em todo o mundo, enchendo-as com o crescimento excessivo de plantas e algas, e pode degradar gravemente lagos, bacias hidrográficas inteiras e até mesmo áreas costeiras de nossos mares.
Por exemplo, a “zona morta” do Golfo do México é causada pelos escoamentos de fertilizantes de fazendas Meio-Oeste, transportados pelo rio Mississippi até o mar. Outras “zonas mortas” aparecem em quase todas as áreas costeiras afetada pela agricultura industrial.
O desmatamento, utilizado principalmente para converter florestas em áreas de cultivo e pastagens, é uma grande fonte de dióxido de carbono (CO2). Outras práticas agrícolas, particularmente a pecuária e o cultivo de arroz, são grandes emissoras de metano (CH4) na atmosfera, um poderoso gás do efeito estufa. E o uso excessivo de fertilizantes e estercos podem emitir óxido nitroso (N20) dos solos agrícolas do mundo, outro poderoso gás do efeito estufa na atmosfera.
Em conjunto, as práticas agrícolas e o uso da terra liberam diretamente cerca de 24% das emissões totais de gases do efeito estufa do mundo, tornando-se a segunda maior fonte de gases do efeito estufa na atmosfera. (Em comparação, produzir toda a eletricidade no mundo emite cerca de 25%). Sendo assim, se você deseja abordar a mudança climática, repensar a agricultura deve estar em algum lugar perto do topo da lista.
Essas são emissões diretas da alimentação, da agricultura e do uso da terra. Mas ocorre que o sistema alimentar em sua totalidade, incluindo o transporte, o empacotamento, a refrigeração e o cozimento dos alimentos, emite ainda mais. Um estudo recente, publicado na revista Nature, mostra que o sistema alimentar mais amplo é responsável por quase um terço das emissões globais, quando também são incluídas estas emissões indiretas.
Sem dúvida, a maneira como cultivamos os alimentos do mundo está provocando um grave impacto no meio ambiente – Jonathan Foley
Sem dúvida, a maneira como cultivamos os alimentos do mundo está provocando um grave impacto no meio ambiente. Utiliza mais terra do que qualquer outra coisa que fazemos. É o maior fator de extinção de espécies e da degradação dos ecossistemas. Também de consumo e poluição da água no planeta. E é um dos maiores contribuintes para a mudança climática no mundo.
Os números falam por si mesmos. O sistema agrícola e alimentar do mundo:
– Utiliza de 35 a 40% de toda a superfície do mundo (e 75% disso é para criar animais ou para a comida que eles comem);
– É a maior causa da perda de habitats e o declínio de espécies na história da humanidade;
– É responsável por cerca de 70% das captações totais de água no mundo e por cerca de 85% de nosso consumo global de água;
– É a maior fonte de poluição da água, especialmente na forma de escoamentos de nitrogênio e fósforo para ecossistemas aquáticos e regiões costeiras;
– É uma das maiores fontes de gases do efeito estufa, provocando cerca de 24% de nossas emissões diretamente ou de 35% delas quando incluímos as emissões indiretas do sistema alimentar mais amplo.
E, no entanto, todos nós precisamos comer. Não podemos simplesmente deter a agricultura em prol do meio ambiente.
Produzir alimentos talvez seja uma das atividades mais importantes – e absolutamente necessária – realizada pelos humanos. Sem isso, literalmente, deixaríamos de existir como civilização. E a necessidade de alimentos está crescendo na medida em que a população continua aumentando e mais pessoas mudam para dietas ricas em carne.
O crucial para o nosso futuro é encontrar formas de alimentar um mundo em crescimento sem, em última instância, destruir o planeta do qual dependemos.
(EcoDebate, 16/04/2021) publicado pela IHU On-line, parceira editorial da revista eletrônica EcoDebate na socialização da informação.
[IHU On-line é publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos Unisinos, em São Leopoldo, RS.]