Bônus demográfico: os países enriquecem antes de envelhecer, artigo de José Eustáquio Diniz Alves
O que cabe destacar é que toda nação de alta renda e alto IDH (acima de 0,850), sem exceção, passou pela transição demográfica e enriqueceu antes de envelhecer
Durante a maior parte da história da humanidade as taxas de mortalidade e natalidade eram altas, a estrutura etária era jovem e as condições de vida eram precárias para a maior parte das populações de todos os países.
Mas após a Revolução Industrial e Energética a produção de bens e serviços aumentou, a medicina e a higiene avançaram, o acesso aos bens de subsistências e aos alimentos foi melhorando ao longo das décadas, e, em consequência, a expectativa de vida ao nascer aumentou extraordinariamente, em especial, no século XXI. Com a queda da mortalidade infantil e o avanço dos direitos de cidadania, as taxas de natalidade também começaram a cair e isto gera, necessariamente, uma mudança na estrutura etária.
Nas primeiras décadas após o início da transição da fecundidade, cresce a parte central da pirâmide etária, aumentando o percentual de pessoas em idade ativa e diminuindo o percentual de pessoas dependentes (fenômeno conhecido como 1º bônus demográfico). Desta forma, em um processo de retroalimentação, o desenvolvimento econômico contribui para o avanço da transição demográfica e o bônus demográfico contribuiu para a decolagem do desenvolvimento.
Portanto, a história mostra que os países que enriqueceram (conseguem alto nível de renda e elevados índices de desenvolvimento humano) são aqueles que passaram pela transição demográfica e aproveitaram os benefícios do 1º bônus demográfico. O gráfico abaixo indica que, entre 169 países, todos aqueles que atingiram uma renda per capita acima de US$ 30 mil tinham idade mediana acima de 35 anos (as únicas 3 exceções são Arábia Saudita, Bahrain e Brunei que são grandes produtores e exportadores de petróleo). Os países enriqueceram concomitantemente à mudança da estrutura etária, mas antes de envelhecer de fato.
A reta de tendência do gráfico mostra que existe uma correlação positiva entre renda per capita (em termos constantes e em poder de paridade de compra – ppp) e a idade mediana. Em 1980, a renda per capita média mundial estava em torno de US$ 11 mil e a idade mediana em 23 anos e todos os países ricos tinham idade mediana acima de 25 anos. Nos últimos 42 anos, a renda e a idade mediana aumentaram e a relação entre as duas variáveis ficou ainda mais forte. Os países ficam ricos enquanto a estrutura etária envelhece, mas precisam atingir o nível de alta renda antes de chegar a uma sociedade plenamente envelhecida.
Os países muito pobres – abaixo de US$ 5 mil (em poder de paridade de compra – ppp) possuem uma estrutura etária jovem, com idade mediana abaixo de 25 anos. Já os países de renda média baixa (de US$ 5 mil a US$ 15 mil) e renda média alta (de US$ 15 mil a US$ 30 mil) apresentam uma maior variabilidade da idade mediana. Provavelmente alguns vão conseguir passar para o clube dos países ricos (acima de US$ 30 mil), mas outros podem ficar presos à armadilha da renda média.
O que cabe destacar é que toda nação de alta renda e alto IDH (acima de 0,850), sem exceção, passou pela transição demográfica e enriqueceu antes de envelhecer.
O Japão, por exemplo, é o país mais envelhecido do mundo (com idade mediana de 50 anos em 2022) e possui uma renda per capita elevada, acima de US$ 40 mil. O Japão saiu derrotado e destroçado após a Segunda Guerra Mundial (e foi o único país do mundo a sofrer ataque de bombas atômicas). Mas com poucos recursos naturais, uma população pobre e muitas dificuldades no pós-Guerra, os japoneses conseguiram aproveitar o 1º bônus demográfico e, entre 1945 e 1990 se tornou um país rico. Nas últimas décadas, o Japão tem se destacado como o país com a estrutura etária mais envelhecida e uma renda mais ou menos estagnada. Porém, o Japão enriqueceu antes de envelhecer e atualmente administra uma população com elevado padrão de vida.
Já a Bósnia e Herzegovina tem uma renda per capita de US$ 14,9 mil em 2022 e uma idade mediana de 44,7 anos. O país já está nas fases finais do 1º bônus demográfico e só conseguirá dar o salto para o clube dos países ricos se aproveitar o 2º bônus demográfico (que implica em aumento da produtividade do trabalho) e também o 3º bônus demográfico (que implica em maiores taxas de atividade no mercado de trabalho da população idosa). Se envelhecer antes de enriquecer pode ficar eternamente preso à armadilha da renda média.
O Brasil tem uma renda per capita de US$ 14,7 mil em 2022 e uma idade mediana de 35,6 anos. Desta forma, o país ainda tem algum tempo para aproveitar o 1º bônus demográfico (em torno de 15 anos). Juntamente com o aproveitamento dos outros dois bônus, pode aproveitar as próximas três décadas para dar o salto para o clube dos países ricos. O tempo é curto e o Brasil vai ser uma sociedade completamente envelhecida na segunda metade do século XXI. Se os brasileiros não derem um salto na renda até 2050, podem nunca alcançar o clube dos países ricos, envelhecendo antes de enriquecer.
José Eustáquio Diniz Alves
Doutor em demografia, link do CV Lattes:
http://lattes.cnpq.br/2003298427606382
Referência:
ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século XXI (com a colaboração de GALIZA, F), ENS, maio de 2022
https://ens.edu.br:81/arquivos/Livro%20Demografia%20e%20Economia_digital_2.pdf
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 01/08/2022