quarta-feira, 29 de novembro de 2017

AQUECIMENTO GLOBAL : TARDE DEMAIS PARA 3º C?

Aquecimento Global: Tarde demais para 3º C?


Jornal da Unicamp
Texto LUIZ MARQUES
Fotos Reprodução | Marco Vancini | tbglobalist.com
Edição de imagem LUIS PAULO SILVA
As diversas projeções de aumento das temperaturas médias superficiais terrestres e marítimas combinadas até 2100 (em relação ao período pré-industrial) confluem, com pequenas discrepâncias, para quatro cenários.
(1) Cenário de base, segundo o IPCC AR5 Working Group III (2014). Mantido o nível atual das emissões de CO2-eq (53,4 bilhões de toneladas ou Gt em 2016), atingiremos em 2100 um aquecimento médio global superficial entre 4,1º C e 4,8º C. Um cenário de aquecimento médio de 4º C leva o planeta à maior temperatura em trinta milhões de anos, aumentos de 6º C ou mais nas médias mensais no verão em algumas regiões do planeta, ondas de calor extremo em quase todos os verões em muitas regiões, secas em 40% da superfície habitada da Terra e extinção de metade das espécies conhecidas. Trata-se de um aquecimento considerado “além da adaptação”, com indubitáveis ameaças existenciais à espécie humana [1].
(2) Cenário resultante das políticas atuais de redução dessas emissões, ainda muito aquém do que foi prometido pelos signatários do Acordo de Paris. Este cenário conduz a um aquecimento médio global de 3,4º C (3,1º C a 3,7º C).
(3) Cenário resultante do cumprimento das promessas nacionais de redução das emissões (NDCs) firmadas em Paris. Se cumpridas nos termos atuais, essas promessas implicam um aquecimento médio global de 2,6º C a 3,2º C.
Os cenários 2 e 3 situam o aquecimento médio superficial do planeta entre 2,6º C e 3,7º C acima do período pré-industrial. Um aquecimento maior que 3o C é em geral definido como “catastrófico” [2]. Segundo o que se depreende da paleoclimatologia do Plioceno (5 a 2 milhões de anos AP) e em conformidade com os modelos climáticos, um aquecimento global médio em torno de 3o C implica uma elevação média de 25 a 35 metros do nível do mar e, possivelmente, um estado de permanente El Niño [3]. Implica ainda o desaparecimento das florestas tropicais e a conversão em savana do que resta da floresta amazônica, pela ação conjugada de secas e incêndios, com liberação suplementar de CO2 na atmosfera. Além disso, +3º C circa nos leva, provavelmente, segundo as palavras de James Hansen em 2007, ao “precipício de um grande ponto crítico”, além do qual há alta probabilidade de uma transição para temperaturas médias ainda mais elevadas, por força de mecanismos de retroalimentação independentes da ação humana [4].
(4) Finalmente, o cenário consistente com aumentos inferiores a 2o C supõe não apenas sucessivos aumentos das ambições do Acordo de Paris, mas também emissões negativas graças a alguma forma (ainda não testada em escala e com efeitos colaterais imponderáveis) de engenharia de sequestro de carbono da atmosfera.
A figura 1 sintetiza esses quatro cenários de emissões de gases de efeito estufa (GEE) e de seus respectivos impactos na evolução do aquecimento médio global até 2100.

Foto: Reprodução
Figura 1 – Histórico e projeções de aquecimento médio global superficial até 2100 | Fonte: Climate Action Tracker

Deixo de fora o primeiro cenário, diante do qual nada restaria a fazer. Excluo também o segundo, na esperança de que as próximas COPs, e sobretudo a pressão popular, conseguirão obter avanços, por insuficientes que sejam, no cumprimento das promessas feitas em Paris. Trataremos aqui apenas do terceiro e do quarto cenários.
Comecemos por indagar se o terceiro cenário – um aquecimento médio planetário entre 2,6º C e 3,2º C – pode ser ainda considerado como realista. Uma resposta positiva pressupõe duas condições, ambas não satisfeitas: (1) a colaboração ativa dos EUA, o segundo maior poluidor do planeta (14,4% das emissões mundiais em 2016), no Acordo de Paris; (2) o cumprimento das reduções prometidas pelas demais 9 Partes mais poluidoras, responsáveis por quase 75% das emissões mundiais: China (27%), União Europeia (9,7%), Índia (6,6%), Rússia (5%), Japão (3,1%), Brasil (2,3%), Indonésia (1,7%), Canadá (1,7%) e México (1,7%) [5].
Se os EUA não retornarem ao Acordo de Paris em 2020 e se a Rússia e demais grandes países petroleiros, como o Iraque, o Irã e o Kuwait, não o ratificarem, manter o aquecimento médio global abaixo de 3o C tornar-se-á, com toda a probabilidade, uma meta inatingível nos prazos draconianos impostos pelas dinâmicas em aceleração do aquecimento global. Mesmo assim, não é ainda o caso de avançar uma resposta definitivamente negativa para essa questão. Tudo ainda depende do volume de gases de efeito estufa lançados na atmosfera nos próximos anos. Em outras palavras, a resposta a essa questão depende do comportamento futuro, sempre imprevisível, das sociedades.
Passemos ao quarto cenário, que implica um aquecimento médio global inferior a 2º C. Se é ainda impossível avançar uma resposta segura sobre a plausibilidade do terceiro cenário (+3º C), é possível já excluir um aquecimento médio global inferior a 2º C. Em primeiro lugar porque já estamos condenados a esse nível de aquecimento. Mesmo que não emitíssemos mais nenhum grama de gases de efeito estufa a partir de hoje, as emissões passadas já desencadearam um aquecimento inercial futuro, capaz por si só de nos conduzir ao limiar dos 2o C acima do período pré-industrial [6]. Além disso, a figura abaixo, já por mim reportada num artigo do Jornal da Unicamp de 25 de setembro passado [7], mostra quão radical deve ser doravante a redução das emissões antropogênicas de GEE para se manter um aquecimento médio global inferior a 2o C até 2100.

Foto: Reprodução
Figura 2 – Datas iniciais e finais de redução a zero das emissões atmosféricas de CO2 | Fonte: Christiana Figueres, Hans Joachim Schellnhuber, Gail Whiteman, Johan Rockström, Anthony Hobley & Stefan Rahmstorf, “Three years to safeguard our climate”, Nature, 28/VI/2017, a partir de dados do The Global Carbon Project.

Um aquecimento abaixo de 2º C suporia, dependendo da probabilidade escolhida, emissões futuras limitadas a uma faixa entre 150 e 1.050 GtCO2. Os autores desse gráfico [8] trabalham com a média aritmética desses dois valores (600 GtCO2). Como se vê, atingido esse teto, as emissões sucessivas deveriam estar e permanecer zeradas. Assim, se tivéssemos iniciado a curva de redução em 2016, teríamos até 2045 para zerá-las definitivamente. Se iniciarmos o lado declinante dessa curva em 2020, nosso prazo se encurta para 2040. E se iniciarmos a queda em 2025, a data limite torna-se 2035.
Uma impossibilidade sociofísica
Segundo um trabalho recente, manter o aquecimento planetário abaixo de 2º C não seria ainda uma “impossibilidade geofísica” [9]. Se essa tese estiver correta, ela significa que, na dinâmica do aquecimento global, os mecanismos de retroalimentação positiva não se tornaram ainda decisivos, o que significa que a ação mitigatória humana é ainda mestra do jogo. Essa é a boa notícia.
A má notícia é que, dado o poder atual das corporações de impor à humanidade seus paradigmas, visão do mundo e planos de negócios, um aquecimento médio global inferior a 2º C é uma impossibilidade sociofísica. Uma conversão à sustentabilidade na escala e rapidez necessária requereria a desmontagem imediata dos paradigmas fundamentais de energia, mobilidade e alimentação sobre os quais se assenta nossa civilização termo-fóssil. Concretamente, isso suporia: cessar toda exploração de combustíveis fósseis, descontinuar a produção de veículos não elétricos, devolver aos rios seu fluxo natural, atingir o desmatamento zero, restaurar em grande escala as florestas com espécies nativas, descontinuar a produção de plástico, inclusive como parte de uma estratégia de proteção das espécies marítimas, diminuir de modo radical o carnivorismo (mantido apenas nas comunidades tradicionais que dependem do gado para a subsistência), descontinuar o uso de agrotóxicos e de fertilizantes químicos, protegendo da crescente intoxicação química dos organismos os solos, a água e a biosfera em geral, diminuir ao máximo o comércio global, em particular diminuir a distância entre a produção e o consumo de produtos agrícolas. E tudo isso no intervalo máximo de duas décadas.
Esse conjunto de medidas, malgrado parecerem inexequíveis e absurdas à ideologia suicida que governa o mundo, trariam benefícios duradouros para a humanidade e para a biosfera em geral. E embora impliquem diminuir drasticamente os padrões atuais de consumo das classes com maior acesso ao mercado global, evitariam ou amenizariam males incomparavelmente maiores, inclusive para essas classes.
Mas na ausência de forças sociais e políticas capazes de criar consenso sobre a necessidade imperiosa e impreterível de uma tal ruptura civilizacional, as tendências observadas apontam para outra direção num futuro previsível. Segundo estimativas do The Global Carbon Project (GCP), em 2017 as emissões atmosféricas exclusivamente de CO2 (sem contabilizar os demais GEE) devem ainda aumentar em 2% (+0,8% a +3%) em relação a 2016[10]. A figura 3 mostra que esse aumento se integra perfeitamente na linha ascendente quase ininterrupta das emissões de CO2 a partir da queima de combustíveis fósseis desde 1959.

Foto: Reprodução
Figura 3 – Emissões globais de CO2 a partir apenas da queima de combustíveis fósseis (1959-2017), segundo dados do Global Carbon Budget | Fonte: Gráfico de Damian Carrington, “Fossil fuel burning set to hit record high in 2017, scientists warn”. The Guardian, 13/XI/2017

Outro parâmetro que permite avaliar quão distantes estamos das metas climáticas é o aumento requerido do fornecimento de energia elétrica por fontes renováveis. Para atingi-las, os países ricos deveriam doravante acrescentar 300 kWh/ano per capita todos os anos em energias renováveis. A Suécia e Dinamarca estão acrescentando pouco mais de 50%, os demais países ricos, apenas entre 40% (Portugal, Espanha e Alemanha) e 20% (Reino Unido, EUA, França e Japão) desse montante, como mostra a figura 4.

Foto: Reprodução
Figura 4 – Aumento médio anual da geração de energia elétrica (kWh/ano per capita) por fontes renováveis | Fonte: Michael Le Page, “The Green revolution is stalling”. New Scientist, 5/VIII/2017, pp. 22-23.

A contribuição do Brasil para a aceleração da trajetória de colapso
O presente ano será, provavelmente, o ano sem o efeito El Niño mais quente dos registros históricos e está entre os três mais quentes no que se refere às temperaturas oceânicas superficiais. A Organização Meteorológica Mundial informa também que em 2017 partes da Europa meridional, incluindo a Itália, a África do Norte e porções ao leste e ao sul deste continente, bem como a parte asiática da Rússia atingiram as temperaturas mais elevadas até hoje registradas. Além disso, o gelo do Oceano Ártico atingiu o recorde histórico de encolhimento nos primeiros quatro meses do presente ano.
É claro, o fato mais espetacular de 2017 no âmbito socioambiental ocorreu em 1º de junho, quando os EUA declararam sua intenção de se retirar do Acordo de Paris, inviabilizando a plena implementação de suas metas. Os demais grandes poluidores não parecem capazes de compensar a defecção dos EUA. A China, por exemplo, aumentou suas emissões de CO2em 3,5% em 2017 em relação a 2016. A Alemanha, anfitriã da COP23 e maior emissora da Europa, continua a abrir novas minas de carvão e já é praticamente certo que não atingirá suas metas de 2020 de redução de suas emissões de GEE, o que a distanciará ainda mais de suas metas de 2030 e de 2050. Emitiu 902 Mt de CO2 em 2015, 906 Mt em 2016 (+0,4%) e em 2017 suas emissões devem crescer mais de 1% em relação a 2016 [11].
Nesse contexto, o Brasil faz figura de campeão do retrocesso. Dados do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG), do Observatório do Clima, mostram que em 2016 as emissões do país aumentaram 8,9%, atingindo 2,278 GtCO2-eq contra 2,091 GtCO2-eq em 2015, conforme mostra a figura 5.

Foto: Reprodução
Figura 5 – Emissões totais de GEE do Brasil entre 1990 e 2016 | Fonte: Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG), Observatório do Clima.

Como afirma o SEEG, “em 2015 e 2016, a elevação acumulada das emissões foi de 12,3%, contra um tombo acumulado de 7,4 pontos no PIB, que recuou 3,8% em 2015 e 3,6% em 2016. O Brasil se torna, assim, a única grande economia do mundo a aumentar a poluição sem gerar riqueza para sua sociedade” [12]. O desmatamento e a pecuária, dois processos indissociáveis do agronegócio, forneceram 74% dessas emissões em 2016. Tendo lançado na atmosfera mais de 2 GtCO2-eq, o Brasil ocupa, como visto acima, o sétimo lugar entre os países mais emissores de GEE no mundo. “Se fosse um país”, continua o comunicado do SEEG, “o agronegócio brasileiro seria o oitavo maior poluidor do planeta, com emissões brutas de 1,6 bilhão de toneladas (acima do Japão, com 1,3 bilhão). Entre 1990 e 2016, o setor de uso da terra no Brasil emitiu mais de 50 bilhões de toneladas de CO2e, o equivalente a um ano de emissões mundiais”.
Por fim, para jogar mais petróleo na fornalha do aquecimento global, o governo de Michel Temer, pelo decreto 9.128/2017 (18 de agosto de 2017), prorrogou até 2040 o Repetro, o regime de isenções fiscais para a importação de equipamentos destinados à indústria do petróleo, criado em 1999 (e com prazo para acabar em 2019). Com a renovação, também os insumos para essa indústria fabricados no Brasil ficarão doravante isentos de tributos [13]. Além disso, através da MP 795/2017, aprovada em comissão mista especial em outubro passado, o governo propôs a isenção de imposto de renda e da Contibuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) para as empresas internacionais envolvidas nas atividades de exploração, desenvolvimento e produção de petróleo e gás natural [14].
Os quase 800 mil km2 da floresta amazônica brasileira completamente eliminados desde 1970, sobretudo pelo agronegócio, os 100 mil km2 de pastos degradados que se substituíram a essa floresta (INPE) e todo o mal causado ao sistema climático do planeta não trouxeram nenhum benefício à sociedade brasileira do ponto de vista do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). E nem mesmo um aumento do PIB. Segundo um estudo coordenado por Paulo Barreto, do IMAZON, apresentado na COP23 em Bonn, “o aumento da área desmatada na Amazônia acrescentou, em média, apenas 0,013% por ano ao PIB brasileiro na última década” [15].
A catástrofe climática e a descrença na ciência
Seria fácil acrescentar muitos outros dados convergentes, no Brasil e no mundo, a demonstrar que o Acordo de Paris e as políticas atuais e previstas de redução das emissões dos GEE estão conduzindo o planeta a um aquecimento médio global superior a 2º C acima do período pré-industrial,  limite considerado muito perigoso e que será provavelmente ultrapassado já na primeira metade deste século.
Mas a essa altura surge, inevitável, a pergunta: por que, malgrado a avalanche de dados, observações, projeções e advertências de parte da comunidade científica nos últimos decênios, continuamos a nos enganar? Por que, quando atravessamos uma ponte ou quando tomamos um avião, confiamos no saber da ciência sobre as leis fundamentais da física, mas secretamente duvidamos dele ou, em todo o caso, agimos como se dele duvidássemos, quando esse saber mede e projeta, com probabilidades além da dúvida razoável, a catástrofe ambiental? Por que, malgrado as evidências em contrário, só temos ouvidos para a berceuse de que estamos na trilha de um aquecimento médio superficial não superior a 2º C em relação ao período pré-industrial?
Essa questão não admite respostas simples. Elas pertencem, obviamente, ao âmbito da política e da capacidade das corporações de controlá-la, em detrimento dos interesses vitais da sociedade. Mas seria imprudente não procurar respostas também no âmbito da ideologia e da denegação psicológica. Uma dessas respostas pode-se encontrar no fato de que é extremamente difícil (e tanto mais, paradoxalmente, para os que têm ou poderiam ter acesso à informação abalizada) admitir a evidência de que toda civilização que reduz a natureza a um insumo, toda civilização incapaz de se entender e se sentir como parte da natureza, incapaz de respeitá-la e admirá-la como um valor intrínseco, está fadada à insustentabilidade. Tal é o caso do capitalismo e das sociedades igualmente expansivas que passaram, no século XX, pela experiência do “socialismo real”.
Quaisquer que sejam as respostas a serem avançadas a essa questão, uma certeza persiste: um plano de ação consequente sobre como agir em relação às mudanças climáticas deve partir de duas premissas: (1) levar (de fato) a sério o saber científico acerca de nossa trajetória de catástrofe ambiental; (2) abandonar a ilusão de que as elites do poder político e financeiro renunciarão a seus interesses econômicos imediatos em prol do interesse geral. Pois essa ilusão age como um poderoso narcótico. Ela diminui o nível de adrenalina imprescindível em situações de ameaça existencial iminente, tal como a que agora nos confronta.

[1] Cf. Potsdam Institute for Climate Impact Research and Climate Analytics, Turn down the Heat: Why a 4°C Warmer World Must be Avoided. A Report for the World Bank Novembro, 2012 (em rede).
[2] Veja-se, por exemplo, Yangyang Xu & Veerabhadran Ramanathan, “Well below 2° C: Mitigation strategies for avoiding dangerous to catastrophic climate changes”. Proceedings of the National Academy of Sciences, 14/IX/2017: “>1.5° C as dangerous; >3° C as catastrophic; and >5° C as unknown, implying beyond catastrophic, including existential threats”.
[3] Cf. James Hansen et al. “Global Temperature Change”. Proceedings of the National Academy of Sciences, 26/IX/2006, 103, 39, 14288-14293: “Sea level was 25–35 m higher the last time that the Earth was 2–3°C warmer than today, i.e., during the Middle Pliocene about three million years ago”.
[4] Cf. J. Hansen, Wild, 2007: “This warming has brought us to the precipice of a great ‘tipping point.’ If we go over the edge, it will be a transition to ‘a different planet,’ an environment far outside the range that has been experienced by humanity. There will be no return within the lifetime of any generation that can be imagined, and the trip will exterminate a large fraction of species on the planet” (em rede).
[5] Cf. Johannes Friedrich, Mengpin Ge & Andrew Pickens, “This Interactive Chart Explains World’s Top 10 Emitters, and How They’ve Changed”. World Resources Institute, 11/IV/2017 (em rede).
[8] Cf. Christiana Figueres, Hans Joachim Schellnhuber, Gail Whiteman, Johan Rockström, Anthony Hobley & Stefan Rahmstorf, “Three years to safeguard our climate”. Nature, 28/VI/2017 (em rede).
[9] Cf. Richard J. Millar et al., “Emission budgets and pathways consistent with limiting warming to 1.5 °C”. Nature Geoscience18/IX/2017.
[11] Cf. Paulo Hockenos, “Germany is a Coal-Burning, Gas-Guzzling Climate Change Hypocrite”, Foreign Policy, 13/XI/2017; Sören Amelang, Benjamin Wehrmann, Julian Wettegel, “Germany’s energy use and emissions likely to rise yet again in 2017”. Clean Energy Wire, 13/XI/2017.
[13] Cf. Nicola Pamplona, “Governo amplia até 2040 regime de isenção fiscal no setor de petróleo”. Folha de São Paulo, 18/VIII/2017.
[14] Cf. Carlos Zarattini, “Gigantes do petróleo livres de impostos?”. CartaCapital, 26/X/2017.
[15] Cf. Fabiano Maisonnave, “Desmatamento agrega ao PIB apenas 0,013% ao ano, diz estudo”. Folha de São Paulo, 13/XI/2017. Segundo Paulo Barreto, citado por Maisonnave: “Num primeiro momento, o acesso fácil aos recursos naturais produz uma explosão de riqueza no município. Essa riqueza, contudo, fica concentrada nas mãos de poucos e vai se esgotando em poucos anos. O resultado final são cidades inchadas, com infraestrutura deficiente, sem empregos de qualidade e com concentração de renda”.
Luiz Marques é professor livre-docente do Departamento de História do IFCH /Unicamp. Pela editora da Unicamp, publicou Giorgio Vasari, Vida de Michelangelo (1568), 2011 e Capitalismo e Colapso ambiental, 2015, 2a edição, 2016. Coordena a coleção Palavra da Arte, dedicada às fontes da historiografia artística, e participa com outros colegas do coletivo Crisálida, Crises SocioAmbientais Labor Interdisciplinar Debate & Atualização (crisalida.eco.br).
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 29/11/2017

ANGRA DOS REIS E AS PRAIAS PRIVADAS.

Com 25 praias privadas, Angra dos Reis ensina como os ricos limitam o acesso dos pobres ao mar


Em Angra, uma aula sobre praias privatizadas

Por Rogério Daflon, da Agência Pública
Inspirada por um dia de sol, a então adolescente Irene Chaba Ribeiro se flagrou feliz com a quantidade de belas praias de sua cidade natal, Angra dos Reis, no litoral do Rio de Janeiro. Desde pequena, sua rotina de pôr o pé na areia a levava a pegar dois ônibus, a passar do centro do município e só assim chegar às praias de Figueira, Bica e Tanguazinho. Naquela tarde ela se perguntou por quê. “O que me causava estranheza é que praias perto de minha casa, no bairro Mombaça, bem mais extensas e com águas cristalinas, eram, na prática, privadas”, recordou Irene, hoje uma geógrafa e ativista contra a privatização de praias. Anos depois, passou a participar do que ela chama de “farofadas” em praias restritas, encontros de jovens locais para usufruir daqueles espaços. E resolveu investigar por que certos condomínios se isolam de uma forma tão radical, a ponto de apartar das praias próximas a população da cidade.
Em 2016, assim que começou sua dissertação sobre as praias privatizadas em Angra, Irene participou de um movimento com entidades da sociedade civil, para pôr abaixo um muro construído por um ente privado, obstruindo o acesso à praia da Bica. “Nós destruímos o muro, e ali eu percebi que escreveria minha dissertação não só como pesquisadora, mas como ativista”, disse Irene à Pública. Praias como a da Figueira e Bica, outrora privatizadas, foram reabertas ao público depois de muito protesto.
Filha de engenheiros florestais, ela afirma que a luta pelo direito à praia é contra quem instala mansões de luxo, resorts, clubes, entre outras estruturas que, ao mesmo tempo, inibem a circulação e promovem segregação da areia. Sua dissertação de pós-graduação em geografia na Universidade Federal Fluminense, em vez de abordar a questão da praia a partir de populações tradicionais, como as indígenas, quilombolas e caiçaras, todas com presença marcante no litoral de Angra, dá ênfase justamente à sua experiência pessoal e de seus pais, membros da Sociedade Angrense de Proteção Ecológica (Sapê), uma ONG que luta pela praia democrática de uso “comum” – aquela em que a mistura de classes sociais dá o tom sob o sol.
“Indo de encontro à mercantilização da vida, o comum aparece como conceito e horizonte para a produção de relações sociais e de um espaço destinado ao bem-estar comum’’, pontua. “Colocando o direito de apropriação social e de uso coletivo acima do direito de propriedade, o ‘comum’ se mostra como princípio político para a reflexão sobre o direito à praia.”
A historiadora Juliana Malarba, da ONG Fase, traz um alerta à discussão sobre o “comum”. Ela diz que a praia permite o uso comum, uma sociabilidade e também a “reprodução social de lazer e de trabalho” – incluindo aí pescadores, marisqueiros e outros tipos de trabalho à beira-mar. “É claro que não se pode degradar a praia, mas não podemos cair no conto da natureza intocada. Condomínios de luxo, por vezes, propagandeiam que preservam a praia. Esse é um falso argumento, em nome de interesses privados”, alerta.
A geógrafa mapeou 55 praias de Angra dos Reis e as distinguiu em termos de acesso da seguinte forma: acesso privatizado, ou seja, proibido ao público e franqueado a proprietários e hóspedes; acesso livre; acesso controlado, com a entrada na praia franqueada sob condições, como seguranças em portarias e cancelas exigindo identificação do usuário ou estabelecendo horários à circulação e permanência; acesso de interesse estatal, como áreas militares; e, por fim, falta de acesso pela impossibilidade de se chegar por terra. Segundo seu levantamento, 8 são praias controladas, e nada menos que 25 são privatizadas.

Luciano Huck: multa de R$ 120 mil

Igor Miranda, procurador do Ministério Público Federal, afirma que a lei da praia livre é desrespeitada de forma recorrente em Angra dos Reis. “Aqui, há um número elevado de ações contra o que se chama de privatização de praias. Há casos impressionantes de condomínios que fazem de tudo para que praias só sejam frequentadas por seus moradores’’, disse o procurador à Pública.
Há quadros gravíssimos de apropriação da areia e do mar públicos que perduram desde os anos 1970 em Angra dos Reis, a partir da construção da Rodovia Rio-Santos, que aumentou o potencial turístico e imobiliário da região. O Ministério Público Federal (MPF) investiga, por exemplo, o heliponto instalado no mar próximo à faixa de areia na praia do Morcego, na ilha da Gipoia. O MPF não cita nomes nem endereços, mas admite que está em fase de procedimentos em condomínios na BR-101, a Rodovia Rio-Santos. Na mesma ilha, há procedimentos que investigam a existência de impedimentos de acesso a praias. Segundo o MPF, são muitos os casos ao longo da via de condomínios que impedem acessos a praias. A Pública fez um pedido para que o MPF listasse todos os casos, mas não foi atendida em sua demanda.
Luciano Huck, que chegou a ser cotado como candidato à Presidência em 2018, foi condenado por ter cerceado o acesso à praia em frente de sua mansão na Ilha das Palmeiras. Depois de recorrer da condenação, adiando-a por seis anos, o titular do programa “Caldeirão do Huck”, da Rede Globo, pagou recentemente uma multa por cercar de boias o mar em frente à sua residência em Angra dos Reis, a qual já vendeu para o empresário Joesley Batista, dono da JBS e preso pela Polícia Federal.
Igor Miranda, o promotor do Ministério Público Federal de Angra dos Reis, disse à Agência Pública que o próprio Luciano Huck reconheceu a sentença e pagou R$ 40 mil. “Mas ele precisa pagar mais R$ 80 mil, porque deixou as boias 40 dias após a sentença”, garantiu o procurador. Como Huck não quis mais tentar novos recursos, a sentença foi confirmada pelo Tribunal Federal Regional da 2 Região. A multa adicional era de R$ 2 mil por dia.
No documento, o MPF justifica a multa adicional: “Preliminarmente, que foi deferido parcialmente às fls. 76/78 o pedido formulado pelo MPF de concessão da antecipação dos efeitos da tutela, determinando que, no prazo de dez dias, o réu Luciano Huck procedesse a imediata retirada da estrutura de cerco aparentemente dedicada à maricultura, existente no entorno da Ilha das Palmeiras, que se estende ao longo de toda a faixa costeira da residência do réu Luciano Huck, sob pena de retirada compulsória e/ou imposição de multa diária no valor de R$2.000,00 (dois mil reais), no caso de descumprimento. Não obstante, o réu Luciano Huck não cumpriu a medida liminar e interpôs recurso de agravo às fls. 105/126. Em razão de tais condenações, do trânsito em julgado ter ocorrido em 01 de agosto de 2017, bem como o executado ter cumprido parcialmente o julgado, faz-se necessário o cumprimento integral da sentença”.
O MPF deixa claro que Huck ocupou um espaço público, como enfatiza o texto da própria ação: “foi proferida sentença resolutiva de mérito, no bojo da qual restou declarada em face de Luciano Huck a ilegal instalação de cerco de boias, que resultou na privação da coletividade de bem público de uso comum. Tal fato, inexoravelmente, fez presumir o resultado danoso em detrimento da coletividade e dos frequentadores do local (turistas e moradores da localidade)”.
A condenação data de 2011 e foi proferida pela juíza Maria de Lourdes Coutinho Tavares. À época, ele alegou que as boias eram para o cultivo de mariscos.  Na sentença, a juíza já apontava a vontade do apresentador em privatizar um espaço público: “A maricultura seria um pretexto para legitimar a pretensão não acolhida pela lei, de apoderamento de bem de uso comum do povo”. Ativista ambiental de Angra, Ivan Marcelo Neves disse à Pública que Huck iniciou a obra de sua mansão na ilha no início dos anos 2000, mas só teria conseguido uma licença do Instituto Estadual do Ambiente (Inea) em 2004.
Pública ligou para o Inea para confirmar a licença, mas não obteve retorno do instituto. Mas, segundo Ivan, Huck, sem licença ambiental, fez também o que se chama tecnicamente de engorda de praia. Pegou areia do lugar, e trouxe mais areia em lanchas, para fazer um cantinho de praia particular. “Ele fez essa engorda de praia sem amparo [legal]”, diz Ivan, acrescentando que a casa foi construída em desconformidade do zoneamento da Área de Proteção Ambiental Tamoios.
A liderança local disse que Huck quis se isolar com boias, também, porque turistas que passeavam de barco e até paparazzis queriam fotografar famosos levados à ilha. “O casal de atores norte-americanos Demi Moore e Ashton Kutcher chegaram a ser hospedar na mansão em Angra. Um paparazzi chegou a quebrar uma perna caindo de uma árvore”.
A partir de 2007, a prefeitura de Angra chegou a processar Huck por construção irregular, e o apresentador foi defendido pela então primeira-dama fluminense Adriana Ancelmo, advogada e esposa do então governador Sérgio Cabral. Coincidência ou não, Cabral fez, em 2009, o decreto 41.921, que tem normas mais frouxas para construções em algumas regiões de Angra dos Reis, inclusive aquela onde está instalada a mansão, que foi afinal vendida em 2013 ao empresário Joesley Batista, atualmente preso em decorrência da Operação Lava-Jato. Como a Procuradora Geral da União está questionando o decreto estadual, a mansão, com um novo dono, tem à sua espreita o fantasma da irregularidade.
Procurado pela reportagem, Luciano Huck não respondeu às perguntas.

Um tour entre praias privatizadas

Irene sonha em ser professora de geografia. De olho nas encostas de seu município, ela acompanhou a reportagem da Pública em uma aula de mais de cinco horas, a bordo de um barco, apontando as praias de acesso dificultado.
Logo no início da nossa “vistoria”, ela chamou atenção da equipe: “Olha aquilo ali”. Trata-se da foto abaixo, na qual uma mansão, com ares de palácio medieval, avança sobre a areia, em um dos extremos da praia Grande. Trata-se de um caso de praia sem acesso, de acordo com a classificação da pesquisadora. “Já tentei ir à praia por ali, mas a mansão não oferece qualquer caminho. Ou seja, aquele canto da praia, na prática, é da família dona da mansão. Um desrespeito à lei, é claro”, resume.
Mansão com heliponto avança sobre a faixa de areia na praia Grande (Foto: Júlio César Guimarães/Agência Pública)
Mansão com heliponto avança sobre a faixa de areia na praia Grande (Foto: Júlio César Guimarães/Agência Pública)
A seguir, Irene pediu ao condutor do barco que seguisse rumo à Ilha da Gipoia. Seu intuito era ilustrar a distinção que fez na sua tese. Passamos adiante da praia do Morcego, onde o acesso é controlado. Um heliponto fincado no meio do mar já demonstra a classe dos frequentadores.
Heliponto em frente à praia do Morcego: ostentação invade o mar (Foto: Júlio César Guimarães/Agência Pública)
Heliponto em frente à praia do Morcego: ostentação invade o mar (Foto: Júlio César Guimarães/Agência Pública)
Ao chegar à faixa de areia, Irene e a equipe da Pública passaram a ser seguidas por um segurança. “O senhor sabe que a praia é pública?’’, desafiou Irene.
Segurança (com casaco preto) segue a geógrafa Irene Chada, mais adiante (Foto: Júlio César Guimarães/Agência Pública)
Segurança (com casaco preto) segue a geógrafa Irene Chada, mais adiante (Foto: Júlio César Guimarães/Agência Pública)
O homem disse que tinha consciência disso, sim, mas estava ali para fornecer segurança aos donos da casa, que ele não quis identificar. Por fim, contou que era policial militar e, com mais cinco soldados do Batalhão de Angra dos Reis, se reveza na tarefa de tomar conta da residência ali e, de certa forma, da praia. Esse trabalho não faz parte do policiamento do poder público. Trata-se de um serviço particular feito por um agente público.
Irene prosseguiu na sua aula: “Hoje o acesso aqui é controlado, já que fomos abordados pelo segurança, que não parou de nos seguir. Mas a praia do Morcego já teve acesso privatizado. Isso é uma dinâmica que depende muito da reação das pessoas.” Ela explica que os proprietários chegaram a fazer, no passado, uma trilha por cima da propriedade de luxo na praia, a fim de desviar o caminho dos pedestres da faixa de areia.
Ao final da praia do Morcego, um portão separa a praia vizinha, chamada de Armação. O segurança se apressou a dizer que aquele acesso está livre. “O portão está aberto.” Engano dele. O portão estava fechado. Trata-se, portanto, de um dos casos avaliados pela geógrafa, de impedimento total de acesso.
Portão trancado impede passagem à praia da Armação, vizinha à do Morcego (Foto: Júlio César Guimarães/Agência Pública)
Portão trancado impede passagem à praia da Armação, vizinha à do Morcego (Foto: Júlio César Guimarães/Agência Pública)
Abaixo, mais alguns detalhes da praia do Morcego, onde a faixa de areia foi desrespeitada por obras como esta, em que um gramado tomou o espaço. O segurança nos proibiu de caminhar pelo gramado.
Gramado na praia do Morcego invade faixa de areia e dificulta acesso (Foto: Júlio César Guimarães/Agência Pública)
Gramado na praia do Morcego invade faixa de areia e dificulta acesso (Foto: Júlio César Guimarães/Agência Pública)
Já a imagem abaixo expõe como um muro de pedra também avançou sobre a faixa de areia.
(Foto: Júlio César Guimarães/Agência Pública)
(Foto: Júlio César Guimarães/Agência Pública)
A praia do Morcego é cercada de boias, a fim de evitar que embarcações atraquem. Muitas vezes, os “donos” alegam que estão fazendo cultura de mariscos a partir das boias. Na praia da Armação, as mesmas boias são fincadas a fim de impedir a livre circulação de embarcações.
(Foto: Júlio César Guimarães/Agência Pública)
(Foto: Júlio César Guimarães/Agência Pública)

Praia da Amendoeira

Na sequência, visitamos a bela praia da Amendoeira, também na ilha da Gipoia; é um grande exemplo de como o acesso pode ser obstruído.
Praia da Armação: conhecida por suas ondas, é um paraíso dos surfistas (Foto: Júlio César Guimarães/Agência Pública)
Praia da Armação: conhecida por suas ondas, é um paraíso dos surfistas (Foto: Júlio César Guimarães/Agência Pública)
Trata-se de uma praia de mar aberto cujas ondas grandes fazem a festa dos surfistas. Para se chegar até ela, era só pegar um barco, ir até a praia da Fazenda e andar dez minutos pela trilha. “Era um caminho tradicional aqui em Angra. Eu me lembro de tê-lo feito na minha infância”, diz Irene. Hoje, o caminho é impedido: Irene foi informada por seguranças de que não se pode mais caminhar pela trilha que conheceu na infância. Impressionaram a pesquisadora as placas como “Cuidado, não entre. Cão rottweiller solto” e “Propriedade particular, proibida a entrada e passagem. Favor não crie problemas’’.
Os surfistas e apreciadores de uma natureza exuberante sofrem para ir à praia da Amendoeira. De barco, como é mar aberto, nem sempre é possível atracar. A trilha alternativa, por sua vez, é inóspita, como se pode conferir em seguida.
(Foto: Júlio César Guimarães/Agência Pública)
(Foto: Júlio César Guimarães/Agência Pública)
A entrada da “trilha” obriga uma pessoa a sair de um barco e ir até algumas boias dispostas de maneira improvisada, para dali subir a pequena encosta. A trilha até Amendoeiras dura mais de meia hora e é mantida apenas por surfistas. Os funcionários da praia da Fazenda aconselharam a equipe de reportagem e Irene a não fazer a trilha naquele dia, porque, como chovera na véspera, o caminho estava escorregadio e perigoso.
Angra dos Reis abriga também entre suas mansões a de José Bonifácio de Oliveira, o Boni, que dirigiu a Rede Globo durante três décadas. O heliponto de Boni se destaca mais do que sua própria casa na paisagem, aproximando-se da faixa de areia. E o empresário ainda instalou um deque sobre a praia. Procurado pela Pública, ele não respondeu até a publicação desta reportagem.
(Foto: Júlio César Guimarães/Agência Pública)
(Foto: Júlio César Guimarães/Agência Pública)
Boni, entretanto, tem concorrente à altura. Em uma das praias do bairro da Mombaça, um condomínio instalou um muro com grade para evitar “invasões”.
(Foto: Júlio César Guimarães/Agência Pública)
(Foto: Júlio César Guimarães/Agência Pública)
Abaixo, uma das trilhas para a praia do Café, no bairro de Mombaça, onde há diversos condomínios. Na maré cheia, o caminho, espremido pelo muro, desaparece sob a água – mais um caso de acesso impedido.
(Foto: Júlio César Guimarães/Agência Pública)
(Foto: Júlio César Guimarães/Agência Pública)
Ao visitar o Condomínio Mombaça, a reportagem foi alertada pelos seguranças: as praias no seu interior são proibidas à visitação. Praias privatizadas, portanto.
(Foto: Júlio César Guimarães/Agência Pública)
(Foto: Júlio César Guimarães/Agência Pública)
Em outro condomínio, Ponta da Mombaça, por sua vez, só pode frequentar as praias ali quem for identificado.
Tendo em vista que a legislação brasileira – à diferença de outros países – garante que as praias “são bens públicos de uso comum do povo, sendo assegurado, sempre, livre e franco acesso a elas e ao mar”, em qualquer direção e sentido”, Angra dos Reis é, de fato, uma terra sem lei.
Segurança na entrada de condomínio na praia da Mombaça (Foto: Júlio César Guimarães/Agência Pública)
Segurança na entrada de condomínio na praia da Mombaça (Foto: Júlio César Guimarães/Agência Pública)

Segurança nacional?

Especialistas criticam o uso que as Forças Armadas fazem do litoral fluminense. “A legislação diz que, em caso de interesse de segurança nacional, as praias podem deixar de ser consideradas bens de uso comum do povo. Mas, no ano passado, o Ministério Público Federal flagrou algo além da segurança”, disse a geógrafa Irene Ribeiro à Pública.
Em dezembro de 2016, o MPF entrou com uma ação civil pública para tornar públicas as praias do Colégio Naval de Angra dos Reis. Motivo: o MPF não viu nenhum documento ou movimentação específica de que a Marinha usasse as praias em prol da segurança nacional. O Clube Coqueiro, anotou o MPF na ação, chegou a alugar suas instalações à beira-mar. Exigiu então que barreiras físicas de acesso às praias fossem retiradas. Nada foi feito, e o imbróglio na Justiça se mantém, acendendo o debate sobre a ocupação militar nas praias. O procurador Igor Miranda está à frente do processo.
Algo assim já tinha sido constatado na praia de Copacabana, na cidade do Rio de Janeiro. O Forte de Copacabana, administrado pelo Exército, foi outro a ser investigado pelo MPF. O acesso à praia ali foi franqueado exclusivamente a uma empresa em 2013, que por três meses fez festas na areia com muita, muita música eletrônica. Em nota, a assessoria de imprensa do MPF informou que, à época, “foi assinado um termo de ajustamento de conduta (TAC) em maio de 2016 para que o Exército não permitisse a realização de eventos de caráter particular nas praias integradas ao Forte ou nas de acesso controlado”. Hoje, o acesso continua controlado de qualquer forma, sob o pretexto de segurança nacional.
O Forte da Urca, também na zona sul carioca, tem suas praias frequentadas somente por quem paga uma mensalidade para frequentá-la. Segundo a assessoria do MPF do Rio de Janeiro, “houve um procedimento, arquivado em 2015. O MPF não viu irregularidades”. Já na zona oeste, na restinga de Marambaia, sob a responsabilidade do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, também se cobra pelo acesso a praias paradisíacas, em quase 50 quilômetros de litoral, que avançam sobre mais duas cidades: Itaguaí e Mangaratiba.
Em 2016, em Niterói, cidade vizinha ao Rio, houve a expulsão de famílias de caiçaras da tradicional aldeia Imbuhy pelo Exército, presente ali no forte da praia do Imbuhy. Para ir à praia, só pagando R$ 300 por um trimestre. Ali também o acesso é controlado. O MPF chegou a se reunir com representantes do Exército reclamando de que o controle estava excessivamente rígido. Em maio deste ano, o MPF acompanhou a reformulação de cláusulas no Termo de Permissão de Uso. Já a luta dos caiçaras contra a expulsão e pelo seu retorno à aldeia continua na Justiça.
A assessoria de imprensa do MPF informou que há possibilidades de novos procedimentos contra a Marinha. Motivos não faltam.
Da Agência Pública, in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 28/11/2017