Retrocessos na Argentina: empobrecimento de um país que já foi rico, artigo de José Eustáquio Diniz Alves
Nos últimos 12 anos a Argentina se empobreceu não só em termos relativos, mas também em termos absolutos.
“As ditaduras fomentam a opressão, as ditaduras fomentam o servilismo, as ditaduras fomentam
a crueldade; mas o mais abominável é que elas fomentam a idiotia”
Jorge Luis Borges (1899-1986)
A Argentina estava entre os países mais ricos do mundo no início do século XX. Os argentinos tinham uma renda per capita, em 1900, equivalente à renda da Alemanha, Canadá e França e acima da renda da Itália, Espanha, Japão e bem superior à renda da maioria dos países. Só perdiam para países como EUA, Reino Unido e Suíça. Em relação ao Brasil, a Argentina tinha uma renda mais de 6 vezes maior e mais de 2 vezes em relação à renda per capita global.
Nos últimos 120 anos, a renda per capita da Argentina cresceu em termos absolutos, mas diminuiu em termos relativos. O gráfico abaixo, do “Maddison Project Database 2020”, mostra que a Argentina era mais rica do que alguns países selecionados, como o Brasil, o Japão, a Espanha e a Suécia, no início do século XX. Porém, foi superada pela Suécia na década de 1920, pelo Japão na década de 1960, pela Espanha na década de 1970 e se manteve à frente do Brasil, mas com uma diferença cada vez menor no poder de compra entre os dois grandes países da América do Sul.
O gráfico abaixo, com dados do Fundo Monetário Internacional (FMI) mostra que a economia argentina representava 1,3% do PIB global em 1980, caiu para 0,73% em 2023 e deve ficar em 0,69% em 2028. No mesmo período, a Malásia (que tem uma população menor) passou de 0,35% em 1980, para 0,71% em 2023 e deve ficar em 0,75% em 2028. Ou seja, em cinco décadas, a economia da Argentina encolheu como percentagem do PIB global, enquanto a economia da Malásia se ampliou e ultrapassou o PIB da Argentina.
O baixo crescimento econômico da Argentina é um fenômeno secular, embora o país ainda apresente um Índice de Desenvolvimento Humano bastante elevado para o padrão latino-americano, de 0,842. Mas se o crescimento da renda já estava ruim no século XX, piorou na última década, pois a renda per capita da Argentina em 2022 foi menor do que a renda per capita de 2011, segundo dados do FMI, conforme mostra o gráfico abaixo. Ou seja, nos últimos 12 anos a Argentina se empobreceu não só em termos relativos, mas também em termos absolutos. E o pior é que 2023 e 2024 deverão ser anos de recessão econômica e de empobrecimento médio da população.
Paralelamente ao declínio da renda per capita há um aumento da pobreza. A Pesquisa Permanente de Domicílios (EPH), do Indec, divulgada no dia 28 de agosto de 2023, indicou que a pobreza na Argentina ultrapassou a barreira dos 40% e já afeta quase 18,5 milhões de pessoas em todo o país, o que implica um salto de quase um ponto em relação à medição do final de 2022 (39,2%) e de 3,6 pontos em relação à mesmo período do ano passado. Aumentou também o nível da indigência – os mais pobres entre os pobres – que atingiu 9,3% da população, contra 8,1% em dezembro do ano passado.
Nesta conjuntura de estagnação, retrocessos e falta de perspectivas econômicas, não é de se estranhar que haja um grande descrédito dos políticos e falta de legitimidade da democracia, que deve completar 40 anos em dezembro de 2023. Há um crescente descontentamento com os dois maiores partidos políticos da Argentina, que são o Partido Justicialista (PJ), partido peronista e a União Cívica Radical (UCR), partido social-democrata fundado em 1891.
Nas primárias (Paso), realizadas no dia 13 de agosto de 2023, a grande surpresa foi o candidato do Libertad Avanza, Javier Milei, que obteve cerca de 30% dos votos. Na chapa Juntos por el Cambio, Patrícia Bullrich foi a pré-candidata mais votada (17%), superando seu adversário, Horacio Rodríguez Larreta (11,2%). No lado do Unión por la Patria, o vencedor foi Sergio Massa (21%) que fez a diferença sobre Juan Grabois (5,7%).
A vitória da ultradireita nas primárias da Argentina, simbolizada pelo resultado do candidato autodenominado anarcocapitalista, Javier Milei, indica que a atual oposição pode conquistar maioria no Congresso nas eleições de outubro, sendo que o peronismo teve a sua pior votação em 40 anos, desde o início da redemocratização. Os eleitores sem esperança dizem que o presidente Macri foi ruim e o presidente Alberto foi pior. Por isto, estão dispostos a dar uma chance à opção Milei.
Como sucede em países com retrocessos econômicos e sociais, o fracasso dos partidos tradicionais em debelar a crise econômica e apresentar perspectivas de melhorias no futuro, somado à corrupção estatal generalizada, favorece a ascensão de lideranças populistas contra as elites políticas e econômicas e contra a normalidade democrática.
Evidentemente, uma possível vitória de Javier Milei nas eleições presidenciais representará um “terremoto político” na América Latina, indo na contramão das políticas internacionais do atual governo brasileiro. Mas ainda é cedo para avaliar os resultados e a extensão das consequências eleitorais da democracia argentina. Em outubro haverá o primeiro turno e em novembro o segundo turno das eleições presidenciais. O futuro da Argentina está nas mãos do voto popular.
José Eustáquio Diniz Alves
Doutor em demografia, link do CV Lattes:
http://lattes.cnpq.br/2003298427606382
Referências:
ALVES, JED. A população da Argentina em 2100, Ecodebate, 15/02/2013
http://www.ecodebate.com.br/2013/02/15/a-populacao-da-argentina-em-2100-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/
ALVES, JED. A Ásia emergente e a América Latina submergente, Ecodebate, 06/09/2023
https://www.ecodebate.com.br/2023/09/06/a-asia-emergente-e-a-america-latina-submergente/
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in EcoDebate, ISSN 2446-9394