Documentário Solo Fértil – ‘Kiss the Ground’
“Quando as aves falam com as pedras e as rãs com as águas –
é de poesia que estão falando”.
Manoel de Barros (1916-2014)
Artigo de José Eustáquio Diniz Alves
[EcoDebate] O documentário “Solo Fértil” (“Kiss the Ground”) da Netflix, narrado pelo ator Woody Harrelson e tendo a modelo brasileira Gisele Bündchen como produtora-executiva, faz uma denúncia da agricultura química e industrial e da pecuária de confinamento, que degradam os solos e aceleram a emissão de gases de efeito estufa (GEE) e, tudo isto, agravando o fenômeno do aquecimento global. Mas o documentário apresenta uma alternativa esperançosa de uma agropecuária regenerativa, que sequestra e armazena o dióxido de carbono em vez de liberar e acumular CO2 na atmosfera.
O filme começa examinando como o cultivo e o uso de fertilizantes químicos e pesticidas levaram à erosão do solo e, em seguida, traça os danos causados à nossa ecologia, saúde e clima.
Em contraposição, o documentário mostra uma solução alternativa, com base na agricultura regenerativa, uma prática ética projetada para restaurar terras degradadas e facilitar a retirada de carbono.
Viajando ao redor do mundo, os diretores frequentemente empregam a justaposição de imagens para mostrar a beleza da saúde do solo. Em Dakota do Norte, um fazendeiro regenerativo fica na fronteira entre sua exuberante área cultivada e as terras desertas de seu vizinho. Imagens impressionante do Platô Loess, na China, mostram como as áreas degradadas e desérticas foram completamente reavivadas depois dos métodos restauradores, transformando as nuvens de poeira em quase um Jardim do Éden.
Usando o conceito de bioeconomia, o documentário defende, em vez de fontes fósseis para a produção agrícola, o uso de recursos biológicos renováveis e a regeneração do solo como forma de revigorar a vida e de retirar carbono da atmosfera.
Sequências pedagógicas sobre ciência e agricultura são pontuadas por perfis curtos de celebridades envolvidas no ativismo climático, incluindo Jason Mraz, Patricia Arquette e Ian Somerhalder e servem para fundamentar o documentário enquanto se alterna de um tópico para outro. O lançamento do documentário “Kiss the Ground” semanas antes da eleição presidencial americana, mesmo sem citar Donald Trump, serviu para denunciar a ausência dos EUA das iniciativas climáticas sem citar nomes. A administração Trump aparece como o elefante na sala.
A despeito de toda a denúncia apresentada, o filme defende, de forma persuasiva e otimista, o poder de cura do solo, argumentando que sua capacidade de sequestrar carbono pode ser a chave para reverter os efeitos das mudanças climáticas.
Os problemas discutidos no filme “Kiss the Ground” estão em sintonia com o relatório “Climate Change and Land”, do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), da ONU, publicado no dia 08 de agosto de 2019, onde aborda a relação entre o uso da terra e seus efeitos sobre a mudança climática. O IPCC mostra que os solos têm se aquecido duas vezes mais rápido que o Planeta. A Terra como um todo aqueceu apenas 0,87º Celsius (em relação à média do século XX), enquanto a parte terrestre do Planeta aqueceu 1,5º Celsius e pode chegar a 3 graus Celsius rapidamente. Mais de 70% da terra sem gelo do planeta já é moldada pela atividade humana. À medida que as árvores são derrubadas e as fazendas tomam seu lugar, essa terra gerada por humanos emite cerca de um quarto da poluição global por gases do efeito estufa a cada ano, incluindo 13% de dióxido de carbono e 44% do metano.
O relatório do IPCC relacionou o crescimento da população mundial e o aumento do consumo per capita de alimentos (ração, fibra, madeira e energia) ao aumento sem precedentes do uso de terra e da água doce para a produção comida. O aumento da produção e consumo de alimentos contribuíram para o aumento das emissões líquidas de gases de efeito estufa (GEE), perda de ecossistemas naturais e diminuição da biodiversidade. Ou seja, para alimentar um número crescente de humanos toda a base natural do Planeta tem sido danificada ou destruída.
A humanidade já ultrapassou a capacidade de carga da Terra e o mundo precisa de um decrescimento demoeconômico para colocar as atividades antrópicas dentro da biocapacidade do Planeta. Isto é inegável e urgente.
Mas o que o documentário “Solo Fértil” mostra é que ter uma agricultura e uma pecuária fundamentadas na regeneração do solo é uma possibilidade de produzir alimentos de forma sustentável e sem agravar as mudanças climáticas. Como se diz, o sonho que se sonha junto pode se transformar em realidade.
José Eustáquio Diniz Alves
Colunista do EcoDebate.
Doutor em demografia, link do CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/2003298427606382
Referências:
ALVES, JED. Re-ge(ne)ração: a geração azul, Ecodebate, 13/08/2010
ALVES, JED. Um terço do solo do planeta está severamente degradado, Ecodebate, 22/09/2017
ALVES, JED. Para além da sustentabilidade: decrescimento demoeconômico com regeneração ecológica, Ecodebate, 06/06/2018
ALVES, JED. Mais árvores e menos gente, Ecodebate, 02/10/2019
ALVES, JED. Relatório do IPCC sobre clima, população e fome no mundo, Ecodebate, 11/10/2019
ALVES, JED. Decrescimento demoeconômico com prosperidade e regeneração ecológica, Ecodebate, 14/08/2020
Loess Plateau: Policies and Practices for Regenerating Farmland and Revitalizing Rural Economies, 2017
Kiss the Ground Film Trailer (2020)
https://www.youtube.com/watch?feature=youtu.be&v=K3-V1j-zMZw&app=desktop
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 02/12/2020
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